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'Mãe, estou bem': abuso infantil fez jovem criar placa que leva a eventos

Recado de Bianca viralizou depois que ela levou a placa para o festival Lollapalooza, em São Paulo, no final de março - Arquivo pessoal
Recado de Bianca viralizou depois que ela levou a placa para o festival Lollapalooza, em São Paulo, no final de março Imagem: Arquivo pessoal

Nathália Geraldo

De Universa, em São Paulo

05/04/2022 04h00Atualizada em 05/04/2022 11h43

Se você entende o sentido da expressão "preocupação de mãe" talvez não se surpreenda com o fato de a placa "Mãe, estou bem" ser a parceira de Bianca de Araujo Mendes, profissional de TI de 29 anos, de São Paulo, em shows e viagens. Só que o que poderia ser só mais uma preocupação comum, no caso de Bianca traz uma história de dor e abuso por trás. Ela foi vítima de uma violência sexual aos 8 anos. E essa experiência fez com que a mãe, Edilene, de 61 anos, ficasse com medo dos riscos que ela poderia correr ao estar sozinha pelo mundo. À época, o abusador não foi denunciado; apesar de Bianca saber quem é, ela prefere não identificá-lo nesta reportagem.

Para tranquilizar o coração materno, Bianca criou a mensagem. Foi com ela que esteve no final de março no festival Lollapalooza, em São Paulo. O aviso inusitado circulou nas redes sociais, em meio a fotos da banda Fresno no palco e chamou a atenção de alguns famosos como a apresentadora Astrid Fontenelle que compartilhou a placa de Bianca em um de seus Stories do Instagram.

fresno - Reprodução - Reprodução
Placa apareceu durante transmissão do canal Multishow do show da banda Fresno
Imagem: Reprodução

O projeto "Mãe, estou bem", no entanto, é antigo: Bianca já levou os dizeres a viagens que fez sem acompanhantes para Peru, Uruguai, Colômbia, