Psicóloga avalia cena em filme de Gentili na Netflix: 'Desaconselhável'
Baseado em um livro homônimo escrito pelo humorista Danilo Gentili, o filme "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola" chegou à Netflix em fevereiro, mas foi neste domingo (13) que a produção recebeu críticas pelo Twitter por uma cena específica. Em determinado momento da história, o personagem interpretado por Fabio Porchat pede a dois garotos que encerrem uma discussão o estimulando com masturbação.
O trecho do filme, com classificação etária de 14 anos na plataforma de streaming, foi replicado em diversas mensagens na rede social —durante a manhã, a hashtag "#PedofiliaNaNetflix" ficou entre os assuntos mais comentados entre os usuários, assim como os nomes de Porchat e de Gentili.
Procurada por Universa, a Netflix disse que não se pronunciaria sobre o caso. Danilo Gentili foi à rede social após a repercussão do filme para dizer que o maior orgulho que tem de sua carreira é "conseguir desagradar, com a mesma intensidade, tanto petista quanto bolsonarista". Parte das publicações críticas ao filme na rede social é de usuários que se associam a Jair Bolsonaro (PL) em seus perfis.
Protagonista da cena, o ator Fabio Porchat rebateu as acusações de que há apologia à pedofilia na produção. "Temas superpesados são retratados o tempo todo no audiovisual. E, às vezes, ganham prêmios. Jackie Earle Haley concorreu ao Oscar em 2007 interpretando um pedófilo no excelente filme 'Pecados Íntimos'", disse por meio de nota nesta segunda-feira (14).
"Só que quando o vilão faz coisas horríveis no filme, isso não é apologia ou incentivo àquilo que ele pratica, isso é o mundo perverso daquele personagem sendo revelado. Às vezes é duro de assistir, verdade. Quanto mais bárbaro o ato, mais repugnante", declarou.
Para a psicóloga Manoela de Oliveira Lainetti, que trabalha há 15 anos na área de direitos humanos, principalmente com crianças e adolescentes vítimas de violências e em situação de risco pessoal e social, uma cena como a retratada no filme é "desaconselhável" em qualquer circunstância, sendo um filme de comédia ou não. Entenda.
Críticas à cena de masturbação
"Como se Tornar o Pior Aluno da Escola" é um longa-metragem lançado em 2017. Na época, o Ministério da Justiça classificou a produção como imprópria para menores de 14 anos. A determinação é seguida pela Netflix que, no catálogo, também indica que o filme tem momentos "irreverentes", "apimentados" e de "humor ácido". Quando acionado o modo "infantil" na plataforma, não é possível encontrar o filme para assistir.
No trecho da história, Cristiano, personagem de Porchat, recebe os dois pré-adolescentes, Pedro (Daniel Pimentel) e Bernardo (Bruno Munhoz), em casa e conversa com eles sobre um caderno antigo que encontraram. Os meninos discutem entre si e, em dado momento, o homem pede para que eles masturbem "o tio". Na cena seguinte, a conversa entre os meninos se dá comentando a surpresa de um deles ter, de fato, encostado no pênis do adulto.
O episódio também suscitou declarações de políticos: o ministro da Justiça, Anderson Torres, por exemplo, disse que determinou que "os vários setores" da pasta adotem as providências cabíveis para o caso, sem, no entanto, especificá-las. O ministro da Cultura, Mario Frias, condenou a produção. Já o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) apagou o comentário público em que elogiava o longa, em 2017, dizendo que não se lembra de ter visto a cena à época.
A psicóloga Manoela Lainetti avalia que a forma com que o abuso sexual foi exposto no filme pode prejudicar o entendimento de crianças e adolescentes sobre o que é violência sexual —pedir "favores" sexuais, como a masturbação, por exemplo, se enquadra nessa categoria.
"A cena pode confundir uma criança no entendimento do que é violência porque normaliza a questão", analisa a Mestre em Psicologia Social e especialista em Psicologia Jurídica. "E isso se torna mais complexo quando é protagonizada por pessoas que são formadoras de opinião, que são ídolos de muitas pessoas", diz, em referência à atuação de Fabio Porchat no longa.
