Mulher trans chora com vídeo de 1º sutiã: 'Guardarei peça o resto da vida'
"Esse é o meu primeiro sutiã depois de ter colocado silicone, tem um significado. Me lembrei de tudo o que passei. Essa anatomia do colo é tão bonita. Tô me amando." É assim que a artista gaúcha Valéria Barcellos resume a emoção que sentiu ao fazer o vídeo mostrando sua reação com a experiência. As cenas viralizaram e já contam com mais de 25 mil visualizações. "Vou guardar esse sutiã para a vida. Foram muitos anos juntando dinheiro", conta, em entrevista a Universa.
Natural de Santo Ângelo, Rio Grande do Sul, Valéria é uma mulher trans de 42 anos que já tinha se percebido menina desde criança. "As pessoas trans desenvolvem uma maturidade precoce. Mas quando pequena não era muito diferente do que sou hoje. Eu tomei um susto maior ao saber que, para os outros, eu não era o que já sabia que era. Na minha cabeça, sempre fui uma menina", conta Valéria.
Inspiração em Linn da Quebrada
Colocar silicone não era um desejo de Valéria, mas ela mudou de ideia recentemente, quando uma amiga recém-operada perguntou se ela também tinha essa vontade. "Todas as minhas amigas colocaram, a Lina [participante do "BBB 22"], foi a última delas. Aí eu também quis.
Achei um médico no Instagram que dizia ter uma técnica na qual seria possível levantar os braços e trabalhar após a cirurgia. Entrei em contato e ele me respondeu agradecendo a mensagem, mas que não atendia 'esse tipo de público'.
"Busquei outro médico e esse foi maravilhoso. Ele ficou chocado com o que eu tinha ouvido e me chamou para a consulta no dia seguinte. Saí de lá com a cirurgia marcada, fiz no dia 7 de março deste ano", conta. Valéria acredita que se tivesse colocado silicone no começo de sua transição de gênero não estaria tão feliz como agora.
Já o sutiã que viralizou surgiu por acaso. Ela já tinha o costume de usar a peça íntima, mas essa teve um significado especial: foi o primeiro depois do silicone e a faz lembrar de sua mãe. "Vim fazer uma palestra em São Paulo, sobre gênero, raça e empregabilidade para pessoas trans nas empresas. No aeroporto, vi o sutiã de longe em uma vitrine. A cor me deu um gatilho mental: minha mãe tinha um sutiã muito parecido. Lembrei quando colocava os dela escondido. Comprei para todos me verem usando, inclusive minha mãe", conta.
Valéria se emociona quando revê o vídeo. "Eu choro mesmo. Só eu sei como foi minha história. Quando vi aquela imagem bonita, continuei me sentindo eu mesma, foi um carinho que me permiti fazer. Aquele choro é verdadeiro", conta Valéria que foi até convidada por uma outra marca de lingerie para fazer uma parceria.
Infância no interior e apoio da mãe
Quando tinha uns 6 ou 7 anos, ao tomar banho com a mãe, ela queria saber qual parte do corpo da mulher a mãe tinha e ela não. Entendendo se tratar dos pelos, sua mãe explicou que, ao crescer, ela também teria. Juntando essa declaração com a tal história que ouvia do sangue ao "virar mocinha", na cabeça de Valéria aquele excesso de pele na região genital iria cair e, enfim, ela seria uma mocinha como a mãe.
Como isso nunca aconteceu, ela começou a entender que seu corpo era diferente. "Percebi que teria que enfrentar muitas coisas na vida e que precisaria ser forte", conta.
A primeira situação com a qual se deparou foi o racismo, aos 8 anos, quando uma colega da escola disse que ela não tinha mochila porque as pessoas negras não possuíam dinheiro para comprar coisas novas. "Depois disso, nunca mais me vi como negra. Era morena, qualquer coisa, mas não negra. Voltei a reconhecer minha negritude aos 18 anos quando entendi a história do meu povo. O racismo era muito pesado, ainda mais em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Tinha que ter uma cabeça boa para não sucumbir", diz Valéria.
A única preocupação em se assumir como mulher trans era a reação de sua mãe. Fora isso, nada mais importava. "Eu tinha um plano: aos 18 anos ia sair de casa, arrumar um emprego e trabalhar, porque achei que minha mãe me colocaria para fora quando soubesse. Mas nossa relação ficou estremecida somente por uma semana, depois nós nos tornamos melhores amigas. Minha mãe morreu em 2002, mas tenho certeza que seria minha fã número zero", conta.
A sua transição começou dos 17 para os 18 anos, aplicando uma injeção que foi indicada por uma amiga. "Não façam o que eu fiz. A partir das mudanças físicas, a gente percebe uma alteração emocional muito grande. Por isso disse que meu peito é político, ele traz a idealização de uma pessoa", conta.
Apesar de a transição ter começado na sua cidade natal, ela foi concluída em Porto Alegre. "Com as mudanças físicas aparentes, ninguém me dava emprego em Santo Ângelo. Eu estava passando fome e morando no fundo da casa de uma amiga. Com a ajuda de um outro amigo, consegui comprar uma passagem para Porto Alegre, onde fui morar com a minha tia. Apesar do conservadorismo, a cidade me recebeu.
Duas semanas depois, um amigo me convidou para ir a um bar, um karaokê, onde eu cantei "I Will Always Love You". A dona ficou encantada comigo e me chamou para trabalhar lá. Em dois meses, entrei na programação de música ao vivo", comemora Valéria.
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