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Mães brasileiras se unem para ajudar suas barrigas de aluguel na Ucrânia

Maria e o filho dela, Igor, surrogate de Ludimila. Ela está segurando Rafael, segundo filho que gestou para Ludimila (de vermelho), na Ucrânia. (Ludmila pegou Rafael em janeiro) - arquivo pessoal
Maria e o filho dela, Igor, surrogate de Ludimila. Ela está segurando Rafael, segundo filho que gestou para Ludimila (de vermelho), na Ucrânia. (Ludmila pegou Rafael em janeiro) Imagem: arquivo pessoal

Marcela de Genaro

Colaboração para Universa

01/04/2022 04h00

"Os tanques estão atirando na cidade. Eu realmente quero acreditar que vamos ficar vivos. Ai meu Deus, que medo". Essas foram as frases que Iryna Dubova, 34, que vive em Slavutych, cidade ao lado da Usina Nuclear de Chernobyl, próximo à divisa com Belarus, na Ucrânia, enviou para Rose Pinheiro Teles, 46, em São Paulo, enquanto Universa conversava com a brasileira sobre o contato que ela mantinha com a ucraniana, que foi barriga de aluguel de sua filha Clarissa, hoje com 4 anos.

Rose e mais seis mães brasileiras que contaram com surrogates (barrigas de aluguel) ucranianas se uniram no fim de fevereiro, logo quando começou o conflito com a Rússia, para prestar algum tipo de apoio às mulheres que possibilitaram que hoje elas estivessem com os filhos em seus braços.

Iryna tem um filho de 10 anos e seu marido é militar. Ela vive a insegurança de não saber se ele voltará. A ucraniana não pode sair de casa para comprar alimentos com ajuda financeira enviada pela brasileira, pois há risco de violência sexual. Mesmo que não houvesse este risco, difícil seria encontrar algo que não tenha sido destruído em Slavutych. De acordo com Rose, não há farmácias ou mercados em pé. Iryna depende da chegada de ajuda humanitária para ela e o filho se alimentarem.

Grupo de brasileiras tenta ajudar à distância

Rose e a filha Clarissa em Leleca, Ucrânia. Quatro anos depois, ela seguem em contato com sua barriga de aluguel - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rose e a filha Clarissa recém-nascida no hospital em Leleca, Ucrânia. Quatro anos depois, ela segue em contato com sua barriga de aluguel
Imagem: Arquivo pessoal

Há exatos quatro anos, Rose estava em Kiev segurando sua filha nos braços pela primeira vez. Ela não pôde ter contato com sua surrogate naquele momento. "Mesmo sem conhecê-la, sempre tive uma enorme gratidão por ela. Quando começou a guerra, passei a procurá-la com meus próprios recursos, mas ela não tem rede social", lembra.

Suas buscas a levaram ao perfil de outra brasileira, Ludimila Lins, que gerou seus dois filhos com outra surrogate na Ucrânia. Rose comentou em uma das postagens de Ludimila sobre o assunto e a outra mãe a convidou a entrar para um grupo de mulheres que estavam à procura ou já tinham encontrado as surrogates ucranianas para saber como estavam e prestar algum tipo de ajuda. "Conseguimos achar a Iryna após 10 dias, também com ajuda da empresa que fez o nosso processo de barriga de aluguel"

Rose sentiu que Iryna ficou feliz em conhecê-la, mesmo em meio ao cenário de horror. A brasileira conseguiu enviar uma remessa de valor para tentar ajudá-la e mantem contato diário com ela. É na conversa que Iryna compartilha com Rose os dias em que foi para a fila da farinha ou do ovo, teve dias que conseguiu e outros não, que correu até sua casa para pegar água e mingau e depois voltou ao porão de uma aldeia para se proteger.

"Estou solidária a ela, mas é muito complicado. Conversamos no último fim de semana e choramos muito. A cidade dela foi invadida no sábado (26) e ela me enviou fotos dos soldados vistos de sua janela. Eu fico deprimida quando falo com ela, pois tenho a sensação de impotência".

Quem ajudou Rose a encontrar Iryna foi Maria, 34, ucraniana barriga de aluguel de Ludimila Lins. A surrogate se uniu às brasileiras na corrente de ajuda em meio à guerra. Paulistana de 38 anos, a brasileira passou por difíceis e doloridos tratamentos por 4 anos, fez 5 fertilizações e teve 2 abortos espontâneos até decidir contratar uma surrogate. Em janeiro ela esteve na Ucrânia para receber em seus braços Rafael, seu segundo filho gestado pela mesma ucraniana. A primeira gestação foi de Maria Fernanda, que tem dois anos e nove meses.

Maria, grávida de Rafael, ao lado de Ludimila - brasileira esteve na Ucrânia em março para buscar o filho - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Maria, grávida de Rafael, ao lado de Ludimila - brasileira esteve na Ucrânia em março para buscar o filho
Imagem: arquivo pessoal

"Tenho contato com a minha surrogate desde a minha primeira filha, porque eu assisti ao parto. Na segunda gestação estive em contato o tempo todo com ela e, quando anunciaram o início da guerra, passamos a nos falar todos os dias para saber como ela está, como está a cidade em que ela vive, Horishni Plavni, no centro da Ucrânia, que ainda não foi bombardeada. As sirenes tocam às vezes", conta Ludimila.

