Mortes de trans caem, mas Brasil mantém maior taxa de assassinatos do mundo
Apesar de o Brasil ter apresentado uma queda de 20% no número de pessoas trans assassinadas no último ano, o país ainda tem a maior taxa de mortes dessa população em todo o mundo. Os dados são de um levantamento da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transsexuais), divulgado nesta sexta-feira (28), mostrando que 140 transexuais e travestis perderam suas vidas em 2021.
Das vítimas, 135 são travestis e mulheres transexuais, cinco são homens trans e pessoas transmasculinas. Nos casos em que foi possível identificar a identidade racial da vítima, 81% eram pessoas negras.
A Antra ainda alerta para o aumento do número de tentativas de homicídio. Em 2021, foram registradas 79 casos. No ano anterior, em 2020, 77. O índice representa aumento de 32,7% em cinco anos, desde o início do estudo.
O dossiê é feito anualmente pela associação, abarcando registros durante 1º de janeiro a 31 de dezembro, e sua divulgação coincide com o Dia Nacional da Visibilidade Trans, em 29 de janeiro. É a única fonte de dados sobre violência transfóbica no país — especialmente em relação aos homicídios de pessoas trans, aponta Bruna Benevides, coordenadora do leventamento e responsável pela análise dos dados.
"Há cinco anos fazemos essa pesquisa e, mesmo diante de nossos esforços, não houve até o momento qualquer política pública de enfrentamentos da transfobia", diz.
"Fica difícil determinar exatamente uma explicação para a queda deste número em um momento em que políticas antitrans ganham espaço, e o Brasil segue omisso em relação a proteção da vida dessa população, assim como retrocedeu em políticas de enfrentamento a violência de gênero", pontua.
O levantamento destaca ainda queda da média de idade das vítimas. Em 2020, a idade da vítima mais jovem era de 15 anos. Em 2021, esse dado caiu para 13 anos. Em 2017, quando a Antra fez o primeiro levantamento, a vítima mais jovem tinha 17 anos.
"Os sistemas de segurança pública e de Justiça continuam sem a sistematização de dados governamentais a respeito da violência contra a população trans e há ainda a subnotificação que já temos denunciado desde o início da pesquisa em 2017. É importante analisar o cenário do ano da pesquisa de forma ampla, e não apenas de aumento ou diminuição, visto que os dados friamente não informam o contexto em que essa violência aconteceu", pondera Benevides.
Brasil ainda é o país mais perigoso para pessoas trans
Mesmo com a queda do número de assassinatos mapeados em 2021, o país permaneceu como o que mais mata pessoas trans no mundo pelo 13º ano consecutivo, de acordo com a ONG Transgender Europe, que faz o monitoramento global desde 2008.
A cada 10 assassinatos de pessoas trans no mundo desde que o estudo foi iniciado, quatro ocorreram no Brasil.
A atualização do monitoramento global de 2021 revelou 375 casos reportados de pessoas trans em 74 países em todo o mundo, entre 1º de outubro de 2020 e 30 de setembro de 2021. Nesse período, o Brasil registrou 125 mortes, seguido do México (65) e Estados Unidos (53).
Para Benevides, este número reflete a falta de ações do Estado e das instâncias de governos para enfrentar a transfobia, além de não reconhecerem o preconceito contra pessoas transgênero como um problema social.
Ela aponta outros fatores que levam o país a encabeçar esta lista, entre eles a interferência de uma ideologia religiosa dominante no Estado e em sua forma de atuar, a transfobia social e institucional, a ideia equivocada de que pessoas trans são doentes e a falta de discussões sobre diversidade de gênero em todos os espaços sociais.
Enterro com nome de registro: estudo destaca violações após mortes
O relatório deste ano também destaca apagamento da identidade de gênero das vítimas após a morte, o que também é considerado uma violência. Em 2021, houve dois casos notificados em que isso ocorreu.
Uma das vítimas foi Keron Ravach, 13, vítima mais jovem de transfeminicídio em 2021, segundo o mapeamento. Ela foi assassinada em janeiro do ano passado em Camocim, no interior do Ceará, e enterrada com o nome de registro.
O dossiê não traz estatísticas sobre o tema por causa dificuldade, conta Benevides, de mapear esses casos. "Há falta de padrão na forma de noticiar isso pela mídia. Faltam também dados governamentais e apoio financeiro para a realização de um levantamento, incluindo a formação de uma equipe qualificada para a coleta e tratamento dos dados", diz a pesquisadora.
Mesmo com as dificuldades e apenas dois casos registrados — o que não significa que foram os únicos —, Benevides chama a atenção para essa violência e para a importância de se criar ações que erradiquem a violência transfóbica.
"Precisamos gerar uma discussão com toda a sociedade a respeito da transfobia e das violências contra pessoas trans, no sentido de humanizar essa população e garantir acesso a direitos sociais e políticos de forma efetiva e direta. Para que outras gerações tenham uma vida melhor", afirma Benevides. "
"Falamos de morte para gerar vidas."
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