Renata Gaspar, de 'Um Lugar Ao Sol': 'Saí de duas relações violentas'
Assim como sua personagem, Stephany, na novela "Um Lugar Ao Sol", a atriz Renata Gaspar também passou por relações violentas. O que pode parecer uma dura coincidência, na verdade se explica pelos dados alarmantes da violência doméstica no Brasil: por aqui, oito mulheres são agredidas por minuto, e a violência doméstica atinge pelo menos uma a cada quatro mulheres brasileiras.
"A história da Stephany parece batida, mas é um espelho da nossa cultura. E você se identifica porque é mulher e todas as mulheres já sofreram abusos, violência. Todo mundo tem uma história para contar", lamenta Renata, em conversa com Universa.
Enquanto na novela a personagem ainda sofre com a perseguição de seu agressor, o marido Roney (Danilo Granghéia), na vida real a atriz precisou de ajuda profissional para sair das duas relações violentas que viveu. E afirma: "Só consegui escapar quando procurei ajuda. Fazer isso sozinha é quase impossível".
Nesta entrevista, Renata, que tem 36 anos e é conhecida por programas de humor na Globo, como "Tá no Ar", também reflete sobre o poder da televisão aberta na educação pela igualdade entre os gêneros e celebra o fato de receber cenas escritas especialmente por roteiristas mulheres. "Não dá mais para tratar assuntos de um único ponto de vista masculino, não faz sentido nenhum". Leia trechos da conversa.
UNIVERSA: Você já viveu algum episódio de violência doméstica ou uma relação que dava sinais de violência?
Renata Gaspar: Sim, já tive dois relacionamentos violentos e, quando vi que estava repetindo a mesma história, consegui sair do barco. Mas não foi uma decisão simples. A verdade é que só consegui sair mesmo quando peguei a responsabilidade para mim e procurei ajuda. A ajuda serve pra você se resgatar, e fazer isso sozinha é quase impossível. Tive muito apoio profissional pra isso.
De que formas a história da Stephany te impacta como mulher?
Impacta muito porque é triste ver alguém nessa situação. A história da Stephany parece batida, mas é um espelho da nossa cultura. E você se identifica porque é mulher e todas as mulheres já sofreram abusos, a violência aparece diariamente e todo mundo tem alguma história para contar. Hoje estamos falando sobre isso de um lugar mais consciente do que antes, e isso é um avanço, mas saber que mulheres estão morrendo todos os dias ainda é doído demais.
Com a repercussão da personagem, chegou a ser procurada por mulheres que passaram por situação parecida?
Recebo muitas mensagens de mulheres que já viveram ou ainda vivem esse tipo de relação.
Algumas contam que já viveram tal cena, igual à da novela, outras dizem que estão dentro desse tipo de relação e que a novela fez com que ela entendesse melhor a própria história.
É emocionante ler esses relatos, tento muito acolhê-las e sinto que a arte, como sempre, está cumprindo seu papel.
Stephany nem sempre é acolhida por pessoas próximas e escuta frases como "larga esse cara", mas mostra que essa decisão é mais complexa. O que gostaria que o público soubesse sobre o acolhimento às vítimas de violência?
Claro que é bom ela ouvir "termina com ele" ou "ele não te faz bem", mas o foco de quem quer ajudar uma vítima de violência tem que ser o resgate dessa mulher. E, para isso, ela precisa se sentir acolhida e não julgada por não conseguir sair da relação. O acolhimento, a escuta, é muito importante.
No caso da Stephany, quando a irmã diz para ela terminar ou quando qualquer pessoa de fora diz isso, é como se ela se sentisse mais impotente, porque o desejo por ele não morre assim da noite pro dia. Ela se vê sem forças pra sair da relação, se sente mais e mais incapaz e fica cada vez mais difícil romper este ciclo.
"Um Lugar Ao Sol" tem maioria de roteiristas mulheres e trata questões de gênero -- violência obstétrica, estupro, etarismo, violência doméstica -- de forma muito sensível. Como isso impacta seu trabalho como atriz?
É muito diferente ler um roteiro em que a pessoa sabe do que está falando. Facilita muito a atuação. Além de aprender junto, o resultado fica mais verossímil e mais profundo. Quantas vezes li roteiros onde a pessoa não fazia ideia do que estava falando? Não dá mais para tratar assuntos de um único ponto de vista masculino, não faz sentido nenhum. Nessa novela, tive também a alegria de ver muitas mulheres no set -- além de diretoras mulheres, temos fotógrafas, câmeras. Isso, até pouco tempo, era muito raro num set de filmagem, e também faz muita diferença.
Acredita que a televisão aberta, especialmente as novelas, tem o poder de transformar comportamentos ou mudar a forma como a sociedade encara certas questões?
Muito. Sou extremamente grata por todas as novelas que já existiram porque esse ainda é o meio que alcança mais pessoas, de todas as classes, principalmente as com menos acesso à cultura. A arte é um espelho onde as coisas podem ser vistas, acessadas e questionadas. Sem arte, não há transformação.
Em relação à violência contra a mulher, acredita que a TV pode ser uma ferramenta de proteção e de fortalecimento para as mulheres?
Com certeza. A maioria dos casos acontece entre quatro paredes, dentro daquela relação onde ninguém se mete. Recentemente, começamos a entender que é, sim, para nos metermos, e que a vida daquela mulher também me diz respeito. Esse aprendizado acontece pela exposição, pela repetição, e isso precisa alcançar a todos -- e acredito que a TV ainda é o meio que alcança mais pessoas no Brasil.
Como vê a forma como a violência doméstica é debatida em "Um Lugar Ao Sol" em comparação a outras novelas exibidas antes?
Antes, as novelas mostravam sempre o agressor, a vítima e pronto. Sinto que "Um Lugar Ao Sol" está colocando o foco na Stephany e questionando o que a faz voltar para ele e por quê. Dessa forma, ficam mais claros os mecanismos de manipulação do agressor e também que os dois são pessoas que precisam de ajuda. Antes havia vilões, mas hoje acho que há mais interesse em expor como a violência realmente funciona.
Quando falamos em relações violentas, pensamos em casais heterossexuais, e você vive uma relação com uma mulher. A violência entre casais homoafetivos também deveria ser discutida?
Sim e não. Acredito que esse assunto tem que ser discutido porque você pode estar em um relacionamento abusivo independentemente da sexualidade, mas acho que não podemos igualar à violência de homens contra mulheres. Como também não podemos igualar a violência doméstica contra uma mulher branca e contra uma negra da periferia.
Há mais feminicídios dentro de relações heterossexuais do que homossexuais, e isso não acontece por acaso. Normalmente, num casal heterossexual, há um abismo entre os papéis dentro daquela relação e um enorme desequilíbrio de forças.
Você é muito conhecida pelo trabalho na comédia e, agora, encara um drama profundo. Como foi essa transição?
Para mim, o drama nunca esteve longe. Apesar de ter focado mais em humor na TV, nunca parei de fazer teatro e cinema com tramas mais dramáticas. Dá para unir as duas coisas. Aliás, meu gênero favorito é quando as duas coisas se fundem. Amo o tipo de comédia profunda ou extremamente esquisita que chega a ser desconfortável.
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