Caso Gabriel Monteiro: o que acontece com políticos acusados de estupro?
O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro deve se reunir nesta terça-feira (5) para analisar as denúncias de abusos sexuais praticados pelo vereador Gabriel Monteiro (sem partido), do Rio de Janeiro. Influenciador digital com 6,2 milhões de inscritos no YouTube, o ex-policial militar é acusado de estupro, assédio sexual e moral.
No dia 27 de março, o "Fantástico", da Globo, exibiu depoimentos de pessoas que trabalharam com o vereador e contaram rotinas de assédio moral, sexual e agressões físicas. Uma adolescente de 15 anos prestou queixa à polícia denunciando o vazamento de um vídeo íntimo por Monteiro. Outra mulher afirmou que consentiu o início de uma relação sexual com o vereador, mas o ato evoluiu para um estupro. Ele negou as acusações.
No domingo (3), o programa revelou novas denúncias contra o vereador, trazendo três relatos de mulheres que acusam Monteiro de estupro, inclusive uma adolescente de 16 anos. Universa conversou com advogadas para entender o passo a passo do que acontece quando um político é acusado de um crime hediondo.
A advogada Isabela Guimarães Del Monde, cofundadora da Rede Feminista de Juristas e colunista de Universa, lembrou que, antes de uma destituição, é necessário garantir um processo com direito de defesa, mesmo no âmbito político.
"Qualquer pessoa que comete um tipo de violação — seja um crime, violação administrativo ou civil, como deixar de pagar o aluguel— tem o direito a um processo no qual é garantida a ampla defesa e o contraditório. Ou seja, se contrapor ao que foi falado a seu respeito. Ele não vai deixar de ser vereador da noite para o dia com base nas denúncias. É preciso um processo de investigação. As denúncias foram o gatilho para o início das apurações nas esferas competentes", pontua a advogada.
No geral, existem três áreas em que um parlamentar que cometa crimes como este pode ser responsabilizado: administrativa, penal e cível. Entenda como funciona cada uma delas e o que pode acontecer com Monteiro.
Esfera administrativa
Primeiro, um político não precisa ser condenado na esfera penal, necessariamente, para perder seu cargo após uma denúncia.
A advogada Bruna Velloso, especializada em Ciências Criminais e Segurança Pública pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), explica que a Constituição prevê a perda do mandato no caso de condenação criminal em sentença transitada em julgado —ou seja, quando não é mais possível recorrer. Porém, ela afirma que, mesmo antes disso, a situação pode ser julgada, pelos parlamentares, como quebra do decoro parlamentar.
Ela lembra, por exemplo, que no ano passado, a Comissão de Ética acolheu a instauração de processo ético-disciplinar para apurar quebra de decoro parlamentar pelo ex-vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Jairinho, que foi expulso do Solidariedade. Atualmente em prisão preventiva, ele é investigado pelo homicídio triplamente qualificado do enteado Henry Borel, de 4 anos. Jairinho perdeu o mandato por decisão unânime do plenário da Câmara no mesmo ano.
"O afastamento pode ocorrer caso a câmara entenda que o cometimento de crime hediondo por parte de um parlamentar se amolda à quebra de decoro parlamentar. Neste caso, o afastamento pode ocorrer antes mesmo da decretação de prisão", diz a advogada.
A denúncia por quebra de decoro pode ser feita por qualquer cidadão, parlamentar ou entidade representativa da sociedade.
No entanto, após o registro da denúncia, o parlamentar não perde automaticamente o cargo. Isso porque, como em todo processo, explica advogada, ele tem a chance de se defender, segundo os prazos, trâmites e regimentos internos do órgão.
Vereadores decidiram adiar processo contra Monteiro
No caso de Gabriel Monteiro, vereador na capital fluminense, quem vai analisar a abertura do procedimento administrativo é a Comissão de Ética e Decoro da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. O presidente do colegiado é o vereador Alexandre Isquierdo (DEM).
No dia 29 de março, o Conselho decidiu, por cinco votos a dois, adiar a abertura do procedimento contra Monteiro por avaliar a necessidade de obter mais indícios sobre os crimes. Eles decidiram aguardar que a polícia e o MP-RJ enviassem provas para embasar o pedido de cassação.
Na segunda-feira (4), os parlamentares da comissão se reuniram com membros do MP para analisar as novas denúncias.
Universa entrou em contato com a Câmara Municipal do Rio, mas não recebeu respostas até a publicação deste texto.
Influências políticas do processo
Isabela Del Monde afirma que, mais do que as outras esferas, a decisão de cassação de um parlamentar é permeada por vontades e influências políticas.
