Roda de samba só de mulheres leva história e resistência às noites do Rio
Ao som de Clara Nunes, Elis Regina e Leci Brandão, entre outras vozes do samba, é que as Mulheres do Samba Notícias se apresentam todos os sábados na Pedra do Sal, no centro do Rio de Janeiro. O grupo, formado só por integrantes femininas, começou a tocar no local seis meses atrás, mas todas as idealizadoras já têm uma história com a música há muitos anos.
O nome do coletivo foi pensado para divulgar o trabalho das mulheres sambistas ao redor do Brasil, além de temáticas de audiovisual e outros conteúdos ligados à comunicação. "Hoje temos 240 mulheres espalhadas de norte a sul em um grupo de WhatsApp. Nossa ideia é concentrar em um só lugar atividades de mulheres para facilitar informações de cultura", diz Thais Vilela, sambista e uma das coordenadoras do grupo.
Além dos conteúdos relacionados às notícias, ela conta que o grupo atua como acolhimento e incentivo a outras mulheres do samba que desejam ingressar na carreira ou discutir pautas do universo feminino. Muitas delas sofrem ou já sofreram com violência psicológica, além de questões de relacionamento. "Começamos a entender um monte de pautas pertinentes e desenvolvemos uma autoajuda. Nasceu de uma comunicação para fora", complementa.
Além do Mulheres do Samba Notícias, há outros dois coletivos de mulheres no samba do estado do Rio de Janeiro: o Movimento das Mulheres Sambistas e o Mulheres na Roda de Samba.
Roda de samba também é protesto
Conhecidas por realizarem muito mais do que uma roda de samba, e sim uma apresentação que aborda diversos temas, as cantoras mostram todo seu talento em um dos berços mais famosos da cultura negra e da música na capital fluminense. Durante o evento, que dura quase três horas, há um repertório de canções que marcam a história do samba e de mulheres até hoje.
Cantando "Identidade", de Jorge Aragão, elas abordam questões ligadas ao racismo. Já quando uma das integrantes canta sua própria música, em que parte da letra tem "todo dia tem um homem diferente passando vergonha", elas abordam questões relacionadas ao machismo, à desigualdade de gênero e ao feminismo. "Quem se incomoda um pouquinho é aquele cara que está desconstruindo. Quem sai da roda é o machista. Se incomoda quem não está com o dever de casa em dia", brinca Thais.
Mesmo fazendo uma crítica aos homens, ela conta que não é, de maneira alguma, contra eles. Se precisar de um músico substituto, não há problema algum e ele é bem-vindo na roda de samba. "Se é um homem que tem relevância na luta é bem-vindo na nossa roda. Mas nós não podemos ser incoerentes e deixar um agressor ou outro tipo de cara sentar lá", pontua.
"A roda não é segregadora, mas tem uma prioridade, que é recepcionar mulheres que não tinham oportunidade", diz Dora Rosa, sambista e uma das coordenadoras do Mulheres do Samba Notícias.
Ainda na apresentação, a terceira parte é dedicada a mulheres sambistas que vêm de outros estados e estão em busca de espaço para cantar. Até estrangeiras, que falavam português, já participaram da roda. "Serve para evidenciar aquela mana", diz Thais.
Machismo ainda é frequente no samba
Conhecido por ser um dos locais mais tradicionais da capital carioca para quem busca boa música, a Pedra do Sal sempre recebia grupos formados somente por homens. A regra não era diferente em outros lugares nos bairros do Rio de Janeiro. O coletivo vem tentando mudar essa realidade todos os finais de semana e, aos poucos, tem fortalecido o papel do público feminino dentro desse estilo musical. Mas nem sempre foi assim.
Por ser um espaço majoritariamente masculino, muitas integrantes tiveram de se impor ao longo da carreira e viram o machismo escancarado nas contratações de shows e até nos repertórios. "Já deixei de cantar em várias rodas, porque o outro cantor ia ganhar mais do que eu, sendo que era o mesmo número de músicas. Eu me recusava e dizia 'o que me diferencia do cara?'. Não posso deixar colocar preço na minha arte", diz Dora. Ela também já passou por situações em que o microfone foi escondido e os organizadores perguntaram qual seria o repertório.
A recepção em alguns eventos também já foi marcada por machismo e situações desconfortáveis, relembra Thais. Ela conta que, muitas vezes, quando alguns homens diziam para elas ficarem "à vontade" na roda de samba, isso estava relacionado somente ao beber e comer. "Se você chega perto do palco, começa a ser ignorada". Mesmo diante desses episódios, elas não se calaram e seguiram cantando em diversos bares e espaços musicais.
Trabalho precisa de apoio para continuar
Assim como vários setores culturais, as rodas de samba ainda precisam de incentivo financeiro. Aos finais de semana, quem vai à Pedra do Sal, por exemplo, não paga nada pelo evento. Muito pelo contrário: o único valor "cobrado" é o que a pessoa pode e quer pagar.
No fim da apresentação, voluntários vão passando o chapéu, pedindo contribuições ou fornecendo o número e chave pix. "O artista não tem um ministério de cultura que o represente. Ele é o nosso próprio corpo", pontua Dora.
Por isso tanto Dora quanto Thais ressaltam a importância de incentivar mais mulheres nesse espaço, que ainda é dominado por homens. "O samba já vem passando por um processo de evolução. Estamos juntas, mas ainda falta muito", conclui Dora.
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