Jogadora é afastada de time argentino, e 12 atletas denunciam discriminação
Treze jogadoras apresentaram queixas por violência laboral e discriminação de gênero e diversidade sexual contra o Rosário Central, um dos times de futebol mais tradicionais da Argentina. O afastamento da jogadora Maíra Sanchez foi o estopim para que outras 12 atletas da equipe denunciassem práticas de assédio e violência laboral, segundo elas, enfrentadas ao longo da última temporada. O Rosário Central nega todas as acusações.
Maíra diz que foi dispensada por ter "supostamente" beijado uma companheira nas instalações do clube. Ela não admite o beijo. O clube também não diz que a dispensa tenha relação com isso. Mas é fato que o caso fez com que outras atletas se posicionassem publicamente contra as condições de trabalho no Rosário Central.
"Muitas de nós somos torcedoras do time e não queremos fazer mal à instituição. Mas, sim, esperamos a resolução dos problemas para que essas situações não voltem a acontecer no futebol feminino", afirma a jogadora. "Sofremos vários episódios, por isso a denúncia coletiva."
O grupo ingressou com ação junto ao INADI (Instituto Nacional contra a Discriminação, Xenofobia e Racismo). Na denúncia, as jogadoras relatam maus tratos, ameaças, discriminação de gênero e à diversidade sexual. As atletas citam abuso de poder e pressão para que jogassem mesmo lesionadas. "São atos que atentaram contra nossa saúde física e mental. Também violaram nossos direitos como trabalhadoras", pontua o documento.
A versão oficial, apresentada pelos dirigentes, é que o afastamento de Maíra e das demais profissionais teria se baseado em critérios unicamente técnicos.
Futebol contra a violência de gênero
O Rosário foi um dos precursores dentro do futebol argentino a formar uma Secretaria de Gênero e Diversidade, em 2018. River Plate, Boca Juniors, San Lorenzo e Veléz são algumas das equipes a também constituir um departamento exclusivo para combater a violência de gênero, estabelecendo por exemplo o rompimento unilateral de contratos de atletas envolvidos em crimes contra a mulher.
"A secretaria leva anos trabalhando diariamente por uma instituição cada vez mais igualitária e jamais toleraria uma situação de tais características no vestiário de nenhum de seus planteis", afirma a direção do Rosário, por meio de nota oficial.
De acordo com as jogadoras, a instituição foi procurada, mas teria se omitido diante das demandas apresentadas por elas. "Surpreende essa denúncia, pois trabalhamos muito nesse tema. A ideia é incentivar a participação das mulheres e garantir a elas um ambiente saudável e seguro. Sempre acompanhamos os problemas dentro do grupo e as situações particulares, na medida do possível", afirma Carla Facchiano, integrante da secretaria e responsável pelo futebol feminino no clube argentino.
Para a advogada Melisa Garcia, representante do coletivo e fundadora e presidente da Abofem (Associação de Advogadas Feministas), o contexto vivenciado em Córdoba é uma síntese dos obstáculos compartilhados por muitas jogadoras em toda a Argentina. "Apesar da profissionalização recente, há enormes desigualdades estruturais e de tratamento. Muitas vezes, falta equipamento adequado para treinamentos e jogos, jogadoras atuam lesionadas, além de faltar regularização do ponto de vista trabalhista em muitos casos."
Em breve deve acontecer uma audiência entre as partes. Dentre as 13 profissionais que assinam a denúncia, somente três seguem treinando, em virtude da vigência de seus contratos. As outras dez profissionais ainda aguardam definição a respeito do vínculo com a equipe. "Vamos solicitar que o clube reavalie suas ações, reincorpore as jogadoras e pague os salários atrasados", antecipa Melisa.
Igualdade salarial e engajamento político
Se em outras áreas profissionais a igualdade salarial entre homens e mulheres está em processo avançado, na Argentina (como no Brasil), essa possibilidade parece distante quando se trata de futebol. "A discussão está presente, sim, mas a implementação de medidas concretas está muito longe. Acredito que isso não é uma característica exclusiva do futebol argentino", comenta Aline Gatto Boueri, jornalista sediada em Buenos Aires e especialista em temas de perspectiva de gênero e direitos humanos na América Latina.
Maíra Sanchez, que negocia com outras equipes para jogar esta temporada, sabe dos escassos recursos para o segmento. "O futebol feminino cresceu, mas falta oportunidades de trabalho e compromisso com a igualdade. Ainda está muito distante igualar os salários aos do futebol masculino. Nossos ganhos são muito baixos. Um contrato de uma jogadora não atinge nem 10% do que recebe um jogador."
O terreno de dificuldades para as mulheres que desejam jogar futebol parece comum a argentinas, brasileiras ou atletas de quaisquer outra nacionalidade. A ampla repercussão do fato envolvendo os acontecimentos no Rosário e o permanente engajamento político de muitas jogadoras, incluindo a participação em campanhas contra o feminicídio —como a intitulada "Equipe Incompleta", aludindo ao assassinato de uma argentina a cada 26 horas—, por direitos trabalhistas e igualdade de gênero prometem seguir colocando na vitrine o esporte para muito além das quatro linhas.
"Lutamos por um futebol em que possamos nos expressar livremente e em que nossos direitos sejam respeitados", finaliza a carta das atletas ligadas ao Rosário Central.
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