Enquanto Universa conversava com Ludimila, o cenário mudou. Maria, que é mãe de Igor, 15, e está com o filho e o marido, que acabara de voltar da convocação para guerra, há uma semana, entrou em contato com a brasileira:

"Boa tarde, Ludimila. Eu só queria dizer que estamos bem. Agora a sirene do ataque aéreo está tocando. Estamos sentados no banheiro. Estaremos separados da rua por duas paredes. De acordo com as regras, isso é suficiente se uma bomba cair manter todos vivos. Vivemos em um prédio de 9 andares, no 1º andar. A sirene está tocando todas as noites e dias. O porão, como mostra a prática, não é o melhor lugar. Muitos estão cheios de escombros em casa. As tropas podem chegar a qualquer momento". Ludimila recebeu a mensagem com tristeza. Ela só desejava que tudo acabasse logo e Maria pudesse voltar à vida normal.

"Em nossas conversas ela relata que tem dias que não tem comida"

Daniela com o filho, Francisco, então com 5 dias, na Ucrânia - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Daniela com o filho, Francisco, então com 5 dias, na Ucrânia
Imagem: arquivo pessoal

Daniela Sato, de Viçosa (MG), 44, mãe parte do grupo que apoia as mulheres que gestaram os filhos das brasileiras na Ucrânia, levou 12 anos até conseguir realizar o propósito de vida de ser mãe.

"Meu filho Francisco nasceu em agosto de 2018, lindo, forte, muito tranquilo e saudável. Eu e meu marido conhecemos a nossa surrogate, Vita, 30, durante uma reunião na clínica, na Ucrânia, após pedirmos para a empresa que tornou a gestação possível. Queríamos agradecê-la, dar um abraço e levar meu filho para ela conhecer. Esse encontro foi muito emocionante. Lembro que choramos muito quando nos abraçamos. Eu perguntei se a Vita queria segurar meu filho, ela me olhou e perguntou se poderia; eu disse: claro. Eu não me aguentei e chorei muito e ainda choro e me emociono quando me lembro. Foi um encontro muito lindo.

Depois do encontro, Daniela passou seu perfil no Facebook para Vita. Elas não tiveram mais contato, até Vita enviar uma mensagem de parabéns quando Francisco completou dois anos. Ainda assim, não adicionaram o perfil uma da outra.

Com a guerra, Daniela passou a buscar Vita e a achou na rede social. Mandou mensagem, mas não teve retorno por seis dias. "Olá, Dani. Nós temos uma guerra... eles bombardeiam todos os dias... nos escondemos. Francisco, olá, eu lembro e te amo", escreveu Vita em 2 de março.

A resposta de Vita, mãe de dois filhos, de 5 e 10 anos, que mora na região de Chernihiv, na fronteira da Rússia e Belarus, arrasada pela guerra, trouxe um choro de alívio para Daniela. Desde então elas têm contato diário, contando que haja eletricidade. A brasileira ofereceu auxílio financeiro e também abrigo caso ela quisesse vir ao Brasil, mas a ucraniana não tem como deixar sua cidade.

"Em nossas conversas ela relata que tem dias que não tem comida, pois não tem onde comprar e a ajuda humanitária não chega, já que o acesso à cidade está difícil; não tem água e nem energia. Eu fico aqui aflita de ver ela nessa situação... A sensação de impotência e não poder fazer mais é muito grande", compartilha Sato.

Daniela acompanha as notícias do conflito e descobriu que a maternidade onde Francisco nasceu foi bombardeada. Ela não sabe se perdeu seus embriões que ficaram na Ucrânia.

E ajuda dela, infelizmente, não pode mudar a situação de Vita: "Não preciso de dinheiro; eu tenho que você me deu, obrigado. Eu só queria uma coisa para cobrir o céu", diz uma mensagem da surrogate, imaginando a possibilidade de ter um escudo para proteger sua cidade de possíveis ataques.

Apenas uma entre as quatro surrogates encontradas pelas brasileiras conseguiu sair da Ucrânia. Lyubov Syshchenko, de 34 anos, gestou Maria Eduarda, filha de Rosana Minari, 50, de Guarulhos (SP). Ela morava em Lviv, região de Cherkasy, e agora está em Gdynia (Tczew), na Polônia, com suas filhas de 8 e 12 anos. O marido de Lyubov ficou para defender a Ucrânia.

Através da gestação de aluguel, Rosana conseguiu realizar seu desejo após 14 anos. Maria Eduarda nasceu com 34 semanas de gestação em setembro de 2017. Ela conta que agora se sente junto à sua surrogate: "Um reencontro que nos uniu, um novo ciclo. Estamos juntas, nós oferecemos e estamos ajudando ela e as filhas, que conseguiram sair do país. O esposo ficou para defender Ucrânia", explica Rosana.

A paulista também ofereceu ajuda para pagar o aluguel de uma casa na Polônia. A surrogate aceitou: "Obrigada pelo o que fazem por mim e pela Ucrânia. Assim que eu conseguir serviço, vou devolver tudo o que doaram", respondeu Lyubov. As mães também ofereceram auxílio caso as surrogates queiram e possam vir para o Brasil: "O nosso grupo está pronto para ajudar de todas as formas possíveis", afirma Ludimila Lins.