Ela passou em 1º em medicina e quer pesquisar saúde da população negra

Uma estudante negra, de 19 anos, ficou em 1? lugar em medicina na UFBA (Universidade Federal da Bahia). A jovem, que também foi aprovada em medicina na Unicamp, se preparou por um ano, acordando todos os dias às 5h e otimizando o tempo nos dias mais produtivos. É que ela entendeu que o ciclo menstrual pode ditar o ritmo dos estudos porque em determinados momentos do mês as mulheres têm diferentes níveis de produtividade. Além disso, ela mandava cartas de incentivo para ela mesma. Keyla Sacramento pretende ser cirurgiã cardíaca e pesquisadora da saúde da população negra.

Leia a história de Keyla a seguir.

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"Sou uma mulher negra, baiana, de 19 anos. Minha vontade de ser médica surgiu da necessidade de encontrar uma profissão que estivesse alinhada com meu propósito de fazer uma diferença no mundo. Desde muito pequena, eu sabia que queria contribuir de alguma forma para que a próxima geração encontrasse uma sociedade com equidade, assim como meus parentes e antepassados lutaram pela minha.

Mais ou menos com 15 anos, entrando no Ensino Médio, a medicina pareceu o melhor caminho para isso, e fui me apaixonando ainda mais pela profissão.

Minha família sempre me deu muito apoio para que eu escolhesse o caminho que me desse maior realização pessoal. Infelizmente, na conjuntura desigual do nosso país, a grande maioria da população, principalmente na comunidade negra, não trabalha com o que gosta porque a garantia da sobrevivência pessoal e familiar é muito mais urgente.

Meus pais são minha maior inspiração por terem estudado e trabalhado tanto para que eu pudesse ter esse apoio e condição de fazer minhas próprias escolhas.

Infelizmente, ainda não temos médicos na minha família direta, mas isso é um retrato da nossa sociedade excludente. Fico honrada em romper mais essa barreira para os meus.

Eu sou uma aluna muito estudiosa desde sempre, gostava de sentar na frente da sala, participar das aulas, tirar dúvidas com os professores. Gosto de dizer que a minha preparação veio desde o início do Ensino Médio. Muitas vezes, valorizamos apenas aquele resultado final, mas tenho certeza de que a minha base de estudo consolidado foi essencial para a minha aprovação.

Ciclo menstrual e produtividade

Minha análise sobre meu ciclo menstrual foi uma ferramenta de autoconhecimento importantíssima, não apenas na questão dos estudos, mas na minha vida como um todo. Penso que não adianta definir um número de horas para estudar todo dia porque nossa produtividade varia ao longo do mês.

Então, aprendi a entender os momentos que estava mais cansada e desmotivada, respeitando-os, e a identificar os momentos de produtividade e energia super alta para aproveitá-los ao máximo.

Eu escrevi minha carta de motivação no início do ano. Acho que foi muito importante para me lembrar de por que eu estava ali, me dedicando. É uma trajetória difícil também, exige dedicação, concentração e não tem garantia alguma que você realmente terá êxito naquele ano.

Sempre lembrar qual era meu propósito me ajudou bastante com o controle da ansiedade.

'Desigualdade não é mimimi'

Para as pessoas que acham que a desigualdade racial é um 'mimimi', eu peço apenas que olhem a foto da turma de formandos em medicina nas principais universidades públicas, e a diferença gritante entre a quantidade de pessoas brancas e pessoas negras. A disparidade é nítida, não tem como negar.

O que falta para as pessoas pretas são oportunidades. Fico muito feliz que consegui aproveitar ao máximo a minha, e pretendo continuar a fazê-lo, sempre chamando e inspirando outras pessoas negras para que lutemos por esses espaços.

Minha família nunca duvidou de mim, muito pelo contrário. Sempre confiaram e me incentivaram em absolutamente tudo.

Fora de casa, se alguém questionou se eu realmente conseguiria, admito que nem percebi, porque já tinha uma rede de apoio imensa me falando o contrário.

'Vou honrar a garotinha que queria mudar o mundo'

Estou muito aberta às experiências que a universidade pública pode me oferecer, tenho certeza de que terei professores incríveis e talvez minha área de atuação mude, mas, atualmente, cirurgia cardiovascular me parece muito interessante, principalmente acompanhando os avanços científicos que visam utilizar cada vez mais a tecnologia na medicina. É algo que me fascina.

Mas também tem o que eu falei sobre propósito, quero muito honrar a garotinha que já pensava em mudar o mundo, então tento ter isso sempre em mente. Pretendo estudar e pesquisar sobre a saúde da população negra porque não é um tema tão pesquisado no meio acadêmico, e só é possível mudar aquilo sobre o que temos dados e informações.

Fui aprovada na UFBA e na Unicamp. Decidir entre as duas é muito difícil, mas acho que pretendo ir para a Unicamp. Apesar de a Universidade Federal da Bahia ser a primeira faculdade de medicina do Brasil, com um histórico de excelência, penso que terei mais oportunidades de realizar minhas pesquisas em Campinas, pelos valores da Universidade, que são muito voltados para a produção científica.

É sempre difícil se separar da família, principalmente quando ela é tão presente e provê esse suporte tão grande quanto a minha. Mas meus pais me acompanharão em cada passo do caminho. Minha mãe com certeza vai comigo pelo menos no primeiro mês para me ajudar com tudo sobre a mudança e me dar toda a ajuda necessária.

Espero que minha vitória inspire outras pessoas. A mensagem que eu deixaria é de tentar ao máximo deixar seus objetivos e propósitos sempre muito claros. Fica muito mais fácil atingir qualquer coisa sabendo para onde mirar.

E tem uma frase que minha mãe sempre diz muito: 'Na vida, tudo é apenas um momento'. E isso vale para as coisas muito boas e muito ruins. Então, apesar de a preparação ser dura, é apenas um momento que vai passar, e logo logo você estará vivendo seu sonho. Continua, que vai valer a pena."