Fafá de Belém: 'Tesão não acaba com a idade. Eu quero é perder o fôlego!'
"Eu nunca soube a minha idade direito", brinca a cantora Fafá de Belém ao justificar por que não se apega a rótulos ou padrões etários. Os números só vêm à tona quando o motivo é celebrar, como agora, com a proximidade da comemoração dos 50 anos de carreira, em 2024. A paraense de 65 anos está bem cheia de vida e planos. Morando entre Portugal e o Brasil, ela topou o convite para ser jurada da nova temporada de The Voice +, programa de talentos da TV Globo para artistas acima dos 60 anos que chega ao final da temporada neste domingo (3). "Quero chegar aos 90 como a Marcília, com a voz e a dignidade dela", ressalta, citando uma participante do reality.
Não só o espaço artístico é importante, como é a oportunidade de Fafá engrossar o coro de uma luta pessoal relevante: contra o etarismo. Foi na pandemia que ela se atentou mais aos sinais de discriminação com sua idade, especialmente na área profissional, quando os patrocinadores pareciam não ter interesse em bancar lives de ninguém da sua geração. "Tem marcas que nos querem no portfólio, mas não tratar de verdade da questão". Seja na carreira, na imagem - ela exalta lindas cabelos brancos - ou nos relacionamentos, Fafá dá um chega pra lá e qualquer clichê de envelhecimento. "Tesão não acaba, assim como a vontade de ficar junto, o desejo, o arrepio...", fala, soltando em seguida sua tradição risada.
Com 15 milhões de discos vendidos, Fafá é embaixadora da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) na região amazônica, por ações contra a exploração e prostituição de crianças e adolescentes, e também da Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. Além disso, é realizadora da Varanda do Círio de Nazaré, a maior romaria católica do planeta, mostrando que a relevância de suas iniciativas só cresce com o passar dos anos e que ela ainda tem muito o que falar e fazer. Leia a entrevista a seguir:
UNIVERSA Você sempre engrossou discursos com os quais se identifica, sem medo da exposição pública. Recentemente, passou a falar de etarismo. O que te incentivou?
FAFÁ DE BELÉM A pandemia foi muito importante para isso. Eu queria fazer a minha primeira live e não tinha nenhum patrocinador. Fui batendo de porta em porta e todo mundo estava despejando dinheiro nos mais novos, em quem tem 18, 20 anos. Muito se fala sobre abraçar essa luta, mas, quando vemos, é só para nos ter no portfólio, não existe a vontade de fazer uma mudança real.
A luta contra o etarismo deve ser transversal. Para o mais velho, ela mostra o valor, incentiva a entender que ele ou ela podem, sim, fazer o que quiserem. Para o mais novo, mostra que ele vai chegar nessa idade. Eu falo que vivemos um novo movimento no mundo. Os 60 são os novos 20 (risos).
Você já tinha sofrido esse preconceito em outros ambientes ou situações antes?
A partir dos 50, vão vestindo uma capa de invisibilidade na gente. O ator ou artista escapa mais disso; para a atriz, não tem jeito. A minha sorte é que eu nunca nem soube a minha idade direito, quem dirá a dos outros. Hoje em dia, tem tantos recursos: vitaminas e tratamentos para manter a saúde.
A minha geração tem muita disposição, inquieta, nós já fizemos de tudo. Queimamos sutiã, libertamos as mulheres e até hoje lutamos por espaço. Só que tem uma questão delicada sobre o envelhecimento: uma coisa é você manter sua alegria, outra é virar palhaço, vítima de gracinha. Para ter dignidade, você precisa fazer parte do todo, estar inserida. É complexo lutar contra isso, mas tem uma frase que a Anitta fala agora e que eu sempre disse: o impossível, para mim, não existe. Minha meta é sempre me superar.
E pra namorar e transar aos 50+, o que muda?
Vai ficando mais complexo do ponto de vista dos hormônios, claro. Mas aí recomendo procurar um especialista que deixe tudo do jeito que a gente gosta. Tesão não acaba, assim como a vontade de ficar junto, o desejo, o arrepio... Por exemplo, a primeira vez que vi o Domingos Montagner (1962 - 2016) na TV me deu um calorão! Quase morri, Meu Deus! E agora em Pantanal, acontece o mesmo quando vejo o Renato Góes, o Irandhir Santos.
São homens de carne e osso, tem brilho no olho, é humano. Não fica ali se preocupando com tanquinho, fazendo harmonização facial. Hoje tá todo mundo com a mesma cara. O tesão, a vida, esse fogo interior é mais forte do que qualquer bonitinho com cabelo da moda, ajeitadinho por personal stylist. Eu quero é perder o fôlego!
E onde você costuma encontrar esses homens que fazem você perder o fôlego? Já experimentou as redes sociais de namoro, os aplicativos?
