Doula sobre regulamentar profissão: 'Avanço contra violência obstétrica'
O Senado aprovou na quarta-feira (16) um projeto de lei (PL) que regulamenta a profissão de doula, profissional que dá à gestante apoio emocional e físico desde a gravidez até o momento do parto. No texto do PL 3946/2021, a senadora Mailza Gomes (PP/AC) destacou que, com a valorização da humanização dos partos, a doula ganhou papel de destaque. Por isso, o texto prevê a definição de termos como a formação será necessária para ser uma doula e a autorização para que ela tenha acesso aos hospitais das redes pública e privada.
O PL segue agora para a Câmara dos Deputados. Mas o primeiro passo já foi celebrado pela Federação Nacional de Doulas do Brasil (FenadoulasBR) nas redes sociais e por mulheres que atuam na tentativa de partos realizados com mais respeito à parturiente e ao bebê —vale dizer que, no momento do nascimento da criança, há vários fatores emocionais que fazem com que a pessoa nem sempre identifique que está sofrendo violência obstétrica, por exemplo.
A doula Paula Inara Rodrigues Melo, do Rio de Janeiro, que é secretaria executiva da Associação de Doulas do Estado (ADOULASRJ) avalia que, se aprovada pela segunda casa legislativa, a regulamentação fará com que a classe de profissionais seja reconhecida como parte da equipe multidisciplinar que está numa sala de parto. "Há uma resistência grande a enxergar a doula assim".
Regulamentação de doulas vai à Câmara
Paula, que também é educadora perinatal [pode atuar prestando assistência nos períodos de gestação, parto e pós-parto], resolveu fazer curso para doulagem depois que teve uma experiência respeitosa no nascimento do seu filho, em um parto realizado no SUS, há sete anos.
Para ela, a regulamentação da profissão fará com que mais pessoas estejam mais amparadas para garantir um parto seguro e sem violências. "Disseminar essa informação torna as pessoas mais cientes dos seus direitos. Assim, tende a crescer o número de casos de denúncia de violência obstétrica; órgãos conseguirão coibir mais essa prática e as sanções nesse sentido também tendem a aumentar."
Apesar de ser visto como algo elitista, a doula está ali para qualquer mulher que precise se preparar para o parto. Inclusive se for uma cesárea eletiva, porque há a preocupação com ela e com o bebê.
Impasse no centro cirúrgico
Doula há quatro anos e advogada especialista no enfrentamento à violência obstétrica, Isabelle Pinheiro Maciel, de Fortaleza, considera que a regulamentação será uma mão na roda para que doulas tenham acesso mais direto para acompanhar a gestante no momento do parto.
O texto, aliás, prevê que "fica assegurada a presença da doula nas maternidades, casas de parto e em outros estabelecimentos congêneres, da rede pública ou privada, desde que solicitada pela pessoa grávida, durante o período de trabalho de parto, inclusive em caso de intercorrências e de aborto legal."
"Há uma dificuldade de se dialogar com essas instituições para fazer esse acompanhamento. Ontem mesmo, acompanhei uma paciente o dia inteiro procurando um leito para ela ser internada na maternidade e, quando encontramos, ela precisou optar entre o acompanhante ou eu, porque não poderia ter duas pessoas".
Isabelle, que também pesquisa direitos reprodutivos e sexuais, opina que essa dificuldade vem da falta de conhecimento das equipes médicas e dos hospitais em relação à importância da doula. "O impasse quando vamos para o centro cirúrgico só acontece porque tratam como se fôssemos leigas, que não teríamos condições de nos portar com o devido cuidado durante o parto".
Quem pode ser doula
O PL prevê que é necessária formação em curso técnico de doulagem ou comprovação de mais de cinco anos atuando na área. Vale dizer que, para ser doula, não é necessária formação na área de Saúde.
A profissional tem, por outro lado, a atribuição de informar a quem está dando à luz sobre os métodos não farmacológicos para alívio da dor, sobre posições mais confortáveis durante o trabalho de parto. Também pode auxiliar na sugestão de técnicas de respiração e vocalização, promover massagens, banhos e compressas para que o trabalho de parto seja o mais tranquilo possível.
Cabe ainda à doula, diz o documento, orientar e prestar apoio aos cuidados com o recém-nascido e ao processo de amamentação.
Prevenção à violência obstétrica
Para as entrevistadas, a presença da doula dentro da sala de parto tem impacto positivo na prevenção de casos de violência obstétrica (a própria equipe de parto e o acompanhante também podem atuar nesse sentido).
"Temos um papel muitíssimo importante porque conseguimos munir a mulher com recursos para ela compreender o que é normal e o que é invasivo. Também estamos ali do lado para facilitar a comunicação da gestante com a equipe, evitando com que sejam feitos procedimentos sem consentimento da mulher", pontua Isabelle.
Paula acrescenta que a regulamentação da profissão atinge, inclusive, questões culturais que se reproduzem na experiência do parto, como o racismo. "O racismo obstétrico realmente existe [mulheres negras sofrem mais violência obstétrica do que brancas], por exemplo; e, a partir do momento que se tem mais profissionais na área, mais mulheres e famílias estão sendo preparadas para esse processo e, por fim, enxergam melhor seus direitos".
Há alguns estados brasileiros que já reconhecem e regulamentam a profissão com manuais, portarias e com modelos de Estatuto do Parto Humanizado, como em Fortaleza e também no Distrito Federal, que preveem a presença da doula na hora do parto independente do acompanhante.
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