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Brasileira cede fazenda na Romênia para refugiados da guerra na Ucrânia

Na fazenda, foi instalado um posto consular avançado para auxiliar brasileiros que usam o território romeno para fugir do conflito com a Rússia. - Itamaraty / Divulgação
Na fazenda, foi instalado um posto consular avançado para auxiliar brasileiros que usam o território romeno para fugir do conflito com a Rússia. Imagem: Itamaraty / Divulgação

Ed Rodrigues

Colaboração para Universa, de Recife

07/03/2022 15h42

Uma brasileira que mora na Romênia cedeu para a embaixada do Brasil sua fazenda para receber brasileiros e demais refugiados da guerra na Ucrânia. O local fica bem próximo à fronteira e está servindo de apoio a quem partiu do território ucraniano com os mais variados destinos. Maria Thereza é natural de Petrolina, cidade do sertão pernambucano, e se mudou para a Romênia em 2016, onde reside desde então com o marido e dois filhos.

Quando viu a situação e percebeu que muitos brasileiros estariam fugindo pela Romênia, Maria Thereza procurou a embaixada brasileira no país. Na fazenda, foi instalado um posto consular avançado para auxiliar brasileiros que usam o território romeno para fugir do conflito com a Rússia.

Maria Thereza é natural de Petrolina, cidade do sertão pernambucano, e se mudou para a Romênia em 2016, onde reside desde então com o marido e dois filhos. - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Maria Thereza é natural de Petrolina, cidade do sertão pernambucano, e se mudou para a Romênia em 2016, onde reside desde então com o marido e dois filhos.
Imagem: arquivo pessoal

A Universa, ela contou que sua propriedade fica na cidade de Siret, a 391km da capital Bucareste, e é um ponto por onde passam várias pessoas que partem da Ucrânia para a Romênia, por estar bem ao lado da fronteira.

No último dia 24, quando o governo russo ordenou o primeiro ataque ao território ucraniano, Maria Thereza estava no Brasil. Ela precisou acompanhar o pai que está internado em um hospital em São Paulo.

No mesmo dia, o marido de Thereza, o fazendeiro alemão Hubertus Nesselrode, começou a receber ligações de amigos, que solicitavam ajuda. "Meu marido chegou ao Brasil e toda a imprensa já noticiava a iminência de guerra, mas ele, que havia chegado recentemente da Romênia, não acreditava que realmente aconteceria. Até que a Rússia atacou e de imediato começaram os pedidos de ajuda", disse.

O casal então entrou em contato com uma de suas funcionárias na Romênia e avisou que passaria o contato dela para as pessoas que estavam chegando pela fronteira. O primeiro grupo a ser recebido na fazenda era formado por norte-americanos, holandeses e ucranianos.

68 refugiados passaram pela fazenda da brasileira. Desse total, 58 brasileiros, cinco acompanhantes estrangeiros e cinco estrangeiros no marco da cooperação com os países latino-americanos.  - Itamaraty/divulgação - Itamaraty/divulgação
68 refugiados passaram pela fazenda da brasileira. Desse total, 58 brasileiros, cinco acompanhantes estrangeiros e cinco estrangeiros no marco da cooperação com os países latino-americanos.
Imagem: Itamaraty/divulgação

"Marinela Risciuc, nossa funcionária, ficou coordenando a chegada dos refugiados. Ela e outro funcionário foram para a fronteira e passaram quatro horas esperando as seis primeiras pessoas", ressaltou.

Pela fazenda, segundo Thereza, já passaram mais de 60 pessoas. No local, os refugiados recebem alimentação quando chegam e quando vão embora, dormem e depois seguem para seus respectivos destinos iniciais.

Quando o casal percebeu que muito brasileiros poderiam passar pela fronteira, resolveu acionar a Embaixada do Brasil na Romênia e ofereceu oficialmente a fazenda como um ponto estratégico.

