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Escola militar na BA barra aluna de 13 anos por causa de cabelo 'inchado'

Colégio afirmou que garota não seguiu regras; mãe aponta racismo - Getty Images
Colégio afirmou que garota não seguiu regras; mãe aponta racismo Imagem: Getty Images

Ed Rodrigues

Colaboração para Universa, de Recife

28/03/2022 17h10

Uma estudante da rede pública denunciou um caso racismo no Colégio Municipal Dr. João Paim, em São Sebastião do Passé, na Grande Salvador. Eloah Tavares, 13, conta que foi impedida de entrar para a sua aula por causa do cabelo. A adolescente é negra e tem fios crespos, que mesmo presos, como determinam as regras da unidade de ensino, foram motivo para ser barrada por funcionários do local.

A escola foi militarizada após um convênio entre a prefeitura da cidade e a Polícia Militar baiana. Depois desse acordo, novas regras disciplinares passaram a valer, entre elas normas de aparência. Sem ter sua entrada permitida, a adolescente retornou para casa aos prantos e contou todo o constrangimento para a mãe, a vigilante Jaciara Tavares. A Universa, Jaciara disse estar revoltada e afirmou que já denunciou o caso à Polícia Civil.

"No dia 21 de março, ela foi à escola com um coque. Um instrutor mandou ela voltar para casa. A colega dela ainda tentou arrumar o cabelo da minha filha, mas homem disse estava 'inchado' e que não adiantava", contou Jaciara.

"Ela então voltou para casa e me disse que foi barrada na escola porque não estava seguindo as regras, que a aparência estava inadequada para frequentar o lugar. Disseram ainda que, se ela estivesse tendo dificuldade para se adequar às regras, era para me pedir para procurar outra escola, onde pudesse 'usar tranças, cabelo solto, cabelo preso, liso, duro, da forma que ela quiser'.

Diante do desespero da filha e revoltada com toda abordagem do policial reformado, a vigilante pediu dispensa no trabalho e se dirigiu à unidade de ensino para entender o que havia ocorrido. No entanto, de acordo com ela, o instrutor não se intimidou.

"Ele usou comigo o mesmo tom que usou com ela. Falou que se fosse o caso, era para alisar o cabelo dela. Como é que pode uma criança ser mandada para casa por causa do cabelo? É triste a gente ver o negro falando assim, principalmente para uma menina de 13 anos, que está mudando na adolescência, cheia de outros dilemas", acrescentou.

A mãe de Eloah procurou a direção da escola e ouviu que "regras são regras". Ela disse que solicitou o nome do instrutor à direção do colégio para poder fazer uma denúncia de racismo, mas não foi atendida.

Eloah e a mãe, Jaciara Tavares: direção do colégio disse que garota teria que "seguir regras" - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Eloah e a mãe, Jaciara Tavares: direção do colégio disse que garota teria que "seguir regras"
Imagem: Arquivo pessoal

Revoltada, ela detalhou o caso na internet. Após o desabafo, recebeu apoio de outras mães, que, segundo ela, revelaram que suas filhas também passaram por agressão semelhante.

"Muitas mães me disseram a mesma coisa. A gente tem que esconder a nossa afrodescendência para participar do colégio. Que absurdo é esse?", questionou Jaciara.

Universa conversou com outras duas mães de alunos do Colégio Municipal Dr. Paim, que confirmaram a versão da denunciante e que também vivenciaram a intolerância. Temendo represálias contra as filhas, as mães pediram para não ter as identidades reveladas.

"Minha filha tem um cabelo afro. Não dava para chegar os quatro dedos em cima da nuca, como o colégio exige, mesmo assim ela tentou ir com o cabelo no padrão. Ficou volumoso e um pouco bagunçado por causa do tamanho. Barraram ela no portão. Falaram que era deveria consertar. Ela fez isso. Mas os instrutores falaram que não tinha jeito. No dia seguinte, agiram da mesma maneira, e ela não entrou. Mandaram ela procurar outras redes de estudo", denunciou a mãe de uma aluna de 14 anos.

A vigilante Jaciara Tavares levou o caso até a delegacia da cidade e denunciou o colégio por discriminação racial. Universa procurou a Polícia Civil baiana, que em nota, a corporação reconheceu a abertura de um inquérito e informou que dará início aos depoimentos de testemunhas.

O Colégio Municipal Dr. João Paim foi procurado pela reportagem por telefone, mas não houve resposta em nenhum dos números disponíveis. A Prefeitura de São Sebastião do Passé também foi questionada sobre o caso. Em nota, o órgão afirmou que "ao matricular seus filhos na escola conveniada com a Polícia Militar, os pais e/ou responsáveis são orientados sobre as normas disciplinares da instituição".

"Antes do começo do ano letivo, eles participam de reuniões com a direção e coordenação disciplinar do colégio, onde são orientados sobre as normas da instituição, recebem cartilhas e cópias do regimento interno", afirmou a prefeitura, sem responder, porém, se abriria uma investigação em relação à denúncia de racismo.

A gestão municipal ainda acrescentou que a "escola segue o regimento padrão do Ensino Militar para todas as escolas conveniadas no estado da Bahia, que inclui regras disciplinares e normas sobre vestimentas, penteados, cortes de cabelo, fardamento, uso de calçados e outros itens".

Sobre o constrangimento denunciando pela estudante do ensino fundamental, a Prefeitura de São Sebastião do Passé se limitou a dizer que "a aluna e seu responsável já são conhecedores de todas as normas vigentes na escola" e que "a estudante foi orientada por três dias consecutivos sobre o penteado e lhe foi dado um prazo para que os ajustes fossem realizados".

Já a Polícia Militar da Bahia explicou que o "colégio passou a ter uma direção compartilhada entre o diretor escolar, encarregado das questões administrativas e pedagógicas, e o diretor disciplinar, que é um policial militar da reserva que se responsabiliza pela parte disciplinar dos alunos".

Em nota, a PM informou que "manteve contato com a mãe da aluna que se dirigiu até a sede do pelotão, na última terça-feira (22), onde foi ouvida, e o oficial da PM se colocou à disposição [para ajudá-la]". A corporação reiterou "que repudia qualquer tipo de comportamento racista ou discriminatório".