Mulheres da comunidade ucraniana no Brasil: 'Apavoradas e impotentes'

O Brasil abriga hoje a maior comunidade ucraniana da América Latina, com mais de 1 milhão de pessoas, entre nascidos na Ucrânia e descendentes. Com os ataques russos ao país, o desespero vem tomando conta dessas famílias, que a distância tentam acompanhar os parentes, sem saber direito o que fazer e como ajudar.

"A preocupação aumenta minuto a minuto. As comunidades ucranianas no Brasil estão apavoradas e impotentes. Não podemos fazer absolutamente nada, a não ser ficar vendo as notícias e rezando para que isso se reverta. A gente teme por tudo", afirma Solange Oresten, filha de imigrantes ucranianos.

Só no Paraná são 500 mil descendentes. A maioria vive em Prudentópolis, no centro-sul do estado, considerada a cidade mais ucraniana do Brasil. Lá, 80% da população é de descendentes de imigrantes da Ucrânia.

Universa conversou com três mulheres dessa comunidade que contam como têm lidado com as notícias sobre a guerra e o desespero de não conseguir ajudar os familiares que permanecem no país.

'Não tem para onde ir'

"Todos estamos bem abalados e muito tristes. Quando minha mãe vê o que está acontecendo, fica desesperada. O que vamos fazer com os familiares e amigos que estão lá?

Após as primeiras notícias de ataque, mandei uma mensagem para a filha da minha prima, para que Deus os abençoasse. Ela me respondeu que não tem para onde ir e não sabe mais o que fazer. É desesperador!

Minha mãe tem 84 anos. Ela fugiu da Segunda Guerra. Morou na Alemanha e, aos 11 anos, veio para o Brasil e fez a vida dela aqui. Minha avó veio com seis filhos para fugir dos conflitos no lugar em que nasceu. Mas as celebrações tradicionais ucranianas da Páscoa e do Natal sempre foram preservadas na nossa família. Minha mãe valoriza essas tradições e buscamos reviver a Ucrânia na família, principalmente com os grupos folclóricos.

É muito triste reviver tudo isso, é um sofrimento grande. A guerra não é só jogar bomba. O humano tem uma perda muito grande com essa ação. É um país lindíssimo e maravilhoso. A Ucrânia é uma terra rica, com solo muito fértil.

A Rússia nunca aceitou a independência da Ucrânia. Torço para que tenha paz e seja feito um acordo o mais rápido possível. Que as lideranças não tenham interesses próprios e que pensem no povo e em todos que estão sofrendo."

Helena Cordeiro dos Santos, filha da imigrante ucraniana Krystyna Harasym

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Acordadas com barulho de sirene

"Eu tenho vários amigos e familiares do meu namorado que moram na Ucrânia. A gente esteve lá em 2020, em janeiro, pouco antes da pandemia. Passamos as festas de fim de ano e foi uma delícia. Inesquecível!

Conversamos com várias pessoas que estão lá. Todo o mundo está assustado, e não sabemos muito o que fazer.

Meu namorado tem muitas primas lá. Elas têm a nossa idade, 20 e poucos anos, e foram acordadas com barulhos de sirenes, notícias de ataques e carros com alto-falante avisando que devem portar todos os documentos. A gente conversa mais pelas redes sociais, já que a comunicação está complicada. Tudo está muito congestionado e, raramente, conseguimos conversar direito com quem está lá.

Faço parte do Grupo Folclórico Poltava, que tem mais de 300 integrantes no Paraná. É um dos maiores do país e tem ucranianos, imigrantes e muitos simpatizantes da nossa cultura. Todos estão bem abalados e incrédulos com o que está acontecendo.

Desde criança, sou dançarina, participo do coral e sou coreógrafa. Eu vivo muito a Ucrânia.

A gente lançou um clipe em apoio ao povo que está sofrendo. Nosso coral e nossa orquestra fizeram uma música, em forma de oração, para ajudar o pessoal de alguma forma. Estamos tão longe, vamos mostrar que estamos com eles.

Estou muito apreensiva e me sentindo de mãos atadas. Não sabemos o que fazer e como agir. Fico acompanhado o noticiário e rezando. É isso que está ao nosso alcance: torcer para que as coisas melhorem. É terrível. Não desejo isso para ninguém. A voz começa até a embargar.

Estamos sem chão, mas sempre pensando em quando poderemos ir para a Ucrânia mais uma vez. Estamos acreditando que isso vai acontecer sim, se Deus quiser!"

Monique Raquel Benoski, dançarina, coreógrafa do Grupo Folclórico Poltava

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'Não acreditava que isso pudesse acontecer'

"A preocupação aumenta minuto a minuto. As comunidades ucranianas no Brasil estão apavoradas e impotentes. Não podemos fazer absolutamente nada, a não ser ficar vendo as notícias e rezando para que isso se reverta —apesar de parecer, a cada momento, cada vez mais impossível.

A gente teme por tudo. Pelo povo, pela soberania, pela dependência, pela identidade de ser ucraniano. Como querem apagar a nossa história? Como querem acabar com isso?

O tempo todo vinha a possibilidade de ataque, mas a gente não acreditava —nem o povo ucraniano— que isso pudesse realmente acontecer. Fui acordada por várias mensagens no WhatsApp de pessoas conhecidas, relatando tudo o que aconteceu.

Meus pais vieram sozinhos para o Brasil. Não sei se ainda tenho vínculo de parentesco com alguém, mas tenho muitos amigos com quem mantenho contato direto. A apreensão é total.

Desde os meus seis anos —hoje estou com 62—, estou dentro da Sociedade Ucraniana no Brasil e participo de grupos folclóricos. Graças a Deus, meu filho e nora também estão envolvidos com a cultura ucraniana.

Esperança a gente não pode perder jamais. Só que vai se assustando a cada momento com as novas notícias, parece ser irreversível. Mas não podemos perder a fé. Temos que acreditar que isso pode se reverter e que a Ucrânia continuará livre, soberana e com a sua identidade.

Meus pais já são falecidos, mas nunca quiseram retornar para lá. Minha mãe tinha muito receio e medo. Ela guardava a imagem de criança e tinha medo de não reconhecer mais a memória afetiva e relembrar das dificuldades que passou."

Solange Oresten, filha de imigrantes ucranianos e integrante do Folclore Ucraniano Barvínok da Sociedade Ucraniana do Brasil