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Renato Kalil é investigado por violência obstétrica, assédio sexual e moral

O obstetra Renato Kalil, acusado de violência obstétrica contra a influencer Shantal Verdelho - Reprodução/Todo Seu no YouTube
O obstetra Renato Kalil, acusado de violência obstétrica contra a influencer Shantal Verdelho Imagem: Reprodução/Todo Seu no YouTube

Júlia Flores

De Universa

14/03/2022 17h57

Renato Kalil, de 60 anos, é um ginecologista que ficou famoso por atender celebridades e realizar o parto de mulheres como Andréa Sadi, Mariana Weickert, entre outras. Em dezembro de 2021 o profissional foi acusado de violência obstétrica pela influenciadora Shantal Verdelho, que chegou a compartilhar vídeos do procedimento. Desde então, a Justiça investiga esta e outras denúncias contra o médico. Nesta segunda-feira (14), o nome do profissional voltou a público depois que a mulher dele- a nutricionista e instrumentadora cirúrgica Ilana Kalil —foi encontrada morta na casa em que a família vivia em São Paulo. Ilana tinha 40 anos e deixa duas filhas (Renato Kalil tem, ao todo, três filhas).

Formado em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo em 1988, Kalil tem especialização em ginecologia e obstetrícia e é membro da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo e da Sogesp (Sociedade Brasileira de Reprodução Humana).

O médico atende majoritariamente em São Paulo, onde tem uma clínica localizada no bairro Vila Nova Conceição, zona sul da capital paulistana. Segundo apurou Universa, cada consulta com ele custa R$ 2 mil, fora o valor do retorno. Kalil não aceita planos de saúde, e a maior parte dos partos realizados pelo médico — inclusive o de Shantal — acontecem no Hospital e Maternidade São Luiz, no mesmo bairro da clínica.

Quando a denúncia de Shantal viralizou na internet, a página da clínica de Kalil no Instagram tinha mais de 100 mil seguidores. Hoje, tanto o o perfil na rede social e o site da clínica estão desativados.

Irmão também é médico e já atendeu ex-presidentes

Renato Kalil se popularizou no Instagram por realizar o parto de diversas influenciadoras digitais e celebridades, mas, antes disso, o sobrenome Kalil já era reconhecido no meio médico. O irmão de Renato, o cardiologista Roberto Kalil Filho, já atendeu presidenciáveis como Michel Temer, Lula, Dilma, Collor e Sarney.

Em 2020, inclusive, Bolsonaro citou Roberto Kalil ao falar sobre médicos que defendem o uso da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19. "Há pouco, conversei com o doutor Roberto Kalil. Cumprimentei-o pela honestidade e o compromisso com o juramento de Hipócrates ao assumir que não só usou a hidroxicloroquina, bem como como a ministrou para dezenas de pacientes", afirmou o atual presidente.

Na ocasião, Roberto tinha acabado de se recuperar da covid e confessou, em entrevista à Rádio Jovem Pan, ter feito uso de cloroquina para tratar a doença (ele chegou a ser internado no Hospital Sírio-Libanês, onde atende). Vale reforçar que, até janeiro de 2022, não houve comprovações cientificas do benefício do uso de hidroxicloroquina no tratamento de covid.

A denúncia de Shantal Verdelho e a investigação em caso de violência obstétrica

A influenciadora digital Shantal Verdelho - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Shantal Verdelho
Imagem: Reprodução/Instagram

As denúncias envolvendo o médico Renato Kalil surgiram após o vazamento de um áudio enviado para um grupo de mães no WhatsApp, em dezembro de 2021, por Shantal Verdelho. Na gravação, ela relata ter sofrido diversas violências durante o parto de sua filha.

Em entrevista exclusiva a Universa, Shantal disse que, mesmo com o registro em vídeo do parto, ficou com medo de denunciar o médico formalmente à Justiça. Nas imagens, Kalil aparece chamando a influencer de "viadinha", forçando a vagina dela durante o procedimento, realizando a manobra de Kristeller e tentando convencê-la a tomar uma medicação que acelera o trabalho de parto, mas é contraindicado para mulheres que já realizaram cesárea anteriormente, como é o caso de Shantal.

Em dezembro, a influenciadora registrou um boletim de ocorrência no 27° Distrito Policial de São Paulo, que abriu um inquérito para investigação. Segundo Shantal, 15 testemunhas já foram à delegacia prestar depoimento sobre o caso, informação confirmada por seu advogado, Sergei Cobra Arbex. Segundo o MPSP (Ministério Público de São Paulo), que acompanha o caso, pelo menos outras duas mulheres também já relataram ter sido vítimas de violência obstétrica praticada pelo médico.

Em nota, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) informou que o médico continua sendo investigado e possui registro desde 1989. As investigações tramitam sob sigilo determinado por lei.

A reportagem procurou Kalil por meio de seu advogado, Celso Vilardi, mas o médico informou que não se pronunciará. Ele nega que tenha acontecido qualquer intercorrência durante o parto de Shantal e afirma que o vídeo em questão foi editado e está fora de contexto: "A íntegra do vídeo mostra que não há irregularidade ou postura inapropriada durante o procedimento", diz nota enviada anteriormente à reportagem por sua equipe.

'Ele falava da minha vagina como se eu não estivesse na sala de parto'

A jornalista Samantha Pearson, correspondente do "The Wall Street Journal" no Brasil, é uma dessas mulheres que denunciou Kalil. Ela revela ter sofrido episódios de violência obstétrica nas duas gestações em que se consultou com o médico. A primeira foi em 2015.

"No parto do meu primeiro filho, ele [Kalil] falou da minha vagina como se eu não estivesse na sala de parto. Falou para meu marido: 'Olha o que eu fiz aqui'. Fiquei traumatizada, com vergonha e com medo dele ter dado 'pontos' a mais na minha vagina", relembra Samantha em conversa com Universa. "Em outro momento ele começou a me 'zoar' porque eu tinha feito um pouco de cocô por causa da força do parto. Ele virou para o meu esposo e perguntou aonde ele tinha me levado para jantar".

O segundo episódio de violência denunciado por Samantha teria acontecido em 2019, na gestação de sua segunda filha, quando ela voltou a se consultar com o médico.

Ele me disse que o número de heterossexuais tinha diminuído e por isso eu precisava emagrecer para não perder meu marido - Samantha Pearson

Ela conta que se sente culpada por ter retornado ao médico mesmo após o trauma do primeiro parto. "Às vezes me questiono por que voltei, porém, como uma estrangeira no Brasil, morria de medo de me consultar com um médico que me obrigasse a fazer cesárea, e o Kalil era o mais prestigiado da área de partos naturais. Pensava que ele poderia ser um ser humano terrível, mas um ótimo profissional".

Samantha já apresentou queixa contra o médico no Ministério Público e na delegacia. Ela não lembra o valor exato do preço pago pelo parto de sua primeira filha, que aconteceu no Hospital Albert Eisntein, em São Paulo, mas avalia ter sido cerca de R$ 10 mil.

Em nota, a defesa de Renato Kalil respondeu à reportagem dizendo que, "durante sua vida profissional, jamais teve a intenção de ofender ou magoar qualquer pessoa, em especial suas pacientes". Afirma ainda que se, por algum motivo, "alguém se sentiu ofendido, pede as mais sinceras desculpas". O médico também afirmou que está à disposição do Cremesp, a fim de comprovar sua ética e retidão profissional e que "tomará as medidas judiciais cabíveis contra qualquer um que faça acusações caluniosas".

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do publicado, Renato Kalil não fez o parto da apresentadora Luciana Gimenez