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Servidora denuncia transfobia na Guarda Municipal de Jaboatão (PE)

Abby Moreira, primeira guarda municipal trans de Jaboatão dos Guararapes (PE), denunciou transfobia - Arquivo pessoal
Abby Moreira, primeira guarda municipal trans de Jaboatão dos Guararapes (PE), denunciou transfobia Imagem: Arquivo pessoal

Ed Rodrigues

Colaboração para Universa

12/02/2022 13h13

A primeira guarda municipal trans de Jaboatão dos Guararapes (PE), na região metropolitana do Recife, denunciou à prefeitura da cidade e ao MPPE (Ministério Público estadual) estar sendo vítima de perseguição motivada por transfobia dentro do órgão. Abby Moreira é uma mulher trans de 45 anos que entrou na guarda em 2017 por meio de concurso público. No ano passado, enquanto tratava de uma depressão provocada por essa perseguição, ela teve as gratificações retiradas pelo então comandante da corporação. A intenção do comandante, aponta a servidora, era desestabilizá-la durante seu afastando médico e, em seguida, forçar sua exoneração.

Diante da denúncia, a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes exonerou o comandante do cargo na manhã de sexta-feira (11). A Universa, Abby contou que foi desrespeitada por um grupo de guardas municipais mais antigos desde que entrou como concursada estatutária. "São muitos comentários nos bastidores sempre negativos. Sempre fui indesejada na guarda, mas não confundam com gestão porque o prefeito sempre me tratou com muito carinho e respeito. Estamos falando de um grupo antigo", disse.

Abby Moreira, primeira guarda municipal trans de Jaboatão dos Guararapes (PE), denunciou transfobia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Abby teve gratificações retiradas enquanto cuidava de uma depressão
Imagem: Arquivo pessoal

Ao longo de cinco anos, a guarda enfrentou o preconceito, mas essa luta diária afetou sua saúde mental. Ela passou a sofrer com um distúrbio bipolar que virou gatilho para um quadro de depressão tão sério que precisou sério internada em 2021.

Após ser encaminhada à junta médica do órgão, a equipe solicitou seu afastamento das funções para a realização do tratamento. No ofício, recebido pela reportagem com exclusividade e datado de 10 de junho de 2021, é solicitada a liberação de Abby das atividades para o início do tratamento médico, mas sem perdas salariais.

"Meu problema começou com minha primeira internação em junho. Como foi às pressas, não tive como anunciar à guarda e sumi por 30 dias. Ao invés do comandante procurar saber o que aconteceu comigo ligou para minha casa dizendo que eu abandonei o serviço e que seria exonerada. O ódio é tão grande que cega. Ele não se lembrou que faço tratamento há dois anos por distúrbio e depressão, mas o objetivo dele era me exonerar", contou.

"Nesse mês todas minhas gratificações foram cortadas. E por lei não poderia porque eu estava de atestado e em tratamento médico. Mas isso não impediu do meu salário ser reduzido à metade, me deixando sem condição de manter meu tratamento e tive que recorrer à farmácia do estado para receber meus remédios", acrescentou.

Quando uma portaria de outubro de 2021 determinou minha readaptação dela a uma função administrativa do órgão, outro problema cai no colo da servidora. O então comandante Admilson de Freitas não acatou à determinação e encaminhou Abby para um destacamento de trânsito.

"Ele disse que não tinha lugar para mim a área administrativa da guarda. Quando cheguei no trânsito o comandante de lá me disse o que eu já sabia: que minha readaptação tem que ser na minha área. Retornei ao comandante e ele nem quis me receber. Mandou dizer que a guarda não tinha mais nada a ver comigo e que era para eu me virar com o pessoal do trânsito", relembrou.

Em dezembro, ainda mais fragilizada, Abby chegou a tentar o suicídio. Foi quando o Sindguardas (sindicato da categoria) ficou sabendo do caso e passou a dar apoio. O resultado disso foi um vídeo nas redes sociais onde ela contou toda a situação. E o encaminhamento de denúncia do então comandante por transfobia.

"Ser humilhada como fui me destruiu e piorou meu quadro de saúde. Não tem remédio que repare isso. Não tenho raiva dele. Tenho pena. Quero que ele reflita e aprenda a viver com a diversidade e que nunca mais faça isso com ninguém", destacou a servidora.

Abby Moreira, primeira guarda municipal trans de Jaboatão dos Guararapes (PE), denunciou transfobia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

A reportagem procurou o agora ex-comandante da Guarda Municipal de Jaboatão. Ele negou ter provocado qualquer tipo de perseguição contra a servidora. O inspetor Admilson Freitas garantiu que manteve um bom relacionamento com Abby até o momento da denúncia e, embora o pedido de afastamento médico ter determinado que não houvesse perdas salariais, disse que as gratificações são inerentes a certas funções e que só serão pagas a quem estiver cumprindo essas funções.

"A companheira é uma pessoa boa. Quando assumi o comando, ela estava com uma depressão profunda. E tinha várias solicitações de outros comandantes para encaminhá-la para junta médica. Até ela fazer essa denúncia, nossa relação era excelente. Eu só dei andamento à solicitação da junta médica. Ele entrou como homem e depois se reconheceu mulher e sempre teve o respeito. Sobre a gratificação, foi suspensa porque não está trabalhando na função da gratificação", disse.

Embora garanta que o corte das gratificações da servidora, durante um período de tratamento médico, não foi arbitrário ou qualquer tipo de perseguição, o comandante foi retirado do cargo pela gestão municipal assim que as denúncias ganharam notoriedade.

Em nota, a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes explicou que "de acordo com a Lei que instituiu a Gratificação de Gestão Territorial-GEGET e que é garantida aos Guardas Municipais, faz jus o(a) servidor(a) a manutenção da referida gratificação em situações de afastamento considerados como efetivo exercício, a exemplo de tratamento de saúde, nos termos da Lei 692/2011 c/c com a Lei 224/96 - Estatuto do Servidor".

A gestão municipal disse ainda que tem prestado assistência à servidora e que determinou a abertura de processo administrativo para apurar as denúncias.

O comunicado informou também que "foi determinada a exoneração do agora de ex-comandante da Guarda Municipal e que a prefeitura não compactua, de forma alguma, com qualquer tipo de ato discriminatório".

O caso também foi parar no Ministério Público de Pernambuco. Procurado, o órgão disse que "a manifestação do Sindicato dos Guardas Municipais de Jaboatão dos Guararapes foi recebida pela 6ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania de Jaboatão dos Guararapes (Direitos Humanos) e que será avaliada pela promotora de Justiça titular".