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Grávidas deverão voltar ao trabalho: 'Risco não vale a pena', diz médica

Grávida trabalhando em casa durante a covid - LeoPatrizi/Getty Images
Grávida trabalhando em casa durante a covid Imagem: LeoPatrizi/Getty Images

Rute Pina

De Universa, em São Paulo

01/03/2022 04h00

A Câmara dos Deputados aprovou no dia 16 de fevereiro o projeto que determina o retorno de mulheres grávidas ao trabalho presencial durante a pandemia. O texto aguarda a sanção do presidente Jair Bolsonaro e, caso aprovado, obrigará gestantes com esquema vacinal completo, ou seja, com as duas doses da vacina, a voltar ao local de trabalho se o empregador exigir.

Com a proposta aprovada na Câmara a gestante deve retornar ao escritório se:

- Estiver completamente imunizada contra a covid-19 (duas doses);
- Se a gravidez for interrompida;
- O governo declarar o fim do estado de emergência em saúde pública.

No ano passado, a lei 14.151/21 garantiu o afastamento de gestantes do trabalho presencial com remuneração integral durante a pandemia. Parlamentares a favor da nova proposta afirmaram que ela permite a retomada do setor produtivo com segurança.

Já os deputados contrários ao projeto argumentaram que grávidas com comorbidades ficam mais vulneráveis, pois uma emenda que previa a garantia da continuidade do trabalho remoto a elas foi rejeitada.

Com o apoio de negacionistas, a Câmara aprovou ontem um PL que retira o direito das gestantes ao teletrabalho, mesmo neste momento crítico da pandemia. Os mesmo que se dizem 'defensores da vida' colocam em risco mulheres que ainda não estão com o esquema vacinal completo.

? Sâmia Bomfim (@samiabomfim) February 17, 2022

Volta precoce

Em entrevista a Universa, a médica Keilla Mara de Freitas, infectologista do hospital Sírio-Libanês, afirmou que ainda é muito cedo para o retorno presencial das gestantes aos postos de trabalho. "Sabemos perfeitamente que as gestantes, mesmo sem comorbidades, fazem parte do grupo de risco para complicações quando infectadas pela covid-19. Sabemos também que a vacina diminui, mas não zera esse risco", pondera a médica.

Segundo ela, o empregador deve avaliar este risco-benefício antes de exigir a presença de gestantes no escritório. Por isso, ela afirma que, em situações em que as gestantes podem fazer suas funções em home office, é melhor mantê-las em distanciamento.

Independentemente de ter uma declaração de emergência de saúde pública, ainda existe uma quantidade importante de vírus circulando na população. Não vale a pena esse risco.

Doutora em Saúde Pública pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), Emanuelle Góes também avalia a aprovação do PL como uma medida precoce. "Vamos chegar ao momento em que isso será possível, mas ainda não é o cenário que temos. A morte materna por covid-19 no Brasil é alarmante", pondera a especialista.

Em junho de 2021, o Observatório Covid-19 da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) apontou que a taxa de mortalidade da covid-19 entre mulheres grávidas e puérperas é de 7,2% no Brasil —um percentual 2,5 vezes maior do que a taxa nacional, de 2,8%. Segundo o relatório da instituição, o Brasil é o país com o maior número de mortes maternas causadas pela covid-19.

Para Góes, as mulheres grávidas não estão sendo vistas como um grupo prioritário para o cuidado. "Houve demora para que a política pública atuasse com esse grupo e também para iniciar o processo de vacinação", diz a especialista.

"Agora, as gestantes que vão ter que voltar a trabalhar são, em geral, aquelas que não têm acesso a todos os meios de medidas sanitárias necessárias, são mulheres que usam muitos transportes para chegar até o trabalho."

Seguro, mas com dose de reforço

A médica pediatra Ana Maria Escobar, por outro lado, afirma que este pode ser um momento seguro para a retomada de atividades presenciais de gestantes, se observada a diminuição dos óbitos e da taxa de contaminação pela variante ômicron.

Claro, isso se nenhuma outra variante aparecer. "Se nenhum elemento surpresa surgir, a gente deve ter uma estabilidade de casos em um nível bem mais baixo —mais seguro, portanto, para todo o mundo."

O texto aprovado no plenário indica que as mulheres gestantes devem estar imunizadas, ou seja, com as duas doses da vacina. Caso não estejam, a gestante deverá assinar termo de responsabilidade e de livre consentimento para o exercício do trabalho presencial.

Para Escobar, no entanto, a dose de reforço deveria ser uma exigência para grávidas já que os anticorpos produzidos pela vacina vão diminuindo com o tempo. "Ela é muito necessária para todo o mundo, principalmente para as gestantes."

Posso trabalhar de casa se eu não me sentir segura?

O PL também prevê que, caso a gestante não esteja com o esquema vacinal completo e as atividades presenciais da trabalhadora não possam ser exercidas a distância, a situação será considerada como gravidez de risco até a mulher completar a imunização, quando deve retornar ao trabalho presencial.

Neste período, ela passa a receber salário-maternidade até 120 dias após o parto. Antes do parto, a gestante continuará a ter de retornar ao trabalho presencial nas hipóteses listadas no projeto, quando o empregador não optar por manter as atividades remotas.

Mulher grávida, máscara, covid - aywan88/Getty Images - aywan88/Getty Images
Caso lei seja aproada, grávidas devem ter indicação médica para permanecer em casa
Imagem: aywan88/Getty Images

Mas e se a mulher não se sentir segura para voltar ao escritório? A advogada trabalhista Lucia Midori Kajino alerta que, caso o presidente sancione o novo projeto como está, a gestante só poderá trabalhar de casa com um atestado médico.

"Não pode ser só uma sensação de insegurança. Ela precisa ter uma recomendação médica expressa de não retornar ao presencial ao trabalho", orienta a advogada. "Por exemplo, uma gravidez de risco que não pode ter locomoção ou algumas condições específicas da gravidez, em que o bebê também corra risco. Nesses casos, a gestante pode pegar atestado e se afastar."

Kajino lembra também que, se a mulher estiver perto de ganhar o bebê e o parto esteja previsto em até 28 dias, a mulher pode pedir a antecipação da licença-maternidade.

A advogada alerta que a ausência no local de trabalho pode ser considerada uma falta injustificada —o que pode levar a uma demissão com justa causa.

Medidas de segurança

Se a gestante vai retornar ao escritório, o local deve estar adequado para ela. A médica Ana Escobar afirma que o essencial é a garantia de um ambiente bem ventilado. "A gente sabe que hoje um ambiente arejado é muito importante para a dispersão do vírus", lembra a profissional.

E, claro, permanecer com máscara em todo o período de trabalho, de preferência com os modelos mais seguros, como a N95, diz a infectologista Keilla Mara de Freitas.

"A recomendação segue a mesma: manter isolamento social, de preferência só se alimentar em locais muito arejados e afastada de outros funcionários. E, nos demais momentos, utilizar a máscara o tempo inteiro e trabalhar também a distância de outras pessoas."