'Aquela p*rra de trança': como fala de Laís do BBB atinge mulheres negras?
Duas cenas sobre a troca de visual de Linn da Quebrada, de tranças para cabelo natural, no "BBB 22", geraram repercussão entre o público nas redes sociais. Em um primeiro momento, muitos fãs, especialmente mulheres negras, celebraram o fato de outras participantes, como Brunna, Jess e Natália, terem ajudado a cantora a desfazer as tranças com cuidado. Quando ela já estava com o cabelo natural, no entanto, Laís se direcionou à Linn dizendo que ela estava "muito mais bonita assim".
Laís ainda questionou, imaginando que usasse um tom de elogio, por que Linn entrou no programa usando "aquela p*rra daquela trança". Fora da casa, os administradores do Twitter de Linn explicaram que ela se sentia "mais bonita e segura" com o cabelo trançado (veja a publicação logo abaixo).
Não é de hoje que mulheres negras falam que a forma com que cuidam do cabelo reflete diretamente na autoestima e na identidade negra. O cabelo, para elas, não carrega só valor estético; além da beleza, os fios ensinam sobre ancestralidade, pertencimento, orgulho de quem se é e autoconhecimento.
A seguir, Universa traz o relato de duas mulheres que vivem intensamente essa relação; elas também opinam sobre o fato de usar tranças, como fez Linn, ser tão simbólico.
Linn desfaz as tranças: o poder do cabelo para mulheres negras
Para além da escolha estética, decidir entre ter tranças, cabelos naturais ou alisados faz parte da valorização da autoestima de mulheres negras conectadas ao jeito com que se veem e são vistas no mundo, estruturalmente racista.
Tanto é que, após Linn surgir com os cabelos naturais, as redes sociais da participante publicaram um breve texto sobre a transformação e sobre a necessidade de se respeitar a beleza negra, sem estereótipos.
"Precisamos fazer o exercício de tomar muito cuidado com a maneira que falamos sobre a estética de mulheres negras. Isso envolve várias camadas, principalmente quando estamos em um país racista como o Brasil", diz o texto.
"Fazer tranças é resgate e passa de geração em geração"
"Vi nas redes sociais que Linn estava com o cabelo natural e confesso que fiquei incomodada com os comentários das outras participantes. Mas a cena em que há as outras pessoas ajudando-a a tirar as tranças, sim, despertou o sentimento do que eu vivia quando era criança: sentava entre as pernas da minha tia, abaixada, e ela fazia trancinha nagô em mim, penteados, colocando tererê.
Hoje, sou trancista e vejo que isso se passa de geração para geração, apesar de termos perdido alguns momentos por causa do alisamento. No meu caso, comecei a ter o cabelo alisado aos três anos. Minha mãe era cabeleireira e fez em mim. Minhas irmãs mais novas também alisavam. Foi assim por um tempo, até chegarmos a esse momento, em que eu também faço tranças nelas.
Só parei de alisar meu cabelo aos 15, justamente naquele período em que muita gente vivia o 'empoderamento crespo'. Foi quando me engajei na causa e cortei os fios bem curtinhos.
Só que, mais uma vez, minha mãe disse para eu passar um produto para 'soltar os cachos'. E isso me deixou mais infeliz do que já estava. Só consegui deixá-lo sem química nenhuma, cortando de novo, dois meses depois.
Durante a pandemia, aprendi a fazer tranças e twist [técnica de texturização], o que uso mais em mim mesma. Mas não porque não gosto do meu cabelo natural e, sim, pela praticidade.
Como trancista, também vejo o efeito em outras mulheres negras. Agora mesmo estou fazendo o cabelo de uma jovem que, na primeira vez que esteve aqui, já não gostava de tirar fotos de si mesma, com o cabelo alisado. Naquela vez, decidi começar a trançar o cabelo pela frente, para que ela começasse a ver como estava. E ali mesmo ela começou a tirar fotos para mandar para as amigas. É isso que me deixa feliz: perceber que alguém conquista a autoestima que lhe foi negada. Nestes momentos, acontece um resgate". Lina Xavier, 22, trancista, comunicóloga e dona de brechó, de Salvador
"Imagem de mulheres desfazendo as tranças de Linn foi potente"
"A imagem rodeada de mulheres negras desfazendo as tranças da Linn foi bonita e potente porque resgatou a ancestralidade em nós. Mas os comentários das mulheres dizendo que ela estava mais bonita com o cabelo natural partiram de um lugar confortável em que pessoas brancas, principalmente mulheres, acabam ficando para falar com pessoas negras.
Ao falar coisas assim, não percebem que estão reproduzindo o preconceito, infelizmente enraizado na sociedade; que não estão levando em conta a história e a importância das tranças para nós.
Comecei a usar tranças para me ajudar no processo de transição capilar porque sempre alisei o cabelo, desde os 11 anos. Por isso, ouvia coisas do tipo: 'Você é preta, mas tem traços finos, por que não fica com o cabelo alisado? Ele combina mais com você'.
Coloquei as tranças para não ter que lidar com as duas texturas dos fios e, no fim, amei pelo que ela me traz em relação à autoestima: acho que essa é a melhor versão de mim, em que me sinto mais segura.
Tive, infelizmente, o receio de como iriam lidar no trabalho, porque sou advogada e circulo em ambientes extremamente tradicionais, machistas, racistas. Mas, entendi totalmente o que as pessoas que publicaram no perfil da Linn disseram: com as tranças, me sinto mais confortável. Taiara Cerqueira, 26, advogada, do Rio de Janeiro
Quer ver mais? Assista a "Celebre o cabelo afro", vídeo produzido por Universa sobre o tema:
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