Episiotomia acelera o parto? Pode salvar a vida do bebê? Tire suas dúvidas
Não são poucas as grávidas que já foram submetidas a uma episiotomia — um procedimento no qual a equipe médica realiza um corte na região do períneo, na fase final do parto normal. A função do corte seria criar mais espaço e facilitar na fase chamada de 'expulsivo', ou seja, quando o bebê está prestes a nascer.
Até pouco tempo, acreditava-se que este corte poderia proteger o corpo da pessoa que está passando pelo parto e, dependendo da complexidade dele, até mesmo salvar a vida do bebê. O raciocínio parece simples: se alguma complicação acontece e o bebê precisa nascer o mais rápido possível, "aumentar" o espaço para que ele passe parece ser uma boa estratégia. No entanto, estudos científicos mais recentes apontam que, na prática, há mais malefícios relacionados ao procedimento do que benefícios. Com isso, o assunto passou a dividir opiniões na comunidade médica.
Este foi um dos motivos pelo qual a influenciadora Shantal Vedelho denunciou o médico Renato Kalil por violência obstétrica. Em imagens gravadas, é possível ver o profissional reclamando com outros membros da equipe por Shantal ter negado a autorização para que a episiotomia fosse realizada.
Por que a episiotomia se popularizou entre os médicos?
Antigamente, acreditava-se que o corte da episiotomia protegeria o períneo. "O entendimento era de que, se o espaço entre a vagina e o ânus fosse cortado cirurgicamente, com o devido uso de uma anestesia, isso traria melhores resultados para a recuperação do organismo e também facilitaria o nascimento da criança, tornando o momento expulsivo mais rápido", explica a médica obstetra Carla Andreucci Polido, professora na Universidade Federal de São Carlos.
Por isso, o procedimento se tornou tradicional entre a comunidade médica. No entanto, desde a década de 90, estudos científicos vêm sendo publicados, mostrando o lado negativo do método. "Eles apontam que, ao contrário do que se pensava, a episiotomia é prejudicial. Ela não só não acelera o parto como também traz uma série de consequências ruins para a pessoa que é submetida ao corte", aponta.
Entre essas complicações estão dores na região, principalmente durante as relações sexuais, além da existência cicatrizes no local.
Existem casos em que a episiotomia é indicada?
Não há consenso sobre o assunto. Os profissionais consultados pela reportagem afirmam que não existem evidências científicas que indiquem a episiotomia como solução para uma complicação de parto. No entanto, o Ministério da Saúde e Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia seguem considerando como uma opção, que deve ser usada com restrições, para os médicos.
Na prática, fica a critério do profissional indicar a realização da episiotomia. A Universa, Carla explica por que segue sendo um procedimento tão comum. "Ainda há margem para interpretações diversas. O que observo é que os profissionais que nunca fazem episiotomia não consideram o corte como um recurso mesmo nos partos mais complexos. Já aqueles que fazem, acham que quase sempre ela vai ser necessária".
Segundo a médica, como o profissional acostumado ao procedimento não tem como saber os desfechos do parto caso ele não tivesse sido executado, acaba ficando com a sensação de que fez bem em realizá-lo. No entanto, no seu ponto de vista, existem outros métodos que podem ser usados em casos emergenciais. "Pode ser necessário o uso de um instrumento, como o fórceps, ou de manobras para mudar a posição do bebê", exemplifica.
O médico pode realizar episiotomia sem a autorização da mulher?
Domingos Mantelli, ginecologista e obstetra, afirma que a realização de episiotomia sem o total consentimento da mulher implica em violência obstétrica. "O ideal seria que os médicos trabalhassem de acordo com as evidências científicas mais recentes e evitassem o corte. Ao longo dos anos, essa é uma prática que tende a desaparecer", afirma.
Caso a mulher não deseje a realização do procedimento, pode estabelecer isso no plano de parto feito previamente ou negar ao médico no momento em que sua realização for proposta.
"Ponto do marido": o que é e por que o termo é machista?
O termo "ponto do marido" é vulgarmente utilizado para se referir a aproximação da musculatura que envolve o começo do canal vaginal. "Temos uma musculatura forte nessa região, que compõe o assoalho pélvico. Quando a episiotomia é realizada, ela é seccionada e precisa ser submetida a uma sutura", explica Carla.
É incorreto e de cunho machista, no entanto, chamar a sutura de "ponto do marido". A denominação parte da ideia de que o prazer sexual do homem poderia ser prejudicado caso a musculatura não fosse fechada — o que faz com que a vagina retorne a anatomia que tinha antes do parto.
Vale lembrar que, embora a incidência seja menor do que nos casos de episiotomia, pessoas que tiveram parto normal também podem ter lacerações nesta musculatura — logo, também podem necessitar da sutura.
O que os órgãos oficiais dizem sobre a episiotomia?
Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde afirmou, por meio de nota que "a episiotomia restrita pode ser útil em situações em que o nascimento precisa ser acelerado e apenas o tecido próximo ao períneo está impedindo o parto".
Segundo o órgão, o procedimento pode ser considerado pela equipe médica em situações específicas: quando há uma alteração significativa da frequência cardíaca fetal, "sem resposta a medidas ressuscitavas"; devido a lesões fibróticas preexistentes; para permitir a inserção de instrumental de parto [como fórceps e vácuo extrator] ou para a realização de manobras para resolução de distocias de ombro".
À reportagem, a Comissão de Defesa e Valorização Profissional da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) também defendeu o uso do método. Por meio de nota, apontou que a principal função da episiotomia é "evitar uma laceração que comprometa os músculos do esfíncter anal nos casos de partos instrumentalizados".
A Federeação disse ainda que o procedimento pode facilitar a saída do bebê quando ele está sendo asfixiado no canal de parto e que "em cerca de 10 a 20% dos partos, a episiotomia tem indicação médica para proteger a mãe e/ou o bebê".
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