"Entrei em contato com a embaixadora do Brasil na Romênia, Maria Laura Rocha. Em 24 horas, ela mandou o 1? time consular para o ponto avançado. E a equipe já está instalada e recebendo o pessoal. A embaixadora foi muito rápida. A guerra começou dia 24, no dia 26 mandei e-mail para ela, que me respondeu em menos de 12 horas. E no dia 28 o ponto consular já estava ativo", explicou Thereza.

"Existe ainda uma grande rede de solidariedade entra as embaixadas sul-americanas. A embaixadora do Peru me pediu para ajudar peruanos e nós topamos."

Ela destaca o trabalho da equipe da embaixada e de seus funcionários, que estão mobilizados, organizados e buscando as pessoas na fronteira. Além da fazenda, escolas e igrejas, estão recebendo refugiados em uma grande mobilização da população romena.

A pernambucana confessa que já se imaginou no lugar dos refugiados e que está ajudando por estar em uma posição que lhe dá recursos para prestar auxílio.

"Por poucos metros, a gente estaria do outro lado da fronteira. Fico o tempo todo pensando que poderia ser eu, meu marido, meus filhos. Me sinto grata por estar na posição de poder ajudar. E também sinto um sentimento de obrigação porque as pessoas estão passando pela minha porta", destacou.

Fuga arriscada para mulheres

Muitas histórias dos refugiados chamaram a atenção da brasileira. Uma moça ucraniana que conseguiu fugir e passou pela fazenda contou que o território da fronteira está em uma região muito perigosa, principalmente para mulheres.

"As pessoas estão fugindo de Kiev de carro. Estavam levando mais de dez horas para chegar à fronteira, e outras seis horas na fila de carros para atravessar a fronteira. As pessoas começaram a deixar suas coisas e atravessaram a pé. No primeiro grupo tinha uma mulher que disse que a fronteira era um ambiente muito hostil. Tinham homens vestidos de mulher com bebês falsos. Muitos homens e muita briga", disse, sobre lembrando a determinação que proíbe homens dos 18 aos 60 anos de deixarem a Ucrânia

O drama de quem já estava na Romênia, mas com um parente na Ucrânia, também chama a atenção. Outra funcionária de Maria Thereza, a ucraniana Aliona Malanciuc tem três filhos. Um deles, de 17 anos, estava no território ucraniano. As dificuldades para deixar o país para se encontrar com a mãe e os irmãos duraram cinco dias.

Embaixada na Romênia

A área onde a fazenda de Maria Thereza está localizada é uma que já estava sendo monitorada pela Embaixada do Brasil na Romênia. Antes mesmo do contato da brasileira, duas funcionárias já haviam sido enviadas ao local.

O contato da pernambucana oferecendo a propriedade foi providencial, apontou a embaixadora Maria Laura Rocha. A Universa, ela contou que as funcionárias estavam com dificuldades por terem um local para se abrigarem apropriadamente.

"Quando a Thereza entrou em contato, duas funcionárias da embaixada já tinham ficado sete horas na rua e no frio esperando os brasileiros que estavam para chegar. Recebi a comunicação da Maria Thereza quando estávamos procurando hotéis, todos ocupados. São várias as embaixadas e empresas buscando essas hospedagens. Ela nos cedeu o escritório da casa e deu hospedagem aos dois funcionários que foram enviados", contou.

"Quando os brasileiros nos contatam e dizem se vão passar em Siret, providenciamos documentos para eles com as autoridades romenas. Quando saem da fazenda para a capital, pagamos hotel e alimentação, oferecemos transporte. E pagamos passagem de repatriação para quem não dispõe recursos", explicou a embaixadora.

Segundo levantamento feito pela Embaixada, até esta segunda-feira (7), 71 refugiados passaram pela fazenda da brasileira. Desse total, 59 brasileiros, cinco acompanhantes estrangeiros e sete estrangeiros no marco da cooperação com os países latino-americanos. A Embaixada está monitorando a chegada de outras pessoas.