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'Arrume-se Comigo': nova trend das redes sociais pode afetar sua autoestima

 Ana Luiza Palhares produz conteúdo sobre moda plus size - Ana Paula Aguiar
Ana Luiza Palhares produz conteúdo sobre moda plus size Imagem: Ana Paula Aguiar

Rafaela Polo

De Universa

21/03/2022 04h00

Você se lembra do sucesso que foram as fotos de #LookdoDia no Instagram há alguns anos? O que era para ser uma vitrine de visuais tornou-se uma ferramenta poderosa de negócios no mundo das influenciadoras e acabou gerando uma pressão por padrões estéticos praticamente inatingíveis entre as "pessoas comuns". No TikTok, esse modelo evoluiu e transformou-se em uma nova tendência, chamada de Get Ready With Me (#GRWM), ou, em português, Arrume-se comigo.

Nos vídeos, uma influenciadora se veste enquanto grava, mostrando opções e dúvidas que teve com a escolha do look do dia. O modelo nasceu no YouTube, com gravações mais longas, e, no momento em que a pandemia aliviou um pouco, a trend ganhou um formato mais dinâmico e chegou a mais gente rapidamente. O problema é que, o que parece ser uma brincadeira divertida, na realidade pode afetar a autoestima das mulheres, principalmente as mais jovens.

Um estudo da University College London (UCL) de 2019 descobriu que esse impacto é muito maior em meninas, que têm duas vezes mais chances de desenvolverem depressão. E um dos fatores que levam à doença é, justamente, a baixa autoestima. "Quando falamos com adolescentes, estamos nos dirigindo a pessoas que ainda não se desenvolveram completamente e têm mais dificuldade para fazer um filtro do que estão assistindo. O sofrimento se torna ainda maior porque está acontecendo em uma época de formação de identidade", diz a psicóloga Carla Guth.

Mas e em mulheres adultas, como esse impacto funciona?

O impacto das redes sociais em nossas vidas depende da maneira que a enxergamos. É inspiração ou aspiração? "Esse tipo de conteúdo pode, sim, afetar a autoestima. A mulher sofre pressão pela imagem e, de qualquer forma, esse tipo de post pode criar um paradigma de idealização de algo que não é atingível", diz a psiquiatra Maria Francisca. Além do consumo, que ocupa o grande holofote desse tipo de conteúdo, há também, mesmo que indiretamente, incentivo a padrões estéticos que nem sempre são viáveis de serem mantidos, segundo a especialista.

Mas nem tudo é negativo. As redes sociais também podem ter impactos positivos em nossas vidas. "Existe o lado A, que é o que conhecemos sobre as redes sociais e a ansiedade que ela gera quando as pessoas veem algo do qual não têm condições de se aproximar. Geralmente, temos a impressão de que a vida do outro é perfeita. Nosso cérebro não sabe distinguir fantasia e realidade, mesmo que racionalmente a gente saiba que o que estamos vendo não é verdade. E sabemos que a ansiedade prejudica a autoestima", diz a psicóloga Ediane Ribeiro.

Mas há também um outro lado, segundo a especialista, que é saber que, na vida moderna, podemos fazer bom uso das redes sociais para nos inspirarmos e nos divertirmos. "Depende de quem consome", diz Ediane.

É importante, inclusive, ficar atenta a como a reação ao conteúdo afeta quem o produz. "Quando há coerência emocional, pode ser muito positivo. O que não pode é buscar resolver problemas profundos e internos de aceitação com esses posts, pois a pessoa pode acabar se tornando refém dos likes. E quando isso não acontecer mais?", diz Maria Francisca. "Agora, se a mulher entende o que está fazendo, e que os movimentos das redes sociais são cíclicos, pode ser bacana, sim, para seu bem-estar. Uma maneira de se sentir acolhida e compreendida."

Atualmente há diversas versões de Arrume-se comigo. Em uma rápida busca pelo TikTok, é possível encontrar mulheres de todas as classes sociais, econômicas e de tipos de corpos diversos gerando conteúdo. A diversidade, que não era apreciada nos primórdios das redes sociais, ganha espaço para servir como inspiração.

"Essas mulheres não criam idealização, e sim, identificação. A diversidade tem de ser ampliada dentro das redes sociais. Se você pega pessoas de corpos diferentes e classes sociais diferentes, consegue julgar o que é possível dentro da sua realidade. Vai perceber que não precisa de grifes caríssimas e que seu bem-estar pode ser atrelado a roupas de um bazar e do e-commerce ou de qualquer origem", diz Maria Francisca.

