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Alienação parental: mulheres relatam ser vítimas de falsas acusações

Luana* foi acusada de alienação parental pelo pai de sua filha depois de dizer que pediria uma medida protetiva contra ele - iStock
Luana* foi acusada de alienação parental pelo pai de sua filha depois de dizer que pediria uma medida protetiva contra ele Imagem: iStock

Mariana Gonzalez

De Universa

08/02/2022 04h00

Alguns anos após Luana* terminar o relacionamento com o pai de sua filha, ele começou a telefonar insistentemente para amigos e familiares. Em uma situação, foi atrás dela e a agrediu fisicamente. Quando Luana disse que pediria uma medida protetiva contra o ex, soube, duas semanas depois, que estava sendo processada por alienação parental.

"Entrei em pânico. Passei dias de cama, chorando, com muito medo de perder minha filha", conta. "Comecei a ter crises de ansiedade, tomar antidepressivos. Uma acusação falsa de alienação parental é um abuso psicológico enorme".

O caso de Luana* corre na Justiça há mais de um ano e está longe de ser isolado. Envolve a Lei de Alienação Parental, de 2010, que criminaliza adultos, pai, mãe ou outro parente que tenha a guarda da criança, sob a acusação de tentar interferir na relação do filho com o outro genitor. Em outras palavras: quando o pai ou mãe tenta "fazer a cabeça" da criança contra o outro.

A advogada Ana Vasconcelos Negrelli, que representa Luana, atua, neste momento, com outras três mulheres que diz também terem sido falsamente acusadas de alienação parental. Mariana Tripode, advogada e professora da Escola Brasileira de Direitos das Mulheres, disse a Universa que acompanha mais de 20 casos simultâneos com histórias semelhantes.

"Temos percebido uma mesma situação no Judiciário: a mãe fala 'não' para o homem por algum motivo e, na sequência, é ameaçada com uma acusação de alienação parental", resume Tripode.

"Geralmente, essas falsas acusações advêm de um relacionamento abusivo. Depois que a mulher consegue se separar do pai de seus filhos, a forma que eles encontram de perpetuar esse abuso é por meio das crianças", percebe Negrelli. "Quando ele ameaça de acusar a mulher de alienação, está dizendo: 'Vou tirar seus filhos de você'. Isso causa nelas um abalo emocional enorme."

Tripode ressalta que, além de causar danos psicológicos à mulher, esse tipo de caso também pode prejudicar as crianças. "Mas não quero dizer que não existam mulheres ou homens que praticam, de fato, o abuso de poder parental, mas já existem no ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] e no Código Civil leis que falem sobre esse abuso."

Lei é mais usada por homens, mas não tem gênero

As advogadas ouvidas nesta matéria confirmam que casos em que a mãe processa o pai por alienação acontecem em uma proporção muito menor do que o contrário. Tripode e Vasconcelos afirmam que nunca viram um caso em que um processo foi aberto por uma mulher como forma de perpetuar uma violência psicológica.

Renata Cysne, presidente do "IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) pondera que isso acontece porque na maioria dos casos, a guarda unilateral fica com as mulheres. Elas ainda são as maiores responsáveis pelos cuidados com as crianças. Por isso, naturalmente, a Lei de Alienação Parental é sim mais usada pelos homens", explica. "Mas a lei não tem gênero. Não é feita para proteger o pai ou a mãe, mas para proteger a criança ou adolescente".

Cysne, que também é coordenadora do grupo de estudos e trabalho sobre alienação parental, reconhece que a má utilização da lei existe, mas diz que são raros os casos em que acusações falsas tenham resultados na Justiça.

"O objetivo da lei é proteger a criança ou o adolescente, para que não sofram violência psicológica ao tentarem afastar um familiar de sua convivência. Mas mostra a necessidade de um estudo psicossocial na criança e na família. Portanto, não é apenas um desses atos isoladamente que vai levar a uma condenação, mas toda uma dinâmica prejudicial para o desenvolvimento da criança".

Mariana Tripode e Ana Vasconcellos ressaltam, porém, que mesmo a ameaça do processo ou a própria denúncia, ainda que não vá para frente na Justiça, desestabiliza a mulher a ponto de ser considerado violência psicológica.

Grupos pedem que lei seja revogada

O termo "alienação parental" foi criado pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner, que trabalhou na assistência técnica de defesa de pais acusados de abusar de mulheres e crianças na década de 1980. O que ele chamou de Síndrome da Alienação Parental - quando a criança cria sentimentos avessos a um dos pais por suposta influência do outro - não é uma condição reconhecida pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Hoje, o Brasil é o único país do mundo que ainda mantém ativa a lei da alienação parenta, sancionada em 2010. Países como México e Itália chegaram a acatar a tese na Justiça, mas voltaram atrás.

Por aqui, há pelo menos quatro projetos apresentados no Congresso Nacional para alterar a lei e outros dois para revogá-la completamente. Grupos de mães e de feministas também questionam a legislação e pedem que ela seja revogada.

Sibele Lemos, fundadora do coletivo de proteção a infância Voz Materna, do Rio Grande do Sul, disse a Universa que "a lei foi criada para fragilizar o testemunho de crianças que sofrem ou presenciam abusos ou agressões e, principalmente, criminalizar mães". Por isso para elas, "não cabe alterar a lei, mas revogá-la".

Em 2020, o grupo denunciou a lei brasileira de Alienação Parental à CEDAW, (Convenção Para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres), da ONU, por violência de gênero.

Para Renata Cysne, do IBDFAM, a lei é benéfica, deveria ser discutida e passar por algumas alterações, mas não deve ser revogada. "Precisa de ajustes. Mas considero um equívoco entendê-la só como uma ferramenta que protege pais abusadores sem compreender o contexto de proteção à criança e ao adolescente que ela traz."

Como se proteger

Segundo a advogada de Luana, Ana Vasconcelos Negrelli, a mulher que estiver sofrendo uma falsa alegação de alientação parental deve compartilhar essa situação com as pessoas próximas e conversar com os profissionais que acompanham a criança, como professores, psicólogos. "É importante reunir todas as provas possíveis de que está sofrendo abuso psicológico do pai da criança e que a mulher não coloca obstáculos na relação entre os dois", afirma.

Agora, Luana* ainda aguarda decisão final da Justiça reconhecendo que ela não pratica alienação parental. Enquanto isso, como contou a Universa, vive em "constante estado de alerta", gravando todas as conversas por telefone, printando mensagens.

"Antes de me processar, ele começou a me ligar e pedir para falar com minha filha durante a tarde, quando ele sabia que estava na escola, ou tarde da noite, quando ela estava dormindo. Depois, sempre mandava um e-mail dizendo que tentou falar com ela e eu não deixei. Começou a ligar para meus amigos e minha família falando que eu era louca, que eu não estava deixando ele ver a nossa filha", relata.

"Hoje, documento tudo, gravo tudo. Imagine viver assim o tempo todo? É triste para a minha filha também. Mesmo sem saber muitos detalhes, sei que ela sente o clima de tensão."