'Intubada com covid e em coma, pari meu filho de 1kg. Hoje, estamos bem'
"Eu já era mãe de dois adolescentes, Alister, de 20 anos, e Théo, de 17, mas o meu marido, Wellington, queria ter o terceiro filho. Aos 41 anos, eu tinha dúvidas, mas não podia adiar mais essa decisão. Em junho de 2020, logo depois de começar a tentar, engravidei, mas tive um aborto espontâneo em seguida.
Três meses depois, já estava grávida novamente, do Yuri. Assisti a muitos vídeos de partos domiciliares e fiquei apaixonada. Decidi que queria fazer o parto em casa, já que meus filhos mais velhos tinham nascido no hospital.
Mas no sexto mês de gestação, em março do ano passado, comecei a me sentir mal depois de uma reunião de trabalho. Pensei que o mal-estar e a falta de ar eram consequências da gravidez. No dia seguinte, porém, soube que todos que estavam presentes no encontro testaram positivo para a covid.
A falta de ar foi piorando muito e corri para a maternidade. Minha saturação estava muito baixa e decidiram me internar. Fiquei três dias por lá, mas como meu quadro se mostrou grave, fui transferida para o Hospital Federal dos Servidores do Estado [no Rio]. Meu pulmão estava comprometido e meus órgãos com dificuldade de funcionar corretamente.
Lembro de chegar no CTI [Centro de Terapia Intensiva] de maca, olhar para trás e dar tchau para o meu marido. Logo me intubaram e fizeram uma traqueostomia em mim. Depois disso, apaguei. Não lembro de mais nada. Acordei um mês depois.
Enquanto eu dormia
Passei 30 dias em coma. Quando acordei, não sabia o que tinha acontecido. Estava atordoada. Não lembrava nem que estava grávida do Yuri. Quando a médica veio mostrar uma foto dele no celular, disse: 'Não tenho nenhum bebê, meus filhos já são grandes'.
Intubada e sedada, não fazia ideia do que tinha acontecido. Mas quando completei 28 semanas, o médico disse ao meu marido que precisariam interromper a gestação porque meu pulmão estava comprometido e a gravidez comprimia ainda mais meus órgãos. No mesmo dia, 20 de março, a bolsa estourou.
Costumo dizer que o Yuri deu um chute e entrei em trabalho de parto. Ele queria nascer. Os médicos não acreditaram e, no dia seguinte, induziram o processo com ocitocina e ele começou a vir.
Soube que ele nasceu de bunda, ainda não tinha nem encaixado. Eu estava em coma, totalmente desacordada e não vi nem senti nada. Os médicos falaram que foi um caso muito raro. Se tivessem feito uma cesárea, eu não suportaria e acabaria morrendo. Uma médica filmou o parto, mas ainda não tive coragem de assistir inteiro.
Assim que o Yuri nasceu, foi direto para a UTI neonatal. Ele tinha menos de 1kg e media 33 cm. Precisou ficar na incubadora. Só o conheci quando ele tinha 37 dias. Sem forças para andar, no dia do encontro eu estava em uma cadeira de rodas.
A enfermeira colocou o Yuri no meu colo e pensei que ele não me reconheceria. Mas, assim que me olhou, abriu um sorrisinho. Meu coração disparou. Foi a coisa mais linda do mundo. Mesmo assim, no tempo em que ficamos internados, pude vê-lo apenas duas vezes.
Durante o tempo que fiquei em coma, tive muitas alucinações. Algumas situações que pensei serem irreais, soube pelas médicas e enfermeiras que de fato aconteceram. Em uma delas, cheguei a pular da maca cheia de fios e medicamentos. Em outra, arranquei o tubo da traqueostomia, a camisola, tudo. Fiquei pelada no chão, cheia de fios.
Uma vez, senti que eu estava morrendo e via minhas amigas vindo para o meu enterro. Eu falava: "Gente, estou bem. Não vou morrer agora, não". E uma delas, ao mexer nos aparelhos, acabou acionando um eletrochoque e senti meu corpo todo tremendo. Depois fui saber que tive uma convulsão —tive algumas durante o período em coma.
Como estava sendo alimentada por sonda, eu não podia comer nem beber, mas sentia muita fome e sede. Quando voltei a me alimentar, estava tão fraca que ao levar a comida para a boca, deixava cair nos ombros.
Nesse tempo todo, não recebi nenhuma visita por causa dos protocolos da covid. Teria enlouquecido se não existisse celular. Não foi fácil.
Fui para casa duas semanas antes do meu filho. Voltar sem ele foi difícil demais, uma dor no coração. Ao mesmo tempo, não teria condições de cuidar de um bebê, eu não ficava em pé sozinha. Estava de muletas, totalmente desequilibrada.
O dia de buscar o Yuri no hospital, foi mágico! Ele era tão pequeno... Ao chegar em casa, os irmãos ficaram babando. Senti muita alegria e alívio em finalmente tê-lo em nossos braços. Coloquei ele no ninho, que era tão grande para o tamanho dele, mas ficou tão aconchegante! Lembro daquele cheiro de neném, tão gostoso, nem parecia que tinha passado tanto tempo no hospital.
Gosto amargo na boca
O Yuri vai fazer 1 ano no dia 21 de março, mas a idade corrigida dele é de nove meses. Ele ainda é acompanhado pela médica especialista em prematuros e está se desenvolvendo muito bem, não apresentou nenhuma sequela e agora começou a engatinhar.
É apaixonante acompanhar sua evolução. Ele é muito observador. Às vezes, fixa o olhar em alguém e não desgruda. Outro dia, uma mulher que nem conhecia, me disse: 'Esse menino tem um propósito na vida'. A médica que acompanhou meu parto também disse isso.
Eu ainda não estou 100% recuperada, ainda arrasto meu pé esquerdo ao andar. Preciso fazer muito pilates para me fortalecer. O lado direito do meu corpo também está prejudicado, não consigo enxergar direito de "rabo de olho". Minha memória piorou, como uma das sequelas da covid.
Voltei a trabalhar dois meses depois que tive alta do hospital. Tinha muito medo de ficar sozinha, medo de morrer e achava que isso poderia acontecer a qualquer momento. Sentia calafrios estranhos e um gosto amargo na boca. Ficar em casa era pior, voltar a trabalhar me ajudou psicologicamente.
Passei a ter outro olhar da vida depois disso tudo. Valorizo as pequenas coisas que antes passavam despercebidas. Às vezes, estou com o Yuri na janela e admiro o céu, as nuvens, o sol... E penso: 'Que coisa mais mágica é o mundo'. A vida é muito curta e precisamos aproveitar cada momento, com a família e os amigos. É o que temos de mais valioso."
Telma Cortez, 43 anos, é produtora e mora no Rio de Janeiro
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