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Trisal é crime? Advogados falam o que diz a lei sobre poliamor

Trisal Diogo, Graziela (carregada nos braços) e Natália - Arquivo Pessoal/Instagram/@vivendoatres_
Trisal Diogo, Graziela (carregada nos braços) e Natália Imagem: Arquivo Pessoal/Instagram/@vivendoatres_

Rute Pina

De Universa, em São Paulo (SP)

24/03/2022 13h26

O poliamor, união de três ou mais pessoas, e a não monogamia têm ganhado cada vez mais espaço e quebram tabus quando o assunto é relacionamento. A união do trisal de Palmas — formado pela advogada Graziela Veras Parrião Lustosa, o empresário Diogo Matheus Simon e a influencer Natalia Bezerra da Silva — fez sucesso nas redes sociais, mas levantou dúvidas: a lei brasileira reconhece o formato de relação? A monogamia para muitos é um princípio que norteia a família brasileira, ainda sob a forte influência de questões de moral e religião. Mas o que há, de fato, de legislação sobre isso?

Universa conversou com advogadas especialistas em direito de família que explicaram que a lei no país não reconhece relações fora da monogamia. "Apesar de não haver proibição legal da constituição de família composta por três ou mais pessoas, a lei até o momento não as reconhece expressamente, muito embora saibamos que existam", afirma a advogada Lize Borges, presidente da comissão de Direito de Família Internacional do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias na Bahia.

O artigo 1.723 do Código Civil reconhece como entidade familiar apenas a união estável entre o homem e a mulher. Em 2011, o STF (Supremo Tribunal Federal) equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis — mas não outros formatos de relação.

Segundo o advogado Saulo Amorim, diretor da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas, alguns cartórios chegaram até registrar uniões estáveis poliamorosas. Mas desde 2018 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu os cartórios de fazer isso. Nada impede, porém, que os trisais possam buscar o reconhecimento da família por meio de ações judiciais no Poder Judiciário.

Para que exista amparo legal aos trisais e relações poliamorosas, o advogado diz que é preciso uma emenda constitucional que revise as normas. "É preciso que o Código Civil seja alterado para que essa compreensão cristã, anacrônica, binária e heteronormativa prevista no texto da lei, que caracteriza e entende família apenas como a união de um homem ou mulher e uma mulher, seja revista. Existe evolução e jurisprudência. É a evolução no critério judicial para extensão de direitos, hoje garantidos as famílias heteronormativas, heteroafetivas monogâmicas e famílias LGBQTIAP+."

Um trisal pode ser denunciado?

Lize Borges afirma que três pessoas que decidem ter um relacionamento não estão cometendo nenhum crime. "Trata-se da escolha individual de cada um", diz. Porém, se uma delas for casada e se envolver com outra pessoa e decidir casar com ela também, pode ser considerado crime. Isso porque ainda existe no país o crime de bigamia, segundo no artigo 235 do Código Penal, com pena de reclusão de dois a seis anos. O texto também proíbe que alguém case com alguém já casado. Essa pessoa pode ter uma pena um a três anos.

"É um crime do nosso Código Penal de 1940. É uma coisa antiga. No direito penal você sempre está tutelando algum direito. Neste caso aqui, a família com o caráter monogâmico, que vem de uma noção histórica, para preservar a transferência de riquezas de privada", analisa a advogada.

No entanto, a advogada Mariana Nery, especializada em Direitos das Mulheres e Gênero, explica que dificilmente essa previsão é aplicada. Segundo ela, esse seria um "crime morto" já que, na opinião da advogada, essa é uma legislação ultrapassada. "É um crime que não devia existir mais, assim como o crime de adultério que há pouco tempo atrás foi revogado."

"Por mais que exista na lei, dificilmente ele é aplicado porque é um crime que o Ministério Público precisa oferecer uma denúncia. Então, alguém tem que notificar esse crime e o MP vai escolher oferecer ou não a denúncia para instaurar uma ação penal contra aquela pessoa."

Em casos de separação ou morte, como fica a divisão de bens?

Trisal Diogo, Graziela (à esquerda da foto) e Natália - Arquivo Pessoal/Instagram/@vivendoatres_ - Arquivo Pessoal/Instagram/@vivendoatres_
Trisal Diogo, Graziela (à esquerda da foto) e Natália estão juntos desde 2020
Imagem: Arquivo Pessoal/Instagram/@vivendoatres_

Casados há 15 anos, Graziela e Diogo decidiram viver o poliamor, desde outubro de 2020, ao se apaixonarem por Natália.

Um caso como este pode ser reconhecido como união estável em caso de divisão de bens, explica Nery. "Mas é complicadíssimo. Vai depender muito do juiz. Não é um direito garantido. A jurisprudência hoje entende que essa pessoa que estava ali como uma união estável e vai ter direito à partilha daqueles bens em, por exemplo, um caso de morte. Mas pode ser muito mais complicado porque mostrar que estava junto ao casal".

O advogado Saulo Amorim, diretor da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas, já defendeu companheiros que pediram o reconhecimento da sua participação numa entidade familiar. "Não há nada em lei no Brasil que garanta que essa pessoa vá ter êxito. Pode ser que o magistrado que assuma o caso tenha uma compreensão mais ampla sobre o conceito de família e entender que, apesar de não ser amparado por lei, ali existe uma família com direitos a serem garantidos", diz o advogado.

Lize Borges também afirma que esta é uma situação bastante complexa, pois como a lei não reconhece a família poliamorista, é possível que prevaleça o matrimônio. "Sugerimos que haja o planejamento prévio de forma contratual dessa união para que o eventual desfazimento possa ser resolvido na esfera cível, já que a terceira pessoa possivelmente não gozará dos direitos inerentes ao reconhecimento familiar."

E os filhos?

A legislação não reconhece inicialmente a maternidade tripla ou paternidade tripla. Mas Saulo Amorim, que também é membro do Observatório Nacional da Adoção, explica que o triplo registro é uma realidade em decorrência da tese da multiparentalidade, inclusive em alguns casos pode ser feita em cartório.

"Existe a possibilidade do reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva que seria o acréscimo àquela paternidade ou maternidade já estabelecida pelas vias biológica ou da adoção. Então, nesse caso, uma criança pode ser registrada por origem biológica e, após o nascimento, ter um terceiro um segundo genitor ou genitora."

Outra via é a adoção unilateral. "É uma adoção que também não precisa desfazer os vínculos originais. A pessoa opta por adotar aquela aquela criança ou adolescente com a concordância dos genitores."