"Todos esses caminhos são baseados em normas, regras e leis, que são sempre disputadas na interpretação. Temos que analisar os processos, nas câmaras municipais, nas assembleias estaduais ou na Câmara Federal, a partir das composições políticas feitas entre o acusado e quem vai investigar. É importante ver se eles são do mesmo partido, fazem parte das mesmas federações ou coalizões, por exemplo. Isso tudo faz diferença", diz a advogada.
"É um indicativo ruim de como os parlamentares vão se comportar ao tomar efetivamente uma decisão quando de sete votantes, cinco pedem para protelar a decisão", diz a advogada, referindo-se à decisão de 29 de março. "Por isso é importante que haja mobilização popular para pressionar os vereadores que vão decidir sobre a cassação."
Ela lembra o caso do deputado estadual Fernando Cury (PSDB-SP), que foi flagrado assediando sexualmente sua colega de Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), a deputada Isa Penna (PCdoB-SP). Cury não foi cassado e foi punido apenas com uma suspensão. Enquanto o caso do deputado estadual Arthur do Val, expulso do Podemos e agora filiado ao União Brasil, se encaminha para uma possível cassação do mandato, após comentários sexistas sobre mulheres ucranianas.
"O relator do processo do caso do Arthur do Val [o Delegado Olim, do PP] chegou a dizer que Cury era 'muito querido' na Alesp, enquanto do Val gostava de 'arrumar confusão'. É claro que a gente sabe que esta é uma lógica equivocada para tomar uma decisão de sanção, que deveria ser guiada pelos fatos meramente, mas não é isso que acontece. As decisões são guiadas por outras influências."
Ainda assim, no caso de Monteiro, a advogada aposta na cassação do vereador. "Acho que vai haver responsabilização porque é um crime envolvendo crianças, e o Brasil tem arcabouço de garantias de proteção a menores e vulneráveis. Por conta disso, e também por Monteiro ser um político novo, não é de uma família tradicional na política e não tem ainda um grande lastro político ou uma grande composição de acordos, provavelmente veremos algo como ocorre com Arthur do Val, que está caminhando para uma cassação."
Caso seja cassado, o parlamentar fica inelegível e perde os direitos políticos por oito anos.
Esfera penal e civil
Vice-prefeitos e vereadores não têm foro privilegiado desde junho de 2021, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu sobre a regra no estado do Piauí. Então, eles respondem como um cidadão qualquer a uma denúncia de um crime, explica a advogada criminalista Caroline Scanci.
"O entendimento do Supremo atualmente é no sentido de que o foro privilegiado aplica-se, para esses cargos, somente a crimes cometidos durante o exercício da função e relacionados a ela", explica Scanci. "Como se trata de um crime que não foi praticado durante o exercício do cargo nem em razão dele, é inaplicável."
Desde 2018, crimes sexuais são considerados ação penal incondicionada —ou seja, para ser denunciado e gerar um processo penal, eles não estão condicionados à iniciativa da vítima. O titular da ação, quem deve denunciar e agir, é o Ministério Público, explica Isabela Del Monde.
No MP, há três caminhos possíveis: o órgão pode entender não haver indícios e provas suficientes para gerar uma denúncia e solicitar mais investigações e provas; arquivar o caso por entender que não há nenhuma indicação ou evidências de crime; ou, finalmente, dar prosseguimento à denúncia, que é a representação na Justiça.
Todas as ações que o MP pode tomar devem ser solicitadas e autorizadas pela juíza ou juiz competente. Se a denúncia for aceita, a ação penal se inicia. No caso, se Gabriel for condenado pelo crime de estupro de vulnerável pode ser sentenciado de oito a 15 anos de reclusão.
No entanto, os depoimentos contra Monteiro foram dados à reportagem do "Fantástico" sob anonimato, o que pode impedir a instauração da denúncia, já que as vítimas estão indeterminadas.
Em nota enviada a Universa, o MP-RJ informou que o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Investigação Penal aguarda iniciativa das supostas vítimas de assédio e estupro, citadas na reportagem do "Fantástico", em prestar queixa para atuação nos casos contra Gabriel Monteiro.
O órgão também informou que a 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e Juventude da Capital instaurou inquérito civil para apurar possível violação de direitos da criança que teve participação em um vídeo do vereador.
Já o suposto uso indevido de funcionários públicos para fins privados foi distribuído à 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania da Capital, que vai analisar o caso.
Por fim, na esfera civil, as vítimas —do caso envolvendo Gabriel Monteiro ou qualquer parlamentar— podem solicitar uma ação de indenização por danos morais, diz Del Monde. "Aqui já é um processo direto pelas vítimas. Geralmente, quando é relacionado a crimes, acontece depois da condenação penal, mas pode ocorrer concomitantemente", finaliza a advogada.
A reportagem entrou em contato com Gabriel Monteiro por e-mail e com sua equipe pelo WhatsApp, mas não obteve resposta. O espaço fica aberto para quando ele se manifestar.
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