STF conclui votação sobre medidas protetivas; entenda resultado
Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) discutiram nesta quarta-feira (23) se manteriam ou derrubariam uma lei sancionada em 2019 que permite que delegados ou outras autoridades policiais emitam medidas protetivas de urgência para mulheres vítimas de violência doméstica em cidades que não são sede de comarca —ou seja, que não abrigam um fórum ou outra sede do poder judiciário.
Pela regra, que faz parte da Lei Maria da Penha, as autoridades poderiam afastar o agressor da casa ou do lugar de convivência da vítima. A decisão dos ministros foi unânime para manter a lei como funciona atualmente, seguindo com a autorização a delegados para que concedam as medidas.
O assunto chegou ao STF depois que a ABM (Associação Brasileira de Magistrados) propôs uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) alegando que permitir que delegados e policiais emitam uma medida protetiva levaria a uma "ofensa ao princípio da reserva de jurisdição" —em outras palavras, permite que delegados, que são membros do poder Executivo, exerçam uma função que, segundo a Constituição Federal, caberia apenas ao poder Judiciário, ou seja, aos juízes.
Na votação, o relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, afirmou que não há qualquer quebra do princípio da reserva de jurisdição e elogiou a lei no sentido de ser efetiva para proteger mulheres que possam ter sua integridade física colocada em risco. Além disso, Moraes também afirmou que o número de medidas protetivas concedidas por autoridades policiais ainda é muito menor do que a taxa das concedidas por juízes, mostrando que a regra só é usada em casos de exceção.
Os outros ministros concordaram com Moraes, afirmando que a lei em vigor está de acordo com convenções internacionais em favor dos direitos das mulheres das quais o Brasil é signatário. Luís Roberto Barroso chegou a afirmar que "parece surpreendente o próprio questionamento". "Não dá pra congelar a cena [de agressão contra a mulher] e dizer: 'Espere um pouco que o juiz chega amanhã'", afirmou.
A ministra Rosa Weber classificou a violência doméstica como uma "chaga nacional", que precisa ser combatida com as estratégias possíveis, incluindo a possibilidade de delegados concederem protetivas a vítimas.
Defensoras dos direito das mulheres criticam lei
Apesar de, à primeira vista, a lei parecer um avanço nos direitos das mulheres porque reduz o tempo de espera por uma medida protetiva nessas cidades menores, mesmo grupos que atuam contra a violência doméstica defendiam sua revogação: isso porque, segundo juristas ouvidas por Universa, permitir que o delegado ou policial assine a decisão "bagunça" a estrutura da Lei Maria da Penha e enfraquece a rede de proteção que legislação propõe.
Marina Ruzzi, advogada da Rede Feminista de Juristas, também afirma que há um despreparo de delegados e policiais —inclusive em delegacias especializadas— para atender mulheres vítimas de violência. Segundo ela, com essa lei, se assume que delegados de cidades pequenas, que não têm delegacias e nem varas especializadas, estariam preparados para decidir pela proteção ou não desta mulher, quando muitas vezes não é esse o caso.
Além disso, ela considera a norma vigente uma espécie de "tampão" que, na prática, desvia o foco das políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero. O mesmo percebe a juíza Teresa Cabral, que não vê grande eficácia na lei e acredita que ela "desmonta" toda uma estrutura interdisciplinar criada pela Lei Maria da Penha, o que, no final, prejudica a proteção da vítima.
Se a rede de proteção não está ciente da violência, afirma a juíza, não há como encaminhar a mulher a uma casa de acolhimento ou fiscalizar se o agressor está cumprindo a medida protetiva, por exemplo. "O risco, portanto, é aumentado."
"Se a gente tem que fazer uma opção como sociedade, deveria ser pelo fortalecimento das políticas públicas, das Casas da Mulher Brasileira, do treinamento de profissionais da saúde, psicologia, assistência social que atendem as vítimas. Nossos esforços têm que ser voltados para isso porque só com políticas públicas fortes é possível romper o ciclo da violência".
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