A seguir, três influenciadoras que fazem conteúdos de Arrume-se comigo' no TikTok falam sobre suas inspirações e como os seguidores reagem aos posts.

'Gosto de tirar esse peso moral: se não ficar bom, troque de roupa'

@cinderaladementira

"Sempre fui focada em moda plus size e autoestima, para mostrar para as mulheres gordas que elas podem ser elas mesmas e ajudá-las a encontrar roupas com preços mais justos. O Arrume-se comigo é um formato gostoso de fazer porque para mim é bem vida real. Mostro minhas dúvidas, troco de roupa quando percebo que está manchada. A vida é isso. Eu enxergo como uma forma de trazer informação de moda para as seguidoras.

Às vezes, o que faltam são truques de styling. A pessoa compra o mesmo shorts e blusa, mas não fica igual. Ela só precisa dar uma dobradinha na manga, colocar um pouquinho pra dentro. Gosto de trazer essas informações que ajudam quem está em casa. Recebo muitas mensagens de pessoas dizendo que se inspiraram em mim, que se permitiram experimentar diferentes peças que nunca tinham colocado antes. Gosto de tirar esse peso moral. Se a roupa não ficar boa, tire e coloque outra. Não tem problema.

Claro que têm dias em que não estamos bem e outros em que nos sentimos maravilhosas, mas a moda pode ser essa ferramenta de libertação, ela não precisa mais nos aprisionar. Pode ser uma forma de expressão e eu gosto de fazer isso com as minhas roupas, e mostrar para mulheres que elas podem fazer o mesmo. Fiz muita terapia, o que ajudou a contribuir com minha autoestima, mas as meninas também me inspiram de certa forma. Quando eu vejo que alguém usou cropped pela primeira vez porque me viu usando, fico até emocionada. A pessoa se permitir experimentar é o melhor tipo de feedback que eu posso receber."

Ana Luiza Palhares, 27 anos, de Belo Horizonte (MG), trabalha com internet há 10 anos produzindo conteúdo sobre moda plus size

'Tenho vídeo com mais de 2 milhões de views'

@nopiquedaday

@nopiquedaday Responder a @franciscaemanuelly1 vocês estão me influenciando a me arrumar mais continuem #gwrm #grwm #arrumesecomigo #trend #fy ? som original - Dayane Tomé


"Comecei a fazer esses vídeos do nada. Sempre tive um carinho por moda, mas comecei a fazer conteúdos para o TikTok no ano passado e meu primeiro vídeo que viralizou foi sobre a vacina. Comecei a fazer o Arrume-se comigo e até queria fazer mais, mas a gente não tem dinheiro para comprar tanta roupa. E só por fazer looks com peças repetidas já comecei a receber mensagens de meninas que disseram se inspirar em mim por isso e porque minhas peças eram mais acessíveis.

Quando viramos criadores de conteúdo, principalmente no TikTok, as pessoas são muito agressivas, mas meu público é muito carinhoso. Quando tem mensagens que divergem da minha opinião, elas sempre chegam com educação. Mesmo assim, tenho um vídeo com mais de 2 milhões de views. Eu nem achei aquela roupa tão bonita, e como estava com o cabelo polêmico, com dois coquinhos, não achei que ia chegar a isso. Entrei na sala de aula e desliguei o telefone, quando saí, já tinha mais de 3 mil novos seguidores e muitas notificações."

Dayane Tomé, 23 anos, de Belford Roxo (RJ)

'Misturo peças caras com itens mais baratos'

@maluborgesm


"Quando entrei para o TikTok eu fui fazendo um pouquinho de tudo até me encontrar onde me sentia mais confortável. Tinham algumas gringas fazendo Arrume-se comigo e comecei também. O que mais gosto é que têm pessoas de diversas classes econômicas investindo na trend. Acho que as pessoas se identificam comigo porque também conseguem perceber o high low: misturo peças caras com itens mais baratos, peças de fast fashion com algo que comprei em um brechó. Eu acho bacana não ser extremista e saber usar os dois universos.

Quando eu era mais nova também tinha problemas de autoestima, se tivesse visto pessoas com várias estéticas se vestindo, acho que teria me encontrado de uma forma melhor. Recebo mensagens de mulheres de 40 anos e de meninas mais jovens que estão descobrindo o que gostam de vestir e saindo da caixa. Vários looks meus trazem estranheza, gosto de brincar com a moda assim."

Malu Borges, 24 anos, do Rio de Janeiro (RJ), tem mais de 1,6 milhão de seguidores e é referência na trend