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Medo da balança? Mulheres que pesam 100 kg falam de autoestima e estigmas

Nathália Geraldo

De Universa

21/02/2022 04h00

Subir na balança e perceber o peso marcado por três dígitos já foi um momento de sufoco e vergonha para a profissional de marketing Esthefanny Alves, de 25 anos, do Rio de Janeiro. Criada sob a cultura da dieta e da pressão estética para ser magra, como acontece com muitas mulheres, ela vivia em busca de táticas para emagrecer - regimes sofridos, remédios, tratamentos alternativos. Até fez uma cirurgia bariátrica, aos 18.

Não foi do dia para a noite que ficou bem com o fato de ser uma mulher com 100 kg, ou mais. "Tinha uma pressão externa, mesmo quando cheguei ao menor peso, 80 kg. Então, quando voltei aos 100 kg depois da operação, senti vergonha. Hoje, me aceito mais".

Esthefanny faz parte do grupo de mulheres que, nas redes sociais, falam sobre autoestima estética questionando discursos gordofóbicos que associam pessoas gordas diretamente à falta de saúde. Para ela, nem mesmo a comunidade médica está pronta para discutir esse assunto.

Mesmo com a autoaceitação, é comum que sejam questionadas sobre "como estão os exames". O impasse também gera debates entre ativistas e militantes antigordofobia críticos à patologização do corpo gordo.

"Faço exames todo ano, não tenho diabetes, pressão alta, nada. Mas já fui ao médico para programar colocar o DIU e ele disse: 'Beleza, mas precisa ver esse peso, se um dia quiser engravidar'. Sei que existem mulheres gordas que conseguem ter filhos normalmente", comenta. "Não é porque você é gorda que está com a saúde desregulada."

Médico do Núcleo de Obesidade e Cirurgia Bariátrica da Beneficência Portuguesa de São Paulo, Carlos Schiavon, explica que falar sobre obesidade - considerada como doença pela Organização Mundial de Saúde, a OMS, que usa como parâmetro o Índice de Massa Corporal (IMC), criticado entre os ativistas da gordofobia - é sempre cercado de estigmas. "Sempre acham que a pessoa é desleixada, come muito e faz pouco exercício, o que não é verdade. Há pessoas que têm tendência a ganhar peso por outros fatores", opina.

"E por ser uma doença, um problema de saúde pública, a obesidade deve ser tratada com acompanhamento de nutricionista, psicológico, para analisar aspectos psíquicos. Também é comum ter acompanhamento com clínico e endocrinologista", adianta o médico. Ele explica mais sobre a relação de peso e saúde no final desta matéria.

Ou seja, o peso, por si só, não diz muito sobre como a saúde integral da pessoa está. As mulheres entrevistadas por Universa contam abaixo como descobriram isso e passaram a viver mais livres da pressão estética e da gordofobia que as cercam diariamente, reforçando estereótipos do que é beleza que elas insistem em quebrar.

"É possível ser gorda, bonita e saudável"

esth - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Bariátrica, remédios para emagrecer, dietas malucas: depois de uma trajetória de tentativas de ficar magra, a profissional de Marketing se dá bem com seu peso
Imagem: Arquivo pessoal

Lamentar o peso que aparecia na balança foi algo construído na vida de Esthefanny Alves desde a infância. À medida que crescia vivendo sob o preconceito por ter um corpo "fora do padrão", a profissional de Marketing se tornava mais predisposta a abraçar qualquer solução que a ajudasse a emagrecer. Mudava a alimentação, tomava remédio, ia a sessões de acupuntura com o ideal de perder peso. Viu a mãe fazer cirurgia de redução de estômago e, aos 18 anos, passou pelo mesmo procedimento - enfim, os "dois dígitos" apareciam na balança.

"Emagreci bastante no início, mas, mesmo com meu peso menor, 80 kg, ainda não era magra. E as pessoas continuavam falando que precisava mais", explica, ressaltando que os estigmas sobre a mulher gorda passam pelo fato de achar que ela é desleixada com a própria saúde.

"Na época após a bariátrica, ia na academia. Mas me olhavam muito... Então, engordei e cheguei a pesar 100 kg de novo. Pela pressão, minha sensação era de vergonha. Pensava: 'Como assim voltei para esse lugar?'

Hoje, sei que é possível ser uma mulher gorda e ser amada, bonita e saudável. Claro que há dias que a gente não se sente incrível e tudo bem. Mas, por exemplo, estou fazendo aulas de dança e não reparo mais se as pessoas estão reparando em mim, sabe?

Também passei a andar com pessoas que pensam diferente em relação a isso e dei um basta para os familiares que falavam o tempo todo do meu peso." Esthefanny Alves, profissional de Marketing, 25 anos, do Rio de Janeiro

"Aos 14, me frustrava porque não era magra"

larissa - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A influenciadora Laríssa Santana, que mora em São Paulo, pesa 118 kg; para ela, a saúde física e mental são importantes e a balança não dita sua autoestima
Imagem: Arquivo pessoal

Quem tem o corpo gordo sabe que as falas preconceituosas em relação ao peso disfarçadas de cuidado surgem ainda muito cedo, por vezes, na infância. A influenciadora digital Laríssa Santana, de 21 anos, sabe bem como essa experiência a afetou, especialmente no momento em que ela chegou aos três dígitos na balança. "Quase nunca me pesava, mas quando cheguei aos 100 kg a minha família toda começou a dizer que eu precisava emagrecer", contou para Universa.

