'Já chorei as lágrimas da Natália': mulheres negras se reconhecem no 'BBB'
Quando Natália Deodato chorou no "BBB22" depois de ver os participantes Lucas e Eslovênia se beijando, a psicóloga clínica Ellen Moraes Senra lembrou episódios de sua própria vida e de histórias que ouve em seu consultório contadas por mulheres negras. Parte delas, com emoções e questões em comum: o sentimento de ser preterida nas relações. A falta de afeto e correspondência no flerte ou no interesse com base em uma experiência, infelizmente, compartilhada por muitas, tem um nome: solidão da mulher negra.
A ideia de que Natália se sentiu preterida depois de Lucas ter flertado com ela, mas beijado outra pessoa, branca, mobilizou quem acompanha o reality. A sister também tentou ficar com Rodrigo, mas foi rejeitada.
Na manhã desta sexta-feira (28), no Twitter, a hashtag "solidão da mulher negra" reunia depoimentos daquelas que acham que "não merecem ou nunca vão conhecer o amor", analisa Ellen, que também é negra.
"Excluídas desde a infância, nas relações, sentem que só servem para o sexo, não para ficar de casalzinho. A sociedade diz que somos mulheres desejáveis, principalmente pela questão do corpo, mas não boas para sermos apresentadas à família do parceiro ou para casar".
"Já chorei as lágrimas da Natália"
Expondo situações em que se sentiram diminuídas, trocadas ou excluídas, mulheres negras foram ao Twitter para falar como o racismo interfere em seus relacionamentos.
Alguns comentários, que reproduzimos a seguir, mostram episódios sensíveis e podem ser gatilhos emocionais para outras pessoas.
"Na única vez que fiquei com menino considerado bonito na escola, todos zoaram ele"
"Ele ficou com minha amiga branca"
"Aceitava, pois havia em mim o desespero por ser amada"
Para Ellen, que é especialista em terapia cognitivo-comportamental e autora do livro "A Psicologia e a Essência da Negritude: Uma Visão do Ser Negro no Brasil" (ed. Conquista), tantas vivências compartilhadas por mulheres negras têm um ponto em comum: a de que, no país, o ideal de beleza ainda é associado à mulher branca, de cabelos lisos. Nos relacionamentos afetivos, como no que Natália projetava com Lucas, essa visão racista pode afetar negativamente a autoestima das pessoas negras.
Pessoas negras crescem com a crença do desamor e da desvalorização, especialmente as mulheres, achando que não são boas o suficiente. Há, aliás, a solidão da menina negra.
"Eu passei por isso: quando chegou a fase de beijar na boca, todas as minhas amigas começavam a namorar, e eu, não. Era a última escolhida ou a que sobrava, para ficar com o menino que também sobrava", lembra. "Sem contar que somos preteridas até nas amizades".
A jornalista e empreendedora Cris Guterres, que assina uma coluna em Universa, escreveu sobre o tema. Em seu texto mais recente, "Natália do BBB chorou porque sabe que o amor não é para mulheres negras", a autora explicou por que o discurso de "amor não tem cor" não tem sentido. "Desculpa, meu bem, só acredita nessa história vazia de que o amor não tem cor aquele que sempre foi amado por todos", afirmou.
"Na coluna, escrevo para quebrar minhas vulnerabilidades e as pessoas se identificarem. Ao ver a cena da Natália percebi o peso que ela carrega pela vida toda, algo que eu e minhas amigas já vivemos. Aquilo me fez lembrar uma vez em que estava me relacionando com um rapaz, ele disse que não queria algo sério e, em menos de 30 dias, fazia juras de amor na internet para outra mulher. E ela era branca", relata Cris a Universa. "A questão da raça precisa ser mencionada. Não há um desejo de criar rixa entre mulheres negras e brancas. É para abrir os olhos da sociedade, principalmente das mulheres, para o fato de que estamos sendo relegadas e de que o amor não é permitido para nós".
Por que Natália chorou?
Ellen explica que, apesar de a cena ter sido interpretada como um exemplo de como a solidão da mulher negra opera, as motivações do choro de Natália não são facilmente desvendadas por quem está de fora. "Pode ser que ela tenha chorado porque queria viver uma relação e se sentiu frustrada. E pode ter também a questão de que, mais uma vez, ela não foi a escolhida, se entendermos que ela já sentiu essa solidão outras vezes. A verdade é que não temos como saber o que, exatamente, fez ela chorar", analisa.
"Ainda assim, é um tema importante de se falar. Vão dizer que é frescura, que é mimimi, que há mulheres negras casadas. E não é isso. Mulheres negras são preteridas, isso é um processo delicado e remete à escravidão, de quando o corpo só era visto para procriar".
Fortalecer autoestima depende de cuidados, diz psicóloga
Diante das agressões que o racismo reforça no cotidiano de mulheres e homens negros, a saúde mental e emocional deve estar em primeiro plano, explica Ellen. "É indicado fazer terapia racializada, ficar perto de pessoas negras que tenham autoestima e consciência racial para se fortalecer. Com autoconfiança, conseguimos fazer com que nossos pares também se sintam melhor. É o 'ubuntu', palavra de origem africana que significa 'eu sou porque nós somos'".
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