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Mulheres denunciam gordofobia no transporte: 'Motorista nem abre a porta'

Movimento Vai Ter Gorda faz protesto contra gordofobia no transporte público em Salvador - Hilo Daniel/Hilook Fotografia
Movimento Vai Ter Gorda faz protesto contra gordofobia no transporte público em Salvador Imagem: Hilo Daniel/Hilook Fotografia

Rute Pina

De Universa

09/02/2022 04h00

Bancos pequenos, corredores estreitos e, principalmente, catracas. Detalhes do transporte público podem passar desapercebidos para alguns, mas excluem ou constrangem pessoas gordas diariamente.

Em Salvador, um grupo de mulheres do movimento Vai Ter Gorda expôs essa dificuldade em um protesto realizado na estação metrô da Lapa, no dia 19 de janeiro. Segurando cartazes com frases como "diga não à gordofobia", elas reivindicaram melhorias no transporte público da cidade.

Naquele dia, a estudante Blenda Almeida, 26, tinha ouvido comentários maldosos da cobradora do ônibus em que ela iria entrar, mas não conseguiu passar pela catraca. O episódio desencadeou a mobilização.

Fundadora do movimento, que existe há seis anos, Adriana Santos conta que já fez outros atos com este tema na capital baiana. "São milhares de mulheres que, todos os dias, passam por constrangimentos. Muitas preferem nem pegar mais o transporte público por causa destas situações."

"Sempre sofri com piadinhas nos ônibus, principalmente ao descer. Coisas como 'o ônibus estava pesado, por isso não estava andando direito'. Em 2017, um motorista se recusou a abrir a porta de desembarque para eu entrar com meu bebê", lembra Adriana.

"Quando a gente vê que não dá para passar, empurra, tenta dar um jeitinho. Mas quando está machucando, pede para registrar a passagem e descer pela porta de embarque. Nem todos os motoristas são gentis ou conscientizados sobre a necessidade de entender a diferença de tamanho dos corpos", pontua Santos.

O protesto também pediu o desarquivamento, na Câmara Municipal de Salvador, de um projeto de lei que determina a não obrigatoriedade de passar pelas catracas e de uma proposta que cria o dia municipal de combate à gordofobia. Um projeto já aprovado, por unanimidade. na Assembleia Legislativa, que cria o Dia Estadual de Combate à Gordofobia na Bahia e que aguarda a sanção do governador Rui Costa, também foi lembrado pelas manifestantes.

Mulheres evitam transporte coletivo por medo de constrangimentos

Episódios de falta de acessibilidade para pessoas gordas no transporte público são vividos por mulheres em diferentes cidades do país. Moradora de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, a cuidadora de idosos Juliana Camilo de Arruda, 38, costumava perceber hematomas nos quadris até entender que as marcas eram devido às tentativas de passar pelas catracas de ônibus. Ela chegou a entrar na Justiça após um constrangimento que viveu em 2019.

Em um final de semana, acompanhada dos filhos, de sua mãe e da irmã, ela foi proibida de entrar pela porta traseira do ônibus, o que fazia constantemente. Mas, daquela vez, o motorista afirmou que Juliana deveria, por novas normas da empresa, utilizar a rampa de acessibilidade.

"Eles não abriram a porta para mim. Minha irmã mais velha e minha mãe já estavam no ônibus. O motorista disse 'ou ela sobe na rampa, ou ela não vai embarcar'. Fiquei constrangida. Eu sou gorda, tenho 140 quilos, mas não tenho dificuldade alguma de subir a escada. Só tenho dificuldades de passar pela roleta", diz.

Naquele mesmo dia, subiram grávidas e idosos normalmente pela porta traseira. "O acesso foi negado para mim", lembra. "Hoje consigo me lembrar daquele dia sem chorar, sem ficar tremendo. Antes, não conseguia nem ouvir o apitar daquela rampa."

Juliana passou a evitar transporte coletivo e fez acompanhamento psicológico. "Estava ficando doente. Quando você é impossibilitado de fazer uma coisa, isso mexe com sua mente e te traz danos. Eu estava com fobia de ônibus, ficando envergonhada. Me arrumava para sair, chegava até o ponto de ônibus e voltava para a casa", conta. Hoje, ela prefere van ou transporte por aplicativo.

A atriz e produtora de moda Luciane Peixoto, 40, também deixou de usar transporte público após uma série de situações vexatórias. Em uma viagem para o Rio de Janeiro em 2018, ela não conseguiu passar pela catraca ao embarcar no trem. "Um guarda viu. Como solução, me disse que eu deveria pagar mais duas passagens para poder passar pela catraca duas vezes", relembra.

Já em agosto do ano passado, em outra viagem, desta vez de São Paulo a Salvador, um passageiro sentado ao seu lado acionou a tripulação por causa dela. "As cadeiras são muito pequenas. E esse homem que estava ao meu lado chamou a aeromoça falando que ele não conseguiria viajar daquele jeito porque estava muito apertado", lembra.

Situações como estas fizeram Luciene deixar de usar transporte coletivo. "Comecei a pensar a minha vida em torno disso", disse. "Escolhi não pegar mais transporte coletivo e, por causa disso, eu acabo tendo acesso restrito e problema com acessibilidade. Se não consigo, por algum motivo, ter acesso ao carro por aplicativo, eu acabo nem saindo. Às vezes, é uma viagem que funcionaria de ônibus, mas tenho muitos traumas."

Mesmo com transporte por aplicativo, ela conta já ter tido problemas. "Veio um modelo de carro pequeno e o motorista não hesitou em falar: 'nossa, mas você é grande demais para esse carro'", lembra.

Para ela, uma possibilidade de transformação seria o investimento em políticas públicas pensadas para pessoas gordas nas cidades. "Qualquer forma de acesso ainda é problemática porque tudo foi pensado para corpos pequenos. A gordofobia é institucional", conclui.