Namorar por computador, para mim, não dá! Eu nem sei como entra em Tinder, Facebook, desaprendi a mexer no Twitter. A última rede que eu dominava era o Orkut! Eu falo pouco sobre meus namorados, mas titia tá ok! A descoberta do outro pode acontecer em qualquer lugar - menos na internet, aí eu não consigo entender.
Eu preciso saber do ar que a pessoa respira, do olhar, do calor das mãos que me tocam. Mas também nunca fui de ir em barzinho da moda, balada. Eu gosto mesmo é de viajar sozinha, especialmente para lugares em que ninguém me reconhece. Sempre fui essa pessoa mais reclusa da confusão.
Você sempre teve uma boa autoestima e relação com seu corpo?
Eu nunca fui magra. Sempre tive meu jeito de ser e a minha família, interessantemente, fortaleceu isso. Eles entenderam que eu não era nem seria previsível.
Quando eu cheguei em São Paulo, um produtor me pediu para perder 10 quilos. Eu respondi na hora que não faria aquilo. Eu tinha sido tirada da minha família e sido trazida para cá pra cantar. Eu podia só ir embora. 'Não preciso de você', falei. Saí andando com meu cocar, num mau humor. O homem ficou em choque, incrédulo. Mas aí passou a me respeitar, não me pediu mais isso. Eu não conseguiria ser de outro jeito, minha prioridade sempre foi estar bem.
O decote me ajudou muito, foi uma espécie de emancipação, um grito de liberdade. Eu já tive épocas de ficar descalça, de salto, descalça de novo, mas o decote nunca foi embora. Eu tive a ideia de usar o decote depois de ver um filme da Sophia Loren. Ela aparecia maravilhosa na tela e eu pensei: 'Opa, eu também posso'.
Devia ter uns 12 anos. Fui até a minha mãe, que era uma costureira maravilhosa e mostrei o que eu queria. Ela me falou: 'Isso é um espartilho e vai cair muito bem em você, porque você tem peito, cintura'. Ela era boa nisso de identificar o que era melhor para cada corpo e não tinha papas na língua. 'Você está gorda, tem que usar roupas mais fluidas', ela me falava. Sei que parece cruel, mas também me dava liberdade de usar saião e tudo que me deixava feliz.
Aí ela olhava para mim e falava: 'Tais uma mulher brasileira, nasceste aqui'. Isso era um baita incentivo para mim, assim como é ouvir, até hoje, que eu ajudei outra mulher a exaltar a beleza do corpo dela, a parar de esconder os peitos. Nós somos cada uma de um jeito, eu sempre fui grandona. Não tem corpo certo ou errado.
Como foi o processo de deixar o cabelo branco? Mudou a relação das pessoas com a sua imagem?
Há uns 5 anos, eu comecei a ver as mulheres deixando de pintar o cabelo e quis copiar. Meu cabelo me dava trabalho, eu tinha que pintar a cada sete dias. Se precisasse viajar, levava a tinta. Era horrível. Quando eu tinha uns 60 anos, falei para a minha cabeleireira que ia parar de pintar e ela não deixou, falou que ia me envelhecer. A pandemia foi quem consolidou a minha vontade. Eu já estava em casa mesmo. E ainda teve o incentivo do papel da Mãe Lua, no filme "Pai em Dobro", da Netflix. Eu fiz uma xamã e aí eles queriam botar uma peruca. Aproveitei a oportunidade.
Meu cabelo está mais forte e volumoso, cresceu muito mais. Lindo! Isso manda uma mensagem para outras mulheres. Faz pensar: você pinta o cabelo para agradar a quem? Por quem você se enche de química? Se for por você, se você não se sente bem com os fios brancos, ok, siga pintando. Nada deve ser uma imposição, mas que o branco é mais prático de cuidar e muito mais confortável, isso é.
Já providenciais até apliques, rabos de cavalo brancos para quando quero mudar o visual. Beleza, para mim, é coisa que atravessa os rios, não tem receita. Tem mulher mais linda do que a Maria Bethânia, a Dira Paes? E a Jada Pinkett-Smith? Belíssima. Agora, a Nicole Kidman segue uma ótima atriz, mas está sem expressão. Repito: as pessoas estão ficando todas iguais. Hoje vi uma foto de uma colega e era outra, mas não posso contar quem era (risos)!
O que você diria para outras mulheres lidando com o etarismo?
Eu gosto muito de me reinventar e de desafios que me deixem imobilizada. Há algum tempo, fui convidada para ser madrinha de um grupo chamado Geração 60+, de Pernambuco, que hoje é uma iniciativa que abraça muitas pessoas dessa idade. Eles me chamaram por causa do meu álbum Do Tamanho do Meu Sorriso (2015), onde eu dizia que tinha me reinventado aos 60.