"Há pessoas magras que são doentes, têm uma má alimentação e não fazem atividade física e não se fala que elas não são saudáveis. Cresci gorda, minha mãe também sempre foi. Na infância, isso me afetava porque queria entrar no padrão das meninas da sala. Ficava triste. Com 14, fazia dietas, só comia ovo porque diziam que me deixaria magra. E me frustrava, afetando minha saúde mental.

Aos 16, no entanto, passei a me ver como uma mulher 'maravilha'. Foi quando comecei a ser modelo. Mesmo assim, meus familiares diziam que eu precisava emagrecer, que aquilo 'era para o meu bem'.

Recentemente, fui me pesar e vi que estava com 118 kg. A amiga que me acompanhava estava com 47 kg. Ela me perguntou se não me incomodava com meu peso. E eu devolvi a pergunta para ela.

Acho que o que tem mais hoje é comparação. E digo isso também por causa da internet. Publico uma foto e as mulheres comentam sobre eu ter o que consideram uma cintura bonita e a barriga 'para dentro'. E não é isso, é preciso levar em conta outras coisas, como o biotipo.

Ao mesmo tempo, já recebi hate nas redes sociais, porque há quem pense que gorda maior nunca vai arrumar namorado, que não se alimenta bem, que não se veste bem ou não está nem aí para a vida. São pessoas amarguradas, que olham mais para a vida do outro." Laríssa Santana, influenciadora digital, 21 anos, São Paulo

"Ter 100 kg não é o fim do mundo"

livia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Livia Costa redescobriu a autoestima se tornando modelo e ao lado da filha de 9 anos
Imagem: Arquivo pessoal

Mudanças no corpo depois de uma gravidez, autoestima após um divórcio e a descoberta da própria beleza ao virar modelo de roupas grandes, ou "plus size", marcam a história da assistente administrativa Livia Costa, de 41 anos.

"Nunca fui magra e quando engravidei [a filha dela, Lavínia, tem 9 anos hoje] fiquei mais cheinha. Quando ela fez um ano, comecei a engordar mais. Estava no declínio de um casamento, me sentia para baixo e foi quando minha autoestima ficou abalada.

Só em 2017, quando me separei, as coisas foram melhorando: fui me cuidando e aceitando meu corpo. Tudo mudou quando fiz um ensaio fotográfico com minha filha, que está se tornando atriz e modelo. A moda mudou minha autoestima. Mas digo que nunca me deixei levar, porque nós que somos 'fora do padrão' também somos charmosas.

As pessoas sempre ligam quem é gordo a estar doente, e nem sempre é assim. Até porque a gente precisa cuidar da saúde física, mas principalmente da mental.

E não se leva em conta isso quando as pessoas ficam cobrando perda de peso e oferecendo até medicamento para emagrecer.

Na última vez que me pesei, estava com 116 kg. Sinto que isso me traz dificuldade para andar um pouco ligeiro, para respirar e para dormir. Sei que a gordura tem uma parcela de interferência nisso. Mas, o que quero é incentivar outras mulheres a entender que chegar a 100 kg ou mais não é o fim do mundo." Livia Costa, 41 anos, modelo plus size, autora e assistente administrativa, Salvador

Peso define saúde? Médico explica

É possível que, pela pressão estética e pela gordofobia, muita gente acredite que chegar aos três dígitos é, sim, algo preocupante. Lidando com o acompanhamento de pessoas gordas no cotidiano médico, o cirurgião Carlos Schiavon, da Beneficência Portuguesa de São Paulo, explica que apenas o peso, isoladamente, não determina a situação de saúde de uma pessoa. "Isso, por exemplo, não consegue determinar a situação da gravidade da obesidade, que pode ser nos índices 1, 2 e 3, de alguém". O médico assinala que exames mais aprofundados e até mesmo usar o referencial do IMC são formas mais acuradas de identificar se a pessoa está saudável ou não.

Ele explica que há estereótipos, principalmente ligados ao "desleixo com o corpo", que dificultam a atenção ao cuidado da saúde integral de quem tem obesidade. Mas que, pelo fato de a OMS considerá-la como doença, é recomendado que pessoas obesas estejam cientes da necessidade de tratamento multidisciplinar. "A pessoa pode não ter nada, diabete, hipertensão, mas, mesmo que sem essas doenças, ser obeso faz com que ela tenha um risco aumentado de problemas cardiovasculares ao longo da vida", pontua.

Para isso, a orientação não é se pesar todos os dias, por exemplo, ou recorrer a soluções que podem comprometer a saúde. "É preciso ter algum grau de orientação de um profissional da Saúde. Se houver aumento de peso contínuo, é recomendado buscar ajuda e nem sempre a cirurgia bariátrica, por exemplo, é recomendada. Ela serve em condições muito específicas".