A compreensão de que está sendo vítima de um crime sexual, dizem especialistas, já é mais difícil para menores de idade quando não há a intervenção ou conhecimento de outro adulto sobre a questão.
Para ela, o fato de a violência sexual contra crianças e adolescentes ser considerada problema de saúde pública —números indicam que, considerando apenas o registro feito em canais oficiais do Governo, uma menina de até 14 anos é violentada a cada duas horas no país— não pode fazer com que o tema seja banalizado no meio audiovisual.
Ser comum não significa que deve ou pode ser aceito, muito menos representado como algo inofensivo ou engraçado.
Responsabilidade sobre tema é da sociedade, diz psicóloga
Explicar e separar o que é sexualidade, sexo e abuso sexual é a forma mais indicada para que crianças e adolescentes entendam quais são as diferenças entre o exercício da sexualidade e o que é crime sexual contra ela, diz Lainetti.
"Mas, antes, isso precisa estar claro para os próprios adultos, que precisam estar abertos ao diálogo, sem tratar o sexo e a sexualidade como tabu. Crianças e adolescentes com menos informação sobre toques e falas inadequadas e sobre como pedir socorro são mais vulneráveis à violência sexual."
Isso significa que o papo precisa ser aberto para que não se sintam desamparados se um dia precisarem denunciar violências que sofrem sexualmente. Entre os pais e responsáveis, também é importante se munir de informações: segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 76% das crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual conhecem seu agressor. Na maior parte dos casos, é uma pessoa da própria família.
Vale dizer que apenas 1% dos casos de abuso contra crianças e adolescentes chega até a Justiça. "Por isso, deve haver espaço de diálogo e proteção, como as escolas, que são importantíssimas. O diálogo deve ser adequado à faixa etária e ao momento de desenvolvimento da criança e do adolescente, inclusive para os que têm deficiência", conclui a psicóloga.
O que dizem os atores e a Netflix
Na publicação do Twitter, Danilo Gentili reforçou que "nenhum comediante desagradou tanto quanto ele" e que "segue rindo". Universa entrou em contato por e-mail com o humorista e, caso tenha retorno, este texto será atualizado.
Na nota enviada por Porchat, o ator e roteirista defendeu o papel do "filme de ficção", elencando exemplos de filmes que mostravam realidades e personagens considerados "maus".
"Geralmente, o filme tem o mocinho e o vilão. O vilão é um personagem mau. Que faz coisas horríveis. O vilão pode ser um nazista, um racista, um pedófilo, um agressor, pode matar e torturar pessoas. O Marlon Brando interpretou o papel de um mafioso italiano que mandava assassinar pessoas. A Renata Sorah roubou uma criança da maternidade e empurrava pessoas da escada. A Regiane Alves maltratava idosos. Mas era tudo mentira, tá, gente? Essas pessoas na vida real não são assim", escreveu.
"Agora, imagina se por conta disso não pudéssemos mais mostrar nas telas cenas fortes como tráfico de drogas e assassinatos? Não teríamos o excepcional Cidade de Deus?"
Universa questionou a Netflix sobre as acusações de pedofilia feitas contra a plataforma, sobre os critérios que determinam a classificação do filme e sobre a ausência de mensagem informativa relacionado à cena, antes ou depois do filme, que pudesse ajudar crianças e adolescentes a identificar crimes sexuais, como o que é representado no longa. A empresa disse que não iria comentar o caso.
Como denunciar crimes sexuais contra criança e adolescente
Para denunciar ou pedir orientações sobre como proceder em caso de violência contra criança ou adolescente, é possível ligar para o Disque 100, número do governo federal disponível 24 horas. Se o caso envolver violência contra meninas, também é possível ligar para o 180.
Também é possível fazer a denúncia em uma delegacia do crime de estupro de vulnerável, quando um qualquer tipo de contato sexual é praticado contra menor de 14 anos, pessoa com deficiência ou alguém que não possa oferecer resistência. O autor pode cumprir pena de 8 a 15 anos de prisão.
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