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'Pedi demissão e viajo o Brasil de motorhome acompanhada de meus cachorros'

Luana usou suas economias para comprar um motorhome e saiu para viajar pelo Brasil. Na foto, está em Matinhos (PR) - arquivo pessoal
Luana usou suas economias para comprar um motorhome e saiu para viajar pelo Brasil. Na foto, está em Matinhos (PR) Imagem: arquivo pessoal

Luana Solomon, em depoimento a Priscila Carvalho

Colaboração para Universa

15/03/2022 04h00Atualizada em 16/03/2022 10h08

"Sou advogada e trabalhei 16 anos em uma instituição financeira. Eu era bem-sucedida na minha carreira, só que sentia que não era mais isso que queria. O caminho natural seria chegar ao posto de diretoria na empresa, mas não me via nesse lugar. Eu não estava frustrada com o trabalho, mas era algo que não me brilhava mais os olhos.

Depois de muita reflexão, decidi pedir demissão. A primeira ideia era fazer um sabático viajando pela Ásia. Depois de algumas mudanças de planos por conta da pandemia, agora estou pronta para dirigir até o Ushuaia, no extremo sul da Argentina, a bordo de um mortohome com meus cachorros Chai e Gregor, da raça Pastor de Shetland, que dividem a vida comigo há 9 anos.

Primeira parte da viagem foi no estilo 'mochilão'

Em 2018, tomei a decisão de sair do meu cargo, comecei a me preparar, guardar dinheiro e fazer uma programação financeira. A princípio, havia decidido que faria um sabático de um ano para pensar outras funções que poderia exercer na minha profissão mesmo. Foi mais uma questão de autoconhecimento — sentia que meu propósito de vida estava muito limitado.

Pedi demissão em janeiro de 2021. Disse que ficaria até abril e em julho começaria a viajar. A princípio, minha ideia era uma viagem pela Ásia, que começaria pelo Japão. Mas com o avanço da pandemia, isso não foi possível. Adiei meus planos e só fui estendendo minha permanência na empresa. Minha chefe pediu para eu ficar mais, mas cravei meu limite até outubro. Quando chegou esse mês, resolvi sair e começar a viajar pelo Brasil.

Em junho, saí de São Paulo rumo a Reserva Ecovila El Nagual, em Magé, na baixada fluminense. Lá, aprendi sobre sustentabilidade e permacultura.

Depois, embarquei para um retiro de uma semana na Chapada Diamantina, na Bahia. Em seguida, resolvi experimentar o norte do país e fui para uma expedição na Amazônia chamada 'Universidade do Amor', na qual eles têm um barco enfermaria, que dá assistência para comunidades ribeirinhas. Vi que poderia me desenvolver de outras formas, longe da profissão que estava acostumada. Foi uma experiência muito bacana e de autoconhecimento.

Segui para Alter do Chão, no Pará, e no caminho peguei um barco de 23 horas. Quando estava lá, conheci um casal que disse que estava com saudade de casa e a residência deles era um motorhome.

Eu não sou a pessoa que ama dirigir, não entendo nada de hidráulica, mas aquilo me plantou uma sementinha na cabeça. Os planos iniciais eram viajar na pegada mochileira, mas eu também tinha meus cachorros, de quem eu já estava com saudades.

Até então, eu não tinha planos de pegar um motorhome, mas a grande vantagem de pode viajar com os meus bichos, que estão comigo há nove anos, falou mais alto.

Depois de muita pesquisa, comprei uma sprinter 2004 e comecei a viajar com ela em novembro de 2021.

"Me perguntam 'como é viajar sozinha' mas não estou só, estou com meus cachorros"

Acompanha dos cães, Luana está cruzando o Brasil de motorhome - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Acompanhada dos cães Chai e Gregor, Luana quer chegar até o Ushuaia.
Imagem: arquivo pessoal

Quando peguei o motorhome, já estava com tudo praticamente montado: com chuveiro com água quente por causa da placa solar, geladeira, pia e até forno. É uma casinha completa.

Eu não me senti em perigo por ser mulher e estar sem ninguém, pois não me coloco em locais perigosos. O máximo que tive foram comentários 'nossa, mulher sozinha'. Vejo um certo preconceito, mas é implícito.

Logo de início, meus cachorros estranharam e não queriam entrar. Fiquei com receio que não se adaptassem, mas hoje eles mesmo já pulam no carro e enxergam como casa. Quando estou na estrada, penso neles e faço paradas de pelo menos uma semana. Me perguntam até 'como é viajar sozinha' e eu respondo que não estou só, e sim, com eles.

Costumo dormir em campings ou uso aplicativos de viagem, no qual as pessoas colocam suas avaliações e dão dicas de onde ficar. É bom para segurança. A única vez que dormi a céu aberto estava acompanhada de um amigo.

Meta é chegar no 'fim do mundo'

Precisei me reorganizar e fazer um roteiro da viagem com o carro. No começo, pensei em viajar pelo Nordeste, mas não fazia muito sentido por causa dos cachorros. Eles sentem muito calor.

Foi então que pensei em ir para o sul e chegar até o Ushuaia, no extremo sul da Argentina. Era um sonho antigo poder correr com eles na neve.

Comecei por São Paulo mesmo e experimentei a maior comunidade Hare Krishna do Brasil. Era uma experiência diferente e ainda estava tendo um festival de mantras. Tinha gente de outros países e era muito legal.

Estacionei meu motorhome na pousada e fiquei lá. Mas os perrengues já começaram e tive problemas com o carro. Tive que trocar minha pia, a gaveta emperrou.

Depois segui para um santuário animal em Cotia, na região metropolitana de São Paulo, e saindo de lá fui para um camping em São Roque, no interior.

Estava indo para o Sul, mas no meio do caminho meu motorhome foi perdendo força e andava quase a 10 km por hora. Foi então que me falaram que era melhor pedir um guincho e voltar para São Paulo. Como já era perto do Natal, voltei para a capital paulista.

Em janeiro deste ano, comecei a jornada para chegar até o Ushuaia. Fui em direção ao Sul do Paraná. Parei na cidade da mãe da minha amiga, Jacupiranga, ainda no estado de São Paulo, para passar umas três horas, mas acabei ficando lá pouco mais de uma semana. Estacionei no gramado dela e fiquei.

O carro já estava fazendo muito barulho, mas segui em direção a Curitiba e pensei em ver o que estava acontecendo em um mecânico. Atravessei o estado e fiquei superfeliz. Quando estava na cidade, também fui para Morretes, uma viagem bem gostosa. Depois segui para o Pontal do Paraná.

Estou fazendo tudo no meu tempo, respeitando meus limites. Na primeira saída com o motorhome, rodei 537 quilômetros, entre 11 de novembro e 6 de dezembro. Na segunda saída, entre 18 de janeiro e 3 de março, foram um total de 1215 quilômetros percorridos. Aos poucos vou ficando mais confiante na estrada.

Em março, recebi um convite para palestrar no Encontro de Mulheres Viajantes. O evento tem tudo a ver comigo e a organizadora me disse que vou poder dividir minha experiência e inspirar outras mulheres. Por isso, voltei para São Paulo.

Mas em abril já volto para a estrada novamente e com o sonho de chegar até o fim do mundo. Penso em fazer todo o roteiro entre seis meses a um ano. Pretendo descer pelo Ushuaia e subir pela Patagônia."

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do publicado, os cães são da raça Pastor de Shetland.