Lygia Fagundes Telles: 4 lições da obra da dama da literatura às mulheres
Da escrita às reflexões, a obra de Lygia Fagundes Telles é completamente marcada pelo feminino. A autora, que morreu hoje, aos 98 anos, de causas naturais, abordou com profundidade temas como o divórcio, a liberdade sexual, o aborto e o envelhecimento.
Eu já era feminista em um tempo em que sequer se sabia o que era feminismo.
Suas personagens femininas, a maioria inseridas em um contexto de uma classe média e urbana, revelam as angústias de viver em um ambiente machista, preconceituoso e excludente —e mostra como as mulheres, numa sociedade de aparências, têm questões bem mais profundas.
Nascida em São Paulo, Lygia foi a terceira mulher a ingressar na ABL (Academia Brasileira de Letras), em 1985, e já recebeu prêmios importantes, como o Camões e Jabuti. Em 2016, a autora foi indicada ao Nobel de Literatura. Formou-se em direito na faculdade de direito do Largo São Francisco, da USP (Universidade de São Paulo), onde era a única mulher da turma.
Desde sempre, abriu caminhos a tantas outras mulheres. Em um depoimento que aparece na coletânea "Durante Aquele Estranho Chá: Perdidos e Achados" (2002), ela afirmou que sua arte é engajada.
"Considero o meu trabalho comprometido com a nossa condição, nesse escândalo das desigualdades sociais", disse a escritora. Em uma entrevista à TV Globo, disse:
O tempo todo estou agindo como ser político. Quando escrevo, então, mais do que nunca. Meu texto tem que refletir o meu país e a minha luta neste país.
Relembre lições que a autora e suas protagonistas deixam às mulheres de diversas gerações.
Mulheres são diversas e complexas
Lygia desloca os retratos rasos sobre mulheres para descrever personagens com profundas reflexões, dúvidas e angústias —ou seja, são sujeitos.
Suas personagens, como em um dos seus livros mais famosos, "As Meninas" (1973), são diversas. Nesta obra, três jovens moram em um pensionato e encaram o mundo de formas diferentes. A virgem Lorena, filha de família tradicional, namora um homem casado e que ser artista. A bela Ana Clara está em dúvida entre ficar com o noivo rico e o amante traficante. Já a militante Lia se dedica a participar de um grupo da esquerda e tem um namorado preso pela ditadura.
A autora mostra mulheres com pontos de vista muito divergentes e expõe como elas são diferentes e complexas, mas se encontram por causa das imposições sociais e machistas da sociedade.
A mulher mais velha ainda tem desejos
A ficção de Lygia também apresentou temas como a sexualidade da mulher madura, como em contos como "Boa noite, Maria" (1998) e o romance "As Horas Nuas" (1989).
Nestas obras, a escritora mostra os conflitos que o envelhecimento traz às mulheres e a maneira como elas enxergam a si mesmas e as transformações e limitações de seus corpos. Lygia retrata os sentimentos de rejeição e deslocamento dessas mulheres sob o olhar preconceituoso da sociedade.
No entanto, a escritora apresenta em suas obras mulheres maduras que ainda desejam e querem ser desejadas, demonstrando que a sexualidade segue presente ao longo da vida da mulher.
A emancipação sexual é uma conquista
O avanço e os destaques das reivindicações feministas na década de 1970, alavancadas pelo surgimento da pílula anticoncepcional nos anos 1960, foi pano de fundo para o livro "As Meninas" (1973), que acompanha as descobertas de três jovens universitárias brasileiras durante a ditadura militar.
Outro exemplo de texto em que o tema da liberdade sexual aparece é o conto "Senhor Diretor", que integra o livro "Seminário dos Ratos" (1977). Ele conta a história da professora aposentada Maria Emília, de 62 anos, que planeja enviar uma carta ao diretor de um jornal para contar sobre como a sociedade, agora, está sem pudor, principalmente com relação ao comportamento sexual das jovens.
Na história, Lygia mostra os efeitos negativos de viver uma vida sexualmente reprimida.
O amor romântico é um mito
A autora também contou diversas histórias de desamor, muitas vezes com humor e ironia. Por exemplo, o conto "Lua Crescente em Amsterdã", que também está na coletânea "Seminário dos Ratos (1977)", é uma das histórias que narram a decadência do amor romântico.
O conto descreve um casal apaixonado que decide se aventurar pelo mundo, mas que se vê sem dinheiro até mesmo para comer.
Assim, Lygia é revolucionária ao desromantizar e levar realidade às histórias de amor, que, por tantas décadas, mostraram as mulheres de forma idealizada e irreal.
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