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'Golpista do Tinder' seria preso no Brasil? Entenda estelionato sentimental

Golpista usava o nome de Simon Liviev - Reprodução/Instagram
Golpista usava o nome de Simon Liviev Imagem: Reprodução/Instagram

Mariana Gonzalez

De Universa

08/02/2022 15h58

O documentário "O Golpista do Tinder", da Netflix, conta a história do israelense Shimon Hayut, que teria acumulado mais de 10 milhões de dólares em golpes aplicados em mulheres que conhecia pelo aplicativo de namoro. Apesar de ter enganado as vítimas usando nome falso, se mostrando apaixonado e contando uma série de mentiras sobre seu trabalho e seu estilo de vida, ele só foi preso por usar um passaporte falso.

Mas, se Hayut tivesse feito tudo isso no Brasil, ele poderia ser responsabilizado por ter enganado e roubado tantas mulheres? Para advogadas ouvidas por Universa, sim - por estelionato sentimental.

Segundo o Código Penal, pratica estelionato quem tem a intenção de "obter vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo alguém a cometer erro mediante qualquer meio fraudulento', isto é, contando mentiras, aplicando golpes. O estelionato sentimental, ou estelionato afetivo, portanto, acontece quando alguém faz tudo isso a partir de relações de caráter emocional, e tem pena prevista entre um e cinco anos de prisão.

"A diferença é que, no estelionato sentimental, o estelionatário obtém vantagem a partir de uma relação amorosa e das expectativas que isso gera na vítima. Ele vai gerando confiança na outra pessoa para conseguir essas vantagens de âmbito financeiro", explica a advogada Vanessa Tadeu Paiva, especialista em Direito Digital.

Shimon Hayut seguia exatamente esse modus operandi: ele se mostrava para as mulheres que conhecia no Tinder como um milionário interessante, amoroso, que aparecia do nada na cidade dela só para jantar, ou as convidava para uma viagem surpresa de jatinho, e se declarava todos os dias, convencendo as vítimas de que realmente estava apaixonado por elas.

Até que um dia mandava mensagens pedindo socorro, dizendo estar sendo perseguido por inimigos e que seus cartões estavam bloqueados. A partir daí, passava a extorqui-las.

"Essa relação de afeto tem um papel fundamental para a configuração do estelionato sentimental", explica a advogada Luanda Pires, CEO da P2 InterDiversidade e vice-presidente do Me Too Brasil.

As duas advogadas afirmam que esta é uma prática cada vez mais comum no Brasil e que atinge muito mais mulheres do que homens - embora eles também sejam vítimas.

Vanessa acrescenta: "É um crime muito grave porque, além de estar enganando a vítima no âmbito financeiro, existe um aspecto psicológico que envolve os sentimentos. Muitas vezes, essa mulher sofre um dano emocional irreversível, porque envolve a autoestima e a sexualidade dela".

Vítimas ainda têm vergonha de denunciar

Um estelionatário sentimental pode ser preso e também pode ser obrigado a indenizar suas vítimas - mas, para isso, é preciso reunir uma série de provas, como prints de mensagens no WhatsApp, de trocas de e-mail, e gravações de ligações telefônicas que comprovem que existia uma relação de confiança que foi quebrada depois de uma vantagem financeira.

"Quando as vítimas denunciam, é feito um boletim de ocorrência e instaurado um inquérito, que pode levar a uma ação penal, por se tratar de um crime, e também à cadeia", explica Luanda Pires. "Já na esfera cível, é possível mover contra o estelionatário uma ação indenizatória para o ressarcimento dos danos morais e materiais".

Apesar de a lei brasileira oferecer caminhos para levar casos adiante, Luanda Pires percebe que muitas mulheres ainda têm dificuldade de denunciar porque têm vergonha de contar que foram enganadas.

"Na maioria das vezes, elas preferem suportar o prejuízo financeiro porque é difícil abrir questões tão íntimas e de forma tão detalhada para polícia, advogadas, etc", fala. "Como toda violência contra a mulher, em uma sociedade misoginia como a nossa, existe sim a culpabilização da mulher. Essa é uma das causas que faz com que a vítima não denuncie".