Esse grupo é de amigos desde a faculdade que foram se acompanhando durante as fases da vida? Quando se casaram, tiveram filhos, nos encontros depois do trabalho. Eles tomavam drinques, viajavam juntos. E aí, com os anos, algumas pessoas foram sumindo da roda, não iam mais jogar carteado. Então, uma das mulheres participantes ligou para convidar para uma excursão para o Atacama, e ouviu a seguinte resposta: 'Ai, não sei se eu consigo, porque eu tenho que cuidar dos meus netos'. Como assim?
Neto é uma alegria, mas tem que ser um prazer, não obrigação. E aí os filhos tem que ter noção, né. Pessoas com 60 anos têm vidas, sonhos, metas, amigos, planos. Não é porque você fez 60 que a vida acabou e pronto, agora você é babá de neto. Se o seu filho jogou para você essa responsabilidade, saiba que é um baita egoísmo.
Fafá, você já recebeu o apelido carinhoso de Musa das Diretas, quando virou ativista pela defesa da democracia, na década de 1980. Hoje, na situação política que vivemos, com ameaças constantes à democracia, como você se posiciona?
Nos últimos 20 e poucos anos, eu me recolhi muito. Ter sido tão ativa, ter estado presente, me exposto, tomado porrada, me rendeu perseguições e ninguém me deu nenhum apoio. Aliás, até tive algumas oportunidades cortadas. Fui tratada de forma maldosa, desrespeitosa e pessoas da classe artística ou da política não fizeram nada. Fiquei em choque quando fui assistir um documentário sobre as Diretas Já no Canal Brasil e borraram meu rosto. Falaram os nomes de todo mundo menos o meu. Aprendi que, às vezes, a gente precisa dar dois passos para trás e fazer militância na boca pequena.
O que eu defendo com unhas e dentes é a democracia, mas política partidária não faço mais. Tem muita gente querendo fazer, então deixa que façam. Se, em algum momento, eu achar que tenho coisas profundas e pertinentes para falar, entro de novo nessa seara. O Brasil é maior do que tudo isso. Ideologias de esquerda e direita são apenas bases para conversa, elas não podem tender ao extremismo.
O verdadeiro dono do Brasil é o povo e em seu nome o poder deve ser exercido. O governo é para cuidar do povo. Autoritarismo, palavras de ordem, ilusionismos, negacionistas não cabem no Brasil.
Uma das suas lutas mais antigas é pela preservação da Amazônia e pelos direitos dos povos ribeirinhos. Essa situação piorou nos últimos anos. O que temos que fazer para uma mudança real?
Não foram só nos últimos anos. É uma situação difícil para as comunidades da Amazônia desde que elas existem. A Amazônia vem sendo devastada, roubada pela biopirataria desde sempre. Eu me lembro que meu pai tinha um livro de um alemão, escrito em 1910, que já descrevia árvores da nossa floresta que serviam para curar doenças. Somos imensos, gigantescos.
Só que a Amazônia é uma bandeira fácil de levantar, indígena dá ibope. Agora, olhar para a realidade desses povos ninguém quer. O mercúrio polui as águas amazônicas há muito tempo. Ele é despejado ali em governos de esquerda, direita, centro? Não existe política séria de preservação, de educação do povo. A vontade de salvar a Amazônia não pode depender de publicidade, de mostrar seu trabalho para os outros.
Mas a ancestralidade dos povos ribeirinhos está no rio. É naquela água que eles se banham, que usam para cozinhar, beber. Até hoje, a única pessoa que vi fazer isso foi Don Orani Tempesta, arcebispo de Belém, que se uniu à Cáritas e a um grupo evangélico para ensinar a captar água das chuvas e usá-la em vez da água contaminada de mercúrio.
Por que você se interessou pelo convite para ser técnica no The Voice +?
A música era muito diferente para a minha geração, não sei isso mudou por estratégia das gravadoras. Quando vi esse modelo do "The Voice +", achei interessante porque resgatava o repertório de grandes autores brasileiros, dos tempos áureos, e também permitia que os artistas com mais de 60 anos se colocassem ali. Eu fiz promessa para as minhas três amiguinhas, Cidinha, Fatinha e Nazinha, me ajudarem a entrar - Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora de Nazaré. Achei muito corajoso ver ali cantores que tiveram a carreira abreviada por diversos motivos, como a Claudya, o Dudu França e o próprio Zé Alexanddre, que acabou ganhando a temporada passada. É lindo ver que eles estão dando as caras ali com vontade de recomeçar.
Eu acredito que o ser humano só para quando não tem forças para continuar e, muitas vezes, as forças são desgastadas pela sociedade, igreja, família, pelo preconceito. Meu sonho é chegar na idade da Marcília Pinheiro, que vai fazer 90 anos, com aquela voz, a segurança, a dignidade. Ela é o meu futuro. É um programa que quem está no palco tem mais a ensinar para a sociedade do que os técnicos.
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