Com pautas de transfobia, racismo e machismo, afinal, 'BBB' muda o mundo?
Quando Linn da Quebrada avisou dentro da casa do BBB 22 que quer ser tratada pelo pronome feminino, as redes sociais, principalmente o Twitter e o Instagram, foram invadidas por ilustrações, fotos da cantora, textos e vídeos sobre a questão. Na TV, o apresentador Tadeu Schmidt pediu para que a participante, uma mulher trans, explicasse a importância de todos usarem o "ela" para se referir a, enfim, ela própria — não respeitar essa escolha é um ato de transfobia. A mensagem atingiu "o Brasil inteiro", enfatizou o apresentador durante o ao vivo do reality.
De fora, a impressão é que por vezes o Big Brother vira a chavinha do entretenimento para se tornar uma espécie de "telecurso" da vida real: público e participantes aprendem, com a experiência de quem está na casa mais vigiada do Brasil, sobre transfobia, racismo, homofobia, desigualdade social, violência contra mulher, solidão da mulher negra, preconceitos. Expostos às análises de espectadores e comentaristas na internet, quem está no jogo gera assunto sobre suas próprias trajetórias de vida e opiniões.
BBB é um fenômeno de entretenimento, concordam as especialistas de mídia e de antropologia consultadas por Universa para esta matéria. Mas, será que, com tanto debate sobre as pautas ditas "identitárias", ele é capaz de mudar o mundo?
BBB muda o mundo? O debate dentro e fora da casa e das redes sociais
As conversas no gramado da casa, os beijos entre os participantes (alô, beijo triplo de Maria, Natalia e Eliezer), uma briga bastante específica sobre cobertura de bolo de chocolate (na edição passada, Juliette e Fiuk protagonizaram essa cena), a forma com que cada um deles comenta coisas que viveram antes do confinamento: tudo promove discussões e análises dos espectadores nas redes sociais e no dia a dia.
Nas edições mais recentes, entretanto, as questões de identidade e a representação de grupos minoritários ou que são marginalizados, como de pessoas negras, é que deram o tom ao reality. Para a mestra em Gênero Mídia e Cultura (LSE) Joanna Burigo, a potência que a TV Globo tem para levantar essas pautas à tona é calculada.
O BBB pode ser um instrumento interessante para comunicar perspectivas das margens a uma audiência mais ampla. Mas, é um programa de entretenimento, um experimento psicológico televisionado que tem como objetivo um participante vencer. Não é feito para educar.
"Aliás, a Globo não dá ponto sem nó: a emissora compreende quais são as pautas que causam discussão no debate público e as leva para a grade de programas. Ela tem mão firme no pulso da sociedade, e isso se dá a partir do aparato de mídia que ela representa".
No BBB 20, o primeiro a que assistimos no isolamento por causa da pandemia, pipocaram exemplos de questões de identidade e de causas: se a busca pela palavra "sororidade", um conceito usado por feministas, subiu 250% no Google depois que a cantora Manu Gavassi a disse para justificar um voto no participante Felipe Prior, os comentários de outras participantes sobre terem "medo do Babu" também despertaram análises sobre os estereótipos racistas que recaem, dentro e fora do reality, sobre homens negros.
Tudo documentado em publicações nas redes e em matérias, inclusive as feitas em Universa à época. Isso muda o mundo? Joanna afirma que a expectativa sobre isso é ilusória.
"Nenhuma pessoa ou instituição sozinha consegue mudar o mundo, porque para isso acontecer é preciso romper com as exclusões que marginalizam os sujeitos. No caso do BBB, nunca vou defender um programa de uma rede de TV privada como o mais revolucionário que possa existir. Mas, existe a possibilidade de ele apresentar perspectivas que pessoas não conheciam. O BBB não é uma escola, mas, nesta edição, por exemplo, a Linn é uma professora".
BBB capitaliza sobre discussões, diz psicanalista
A doutoranda em Antropologia e psicanalista pelo Coletivo Di Jejê Jaqueline Conceição considera que o programa "capitaliza" sobre as pautas despertadas no debate público. Por essa razão, não muda o mundo para que as exclusões sociais sejam combatidas de verdade.
As mudanças sociais têm a ver com estrutura, com sua implementação, com pessoas tomando lugares de decisão.
"A presença de corpos diversos, como da Linn, é importante porque se obriga o debate. Por outro lado, não se pode perder de vista que o BBB é um produto cultural que uma sociedade mal resolvida, já que não queremos lidar com problemas sociais de forma coletiva, assiste".
Vale a pena ainda, diz Jaqueline, entender onde e por quem são feitas as ponderações sobre BBB e o impacto na vida real de grupos sociais como LGBTQIA+, mulheres, negros. Ou seja, será que quem escreve sobre o programa no Twitter também provoca transformação de pensamento fora dessa bolha?
"Quem está na internet ainda vê o mundo pelo conhecimento teorizado. O 'textão' é uma forma de teorizar a vida. Mas, no dia a dia, as pessoas que pegam o trem cheio, sentam na mesa do boteco, já têm as coisas refletidas ali mesmo. Tanto que Linn é uma mulher negra periférica trans. Ela não nasceu no BBB, mas nesses lugares em que se produz formas de resistência e se produz vida", analisa. "No Brasil, existe uma cisão cultural de acesso à informação, mas de alguma forma as questões também estão na periferia. Talvez com nomes menos bonitos para as coisas, mas algo mais vivido e menos teórico".
E por que só falamos disso?
Mesmo em uma edição "flopada", como a deste ano, os temas levantados no BBB continuam aparecendo entre os mais comentados nas redes sociais. Também é motivo de "cancelamento" e exaltação dos participantes, que são ou se tornam figuras públicas. Por que? Segundo Jaqueline, a psicanálise explica o furor com que o público defende ou condena as atitudes de quem está sendo observado dentro do reality.
"A gente vive um delírio coletivo, o gozo da justiça de, por exemplo, defender Maria, pegar raiva da Naiara... É aquela 'espiadinha' na vida do outro com a qual você alivia algumas questões sem assumir as que tem, sem lidar com a angústia da análise. Além disso, o conflito é algo que nos interessa, como humanos".
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