'Não duvide da criança', diz mãe que denunciou estupro de filho de 11 anos
Há seis meses, a fotógrafa Daniele*, 39, vive o que chama de "pesadelo": depois que seu filho Pedro*, 11, voltou de uma viagem de dois dias com a família do pai, a criança revelou, aos prantos, ter sido vítima de estupro, praticado pelo tio. E não havia sido a primeira vez: ele já havia sido estuprado um ano antes, mas decidiu não contar à mãe por medo.
"Foi muito chocante, principalmente, saber que meu filho vinha guardando isso há um ano. Ele estava muito nervoso quando me contou e, desde então, foram dias de completo terror. Temos vivido o pior momento das nossas vidas", conta em entrevista a Universa, dias depois que ela levou seu relato às redes sociais. "Fiz essa publicação para ajudar outras mães porque esse, infelizmente, é um drama coletivo".
No Brasil, 45 mil crianças e adolescentes são vítimas de violência sexual todos os anos, de acordo com uma pesquisa divulgada pela Unicef e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em outubro de 2021. Pela lei brasileira, quando a vítima tem menos de 14 anos, o crime é o de estupro de vulnerável, com pena de oito a 15 anos de prisão, maior do que no caso de estupro simples.
A maioria destes crimes é cometido por pessoas da família ou muito próximas do convívio familiar, como aconteceu com Pedro, filho de Daniele: ele disse ter sido estuprado pelo tio —marido da irmã do pai—, um administrador de empresas de 42 anos, durante a viagem em família. O caso ocorreu em setembro de 2021.
Além de formalizar a denúncia, Daniele tenta, agora, alertar outras mães para que ouçam e acolham seus filhos. Em uma publicação feita em 17 de março, ela relata ter tido "sua alma cortada com uma navalha afiada" ao ouvir o relato do menino; dias depois, em outra publicação, usou uma hashtag para reforçar a importância de acreditar nas crianças.
"Quando levei o caso para as redes sociais, foi para alcançar cada mãe e dizer que a gente precisa sempre acolher, nunca colocar a palavra da criança em dúvida", diz.
"Não desejo para outras famílias o que estamos vivendo: tristeza, revolta, como se a gente morresse por dentro. Se eu pudesse, iria até cada mãe e diria: 'Acredite no seu filho'".
"Por medo, ele só queria me contar aos 18 anos"
Segundo a mãe, o filho foi, a passeio, para uma praia próxima a Fortaleza. "O abusador levou meu filho para um banho de mar na praia e, depois, de volta ao condomínio onde estavam hospedados, foram para a piscina, onde aconteceu o estupro", relata. Quando ele voltou para casa, percebi que estava com um comportamento diferente, mais introspectivo. Até que, antes de dormir, ele me contou o que aconteceu".
Além de relatar a violência que aconteceu naquele final de semana, Pedro disse que o mesmo ocorreu um ano antes, durante uma reunião de família na casa do mesmo tio.
"Meu filho se sentiu mal, então deram uma medicação e levaram ele para descansar no quarto das crianças. Foi quando o abusador estuprou meu filho e, depois, saiu do quarto como se nada tivesse feito", conta.
Daniele perguntou ao filho por que ele não contou o que aconteceu da primeira vez. "Ele disse que só me contaria [sobre os dois estupros] quando tivesse 18 anos porque, na cabeça dele, teria mais maturidade e mais força para denunciar, se livrar daquela situação. Mas não conseguiu aguentar e finalmente me contou, para pedir ajuda. Por ele e pelos primos, porque o abusador tem filhos pequenos".
"O estuprador é uma pessoa que tem a confiança da família, dos amigos, um profissional reconhecido na área. Meu filho é só uma criança de 11 anos. Sentiu medo", afirma a mãe.
Ela conta a Universa que sempre conversou com o filho sobre abuso sexual e consentimento, mas sempre com uma linguagem adequada para a faixa etária do menino. Para ela, a educação sexual que ele recebeu foi fundamental para que entendesse que tinha sido vítima de um crime.
"Ele sempre foi alertado sobre esses possíveis perigos, especialmente a respeito de abuso sexual. Acredito que essa nossa preocupação em orientá-lo sobre esses temas fez com que ele se fortalecesse, confiasse na gente [nos pais] e buscasse acolhimento. Ainda assim, ele ainda guardou segredo por um ano", fala a mãe.
Imediatamente depois da revelação,Daniele, o pai e a madrasta de Pedro se mobilizaram para acolher o menino e buscar atendimento.
"Nesse primeiro momento, procuramos buscar socorro. Recorremos à psicóloga que já acompanhava ele, tentamos nos munir dos meios necessários para proteger ele dessa tensão, para que os danos fossem os menores possíveis. Estamos tentando, aos poucos, reconstruir a história dele, da nossa família, que foi atravessada por tanta violência".
Procurado por Universa, o advogado de defesa de do homem denunciado afirmou, em nota, que as partes, incluindo ele, não podem se manifestar porque o processo corre em segredo de Justiça.
"Pediram que a gente não denunciasse"
Além de acolher e proteger Pedro, os pais decidiram levar a denúncia do menino à Justiça, mas não sem resistência de parte da família, que tentou impedir que o caso fosse adiante, conta Daniele
"Tentamos comunicar a família do estuprador, conversar com a esposa dele e com os pais, que são os avós paternos do meu filho. Mas quando eles souberam, pediram que a gente não levasse o caso adiante".
"Disseram que não precisava dessa mobilização toda, que o Pedro esqueceria de tudo. Isso doeu muito na gente. Além de ter sido vítima de dois crimes graves, meu filho sofreu essa violência por parte dos avós", fala. "Pediram que a gente silenciasse para não expor a família, mas não pensaram na dor do meu filho, na nossa dor."
Na Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente de Fortaleza, os pais registraram um boletim de ocorrência por estupro de vulnerável denunciando como autor o tio do garoto.
O homem trabalha na área de gestão de risco da Unimed Fortaleza, mas foi desligado imediatamente após a denúncia, como informou a empresa, nas redes sociais.
Após a denúncia, ele foi indiciado por estupro de vulnerável pelas agressões contra Pedro e contra um adolescente de 15 anos, denúncia feita em 2015 e que também faz parte do inquérito. O Ministério Público chegou a pedir a prisão preventiva, mas a Justiça não acatou o pedido, e ele segue solto. Agora, todos aguardam a audiência de instrução e julgamento, quando todas as partes serão ouvidas por um juiz.
"A gente acredita no Pedro", diz a mãe. "E, quando a gente acredita nele, acredita também nas outras crianças que sofreram abusos mas que não tiveram oportunidade de serem ouvidas."
*O nome da criança e da mãe foram alterados e do denunciado suprimido para proteger a identidade da vítima, por se tratar de menor de idade.
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