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Brasileira é pioneira em pintar pontes em Nova York: 'não sabia do perigo'

Lisa é responsável por pintar a famosa ponte do Brooklyn, em Nova York - arquivo pessoal
Lisa é responsável por pintar a famosa ponte do Brooklyn, em Nova York Imagem: arquivo pessoal

Lisa Oliveira em depoimento Gisele Rodrigues

Colaboração para Universa, em Recife (PE)

04/03/2022 04h00

"Não se encontram muitas mulheres pintando pontes, só conheço mais duas hoje em dia aqui em Nova York, onde moro e trabalho com isso há 24 anos. Fui a pioneira, porque não é um trabalho tradicional, e antes era considerado 'trabalho de homem'. Foram anos para poder combater o preconceito porque essa profissão é bem dura para a mulher, não só fisicamente, mas porque é preciso conquistar a confiança dos homens.

Hoje eu tenho 44 anos e acho interessante que as pessoas passaram a conhecer essa profissão que não é nova, mas é uma novidade para muita gente, simplesmente porque eu passei a compartilhar minhas experiências no Instagram, e no meu canal do YouTube, onde eu mostro um pouco do meu dia a dia.

Eu me mudei para os Estados Unidos aos 19 anos a convite de uma amiga que tinha família aqui e queria viver o "sonho americano" e conseguir fazer dinheiro. Minha família é do subúrbio do Rio de Janeiro, então nunca tivemos uma boa condição financeira — essa vontade de dar certo na vida e realizar o sonho de construir algo é o que me motivou a sair do Brasil.

"Na fila para vaga só havia homens mais velhos"

Brasileira é primeira pintora de pontes em Nova York - arquivo pessoal - arquivo pessoal
"Já sofri muito preconceito dizendo que esse era trabalho de homem", diz Lisa
Imagem: arquivo pessoal

Comecei a trabalhar em um restaurante, mas depois de uns três meses morando aqui, eu fiquei sabendo que havia vagas para pintores de pontes, e um amigo me avisou das inscrições. Me lembro até hoje desse dia. Quase 300 pessoas em uma fila gigante, e só eu de mulher, eles me olhavam de uma maneira estranha. Quando cheguei já me senti deslocada: eu tinha 19 anos, e a maioria era de homens mais velhos.

O trabalho não exigia experiência prévia, então eu fui aprovada para ser aprendiz e nos três primeiros anos ganhava apenas 20% do salário de um profissional da área — só depois desse período você vai subindo de cargo até conseguir ganhar o salário completo.

A construção civil nos EUA é a segunda profissão mais bem remunerada, por causa do perigo, e confesso que eu não tinha noção do que estava me esperando pela frente. No primeiro dia, quando me jogaram para trabalhar na minha primeira ponte pensei: "o que estou fazendo aqui?".

Engana-se quem pensa que eu não tinha medo. Eu tinha muito medo de altura, mas precisava vencer aquilo, porque seria a minha profissão, tinha que dar certo. Hoje digo que eu me sinto mais segura em cima de uma ponte do que caminhando na rua, porque ali sou responsável pela minha própria segurança.

O nosso trabalho é tão importante, que ninguém sabe que se a gente não deixasse a Brooklyn Bridge bonita, ela não ficaria tão bonita para as pessoas tirarem fotos. O turismo depende muito de nós, as pessoas vão para Nova York e querem tirar fotos das pontes.

"Fui a primeira mulher a passar no concurso público para esse cargo em Nova York"

Brasileira é primeira pintora de pontes em Nova York: ? Já sofri muito preconceito dizendo que esse era trabalho de homem?  - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Lisa também é responsável em trocar a bandeira mais famosa em Nova York: a que fica em cima da ponte do Brooklyn
Imagem: arquivo pessoal

A minha maior dificuldade foi conseguir sobreviver em um mundo totalmente masculino e conseguir vencer em um trabalho não tradicional. As mulheres podem ser o que elas quiserem e eu posso comprovar através da minha experiência que é possível quebrar barreiras, principalmente as profissionais.

Eu fui a primeira mulher a passar no concurso público para esse cargo na prefeitura da cidade, e sofri muito preconceito. A companhia pedia alguns pintores, e quando chamavam meu nome, diziam que não me queriam. Era difícil, porque eu queria trabalhar, então eu tinha que dar o meu melhor todos os dias.

Também sofria cantadas dos homens, e diziam que se eu fosse mulher deles eu não tinha que estar ali, e sim cuidando da casa. Eu tive um chefe que me perguntava o que eu estava fazendo ali todos os dias. Mas fui resiliente e depois de dois anos, ele passou a confiar mais em e me dar mais trabalho.

"Minha família sabe que o meu trabalho é arriscado"

Além de pintar pontes, eu também faço o trabalho de retirada de pichações na cidade, que também gosto muito, mas às vezes é muito difícil.

2021 foi um ano que eu trabalhei muito com isso, e teve meses que precisei ser escoltada pelos policiais por causa dos ataques durante as manifestações do Black Lives Matter, movimento que defende e luta pelos direitos das pessoas negras. Infelizmente, muitas pessoas se aproveitaram das manifestações para fazer vandalismo.

Também sou responsável por trocar a bandeira mais famosa de Nova York: a que fica em cima da ponte do Brooklyn.

A ponte de Brooklyn é um símbolo e um ponto turístico muito requisitado pelos turistas brasileiros e do mundo inteiro. Minha equipe faz o trabalho de pintar os mastros das bandeiras, mas também de abaixar e levantar, além de trocá-la.

Brasileira é primeira pintora de pontes em Nova York: - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Lisa também é responsável por limpar pichações na cidade e diz durante as manifestações de "Black Lives Matter" precisou ser escoltada
Imagem: arquivo pessoal

Lido com uma grande aventura diariamente, mas é muito gratificante quando seu trabalho tem um significado para a cidade. Me sinto honrada e é isso que me dá força e coragem para ir trabalhar todos os dias.

"Foi homenageada pela prefeitura de Nova York"

Ser reconhecida pelo meu trabalho é que me faz acreditar em cada desafio que eu já passei, e em 13 de março de 2017, eu fui homenageada pela prefeitura de Nova York como a mulher do ano no dia das mulheres. Além da cerimônia, fotos das homenageadas foram espalhadas em outdoors pela cidade, ao lado de outras mulheres que ajudaram a construir e moldar a infraestrutura do transporte do país. Além disso, recebemos uma exposição de fotografia em Lower Manhattan.

No ano passado, eu também fui convidada para palestrar sobre Pluralidade Feminina em um grande evento da cidade, e no mês de novembro de 2021 ganhei o prêmio Mídia América Awards como a Influenciadora Digital de NYC.

Quero continuar palestrando para as pessoas, e mostrar que a vida aqui fora não é fácil e que para conseguir sucesso temos que trabalhar muito. Quero compartilhar todo o meu conhecimento e não deixar que as mulheres sofram o preconceito que eu sofri há 24 anos, quando comecei a trabalhar na pintura." Lisa Oliveira, 44 anos, pintora de pontes, em Nova York (EUA)