Topo

Conheça Rita D'Libra, a primeira drag queen intérprete de sinais brasileira

Quem criou e vive a personagem é o pedagogo Lenon Tarragô, de 31 anos, de Canoas (RS) - Cesar Lopes
Quem criou e vive a personagem é o pedagogo Lenon Tarragô, de 31 anos, de Canoas (RS) Imagem: Cesar Lopes

Marcela DeGenaro

Colaboração para Universa, do Rio de Janeiro

02/03/2022 04h00

Cabelo vermelho inspirado no poder de Rita Lee, proximidade com o povo como Rita Cadillac e o poder de englobar duas comunidades num close só: a LGBTQIA+ e a de surdos. Essa é Rita D'Libra, pioneira como drag queen intérprete de sinais no Brasil.

Ela usa a intensidade do glamour drag para transmitir o sentimento das músicas a quem não pode ouvi-las —mas consegue senti-las. As vibrações podem fazer dançar, mas Rita D'Libra entra em ação para que a pessoa surda —cerca de 10 milhões de brasileiros, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)— entenda também a letra.

Quem criou e vive a personagem, que faz sucesso nas redes sociais e já chamou a atenção até de Xuxa, é o pedagogo Lenon Tarragô, 31 anos, de Canoas (RS).

Mas Rita D'Libras vai além das música. Sua tradução do vídeo "Pfizer" do canal @essemenino contabiliza mais de 445 mil acessos. No TikTok, o vídeo "Como dizer que estou namorando em Libras" ultrapassou 270 mil visualizações.

O professor, que hoje é intérprete de libras da prefeitura da cidade, se considera uma pessoa séria e comedida quando está sem peruca. Criou a personagem em 2016, logo após o fim de um relacionamento frustrante, em que sua expressão artística muitas vezes foi tolhida.

"Achava que era errado o que eu fazia, porque a drag queen é o inverso do intérprete. O intérprete é neutro, não pode chamar a atenção; a drag queen de qualquer jeito vai chamar a atenção. Enquanto o intérprete, numa visão padronizada, deveria se vestir de preto e usar um cabelo preso, a drag vai se destacar pela peruca, pelos brincos, pela vestimenta e pela maquiagem. Então, eu ainda tinha muito medo disso", conta o intérprete, que não possui referências, já que não havia drags que fizessem esse trabalho no Brasil antes de Rita.

A cabeça de Lenon mudou quando começou a ir para São Paulo. Lá, conheceu uma intérprete que trabalhava com Anitta e tinha cabelos coloridos. Também entrou em contato com um surdo que se monta como a drag Kitana Dreams. Essas pessoas o ajudaram a entender que não havia problema ser uma drag intérprete. E o trabalho, para ele, se tornou um propósito de vida.

Rita utiliza Libras como posicionamento social em suas manifestações artísticas, além de naturalizar a língua de sinais na comunidade surda e LGBTQIA+.

"Já vivi preconceito em um evento de inovação, no ano passado, em que contrataram a Rita como intérprete. Montei o meu estúdio em casa e fiz os primeiros 15 minutos de interpretação. No intervalo, recebi uma mensagem do organizador dizendo que havia pessoas reclamando, pois eu estava chamando a atenção, com roupa indevida e maquiada. Eu disse: 'Sou uma drag, o máximo que posso fazer é trocar por uma roupa preta, mas vou estar maquiada, de peruca e não vou tirar isso, não vou. Vocês contrataram a Rita, não vou me submeter a esse tipo de coisa'. Depois descobri que não eram surdos reclamando, eram outros intérpretes."

Rita segue quebrando barreiras. Já foi intérprete de uma live de Inês Brasil e, em abril, fará a interpretação do show de Gloria Groove em Porto Alegre.

"Eu pedi uma contrapartida, disse que não queria cachê, que queria ingressos para levar surdos e outras pessoas com deficiência. Eles aceitaram a ideia e vão montar um camarote na parte da frente do palco."

Lenon trabalha há 10 anos com Libras e diz que seu trabalho e o de Rita são diferentes. Nas músicas, ela faz uma interpretação, não uma tradução seca. "Eu interpreto de um jeito, a Rita de outro. Quando coloco a peruca, penso diferente, tento fluir mais o sinal, tenho que trazer uma sintonia que precisa ser contínua. E acabo dançando junto, né?"