'Já amava vocês': enfermeiras fazem homenagem a pais que perderam bebê
"Papai e mamãe, durante 28 semanas pude sentir o quanto vocês me amaram e eu também já amava vocês. Sei que seriam pais excelentes. Fiquem em paz. Terei no coração de vocês por onde forem, para sempre."
A mensagem escrita à mão, com as informações da altura, peso e uma "assinatura" do pezinho do bebê, comoveu as redes sociais. A carta endereçada aos pais que perderam um filho recém-nascido no início de fevereiro viralizou no LinkedIn após uma publicação da enfermeira Gabriella Carrijo, da equipe de enfermagem do Hospital São Paulo, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.
"Neste dia, eu cheguei para trabalhar e durante a passagem de plantão, a enfermeira me falou sobre cada paciente e dentre eles que tinha uma mãe que havia perdido o seu bebê. Eu me senti muito tocada nesse momento. Então, sugeri fazermos uma ação especial com a mãe", relatou Carrijo a Universa. "Mexe muito comigo ver uma mãe na maternidade, sem o seu bebê. É muito triste uma mãe ali sem o seu filho nos braços."
Foi a primeira vez que a equipe do hospital fez uma carta a uma mãe que perdeu, mas Carrijo conta que a maternidade trabalha com outras ações para lidar com o luto da família que perdeu um recém-nascido, como vestir o bebê com a roupa escolhida pelos pais e deixar que eles peguem o filho no colo e passem um momento juntos.
"Quando há morte de um bebê nós proporcionamos esse momento de despedida. Também procuramos deixar essas famílias em quartos mais distantes de onde temos bebês, pois podem ouvir o choro, ver outros bebês", conta a enfermeira.
A enfermeira acredita que este é um luto invisível e que há falta de empatia com pais que passam por esse processo, com comentários como "nem deu tempo de gostar" ou "depois você engravida de novo".
"Quando uma mãe perde um filho adulto percebo que, neste caso, a sociedade dá a ela a chance de sofrer, de estar enlutada, até pelo fato deste tipo de morte não seguir a lei natural do ser vivo "nascer, crescer, envelhecer e morrer" e de que é mais comum o filho perder a mãe do que ao contrário. Mas quando é um bebê, isso não acontece", diz.
Ritualizar o luto
A jornalista mineira Iaçanã Woyames ouviu que seu bebê era "incompatível com a vida", já que crescia com uma má formação na bexiga. Em 2015, após um parto na 23ª semana de gestação, Samuel viveu por 35 minutos no colo da mãe.
No processo de luto após a perda de seu filho, Iaçanã escutou frases "daqui a pouco você arruma outro filho". "Você não diz para uma pessoa que acabou de perder um pai: 'daqui a pouco você arranja outro pai'. Ou algo parecido para uma pessoa que perdeu uma mãe ou um filho de três anos. Mas as pessoas dizem isso para uma mãe que acabou de passar por isso com o bebê ainda na barriga ou com poucas semanas."
A jornalista sentiu que os profissionais do hospital onde deu à luz, em Belo Horizonte, não estavam preparados para lidar com sua perda. "Uma nutricionista, por exemplo, entrou no meu quarto dizendo que queria ver bebê estava amamentando. E eu olhei e disse: 'que bebê?'. tinham um protocolo para seguir, mas não tiveram cuidado comigo."
Para ela, as frases demonstram que as pessoas não estão preparadas para falar sobre luto e morte. "São frases muitas vezes muito violentas que chegam a nós em um momento de luto e de muito sofrimento, mas porque as pessoas não sabem o que dizer",
diz Woyames.
Outra resposta comum é o silêncio. "As pessoas também tendem a ignorar e não tocar no assunto. Isso não acontece por maldade, mas porque as pessoas realmente não sabem o que dizer."
A partir da sua experiência, a jornalista passou a estudar o tema do luto. Para ela, a invisibilidade deste luto ocorre porque as pessoas ainda não consideram o bebê, na fase gestacional ainda não faça parte da família. "Talvez porque seja invisível ainda aos olhos, apesar da presença."
Para as mães, o tabu também pode se relacionar com sentimento de culpa e vergonha da perda do bebê. "É muito natural que a culpa e vergonha materna se faça presente. Parece que a gente fez alguma coisa errada e que somos culpadas pela morte. Racionalmente, não faz nenhum sentido, mas é algo muito forte e presente."
A comunicadora celebrou que a ação da equipe do Hospital São Paulo. "Foi uma atitude carinhosa e cuidadosa de reconhecimento da dor e da perda. É importante porque existe o acolhimento e o reconhecimento, de que aquele filho existiu."
A ação também pode ser vista como um rito da perda. "Os rituais de fechamento de ciclo têm muito significado. A gente aprendeu que os rituais da morte é a missa de sétimo dia ou velório. Mas também há os rituais que fazem sentido individualmente, para cada um", diz a jornalista.
Ela também celebrou que o caso repercutiu no LinkedIn, rede social que tem foco o mundo do trabalho. "O tema luto é repleto de tabus e no ambiente corporativo ainda mais. Qual a política das empresas para lidar com os colaboradores que estão de luto? Mandar uma coroa de flores?", questiona.
Após partos a partir da 23ª semana, inclusive nos casos de falecimento da criança, a mulher tem direito a 120 dias de licença-maternidade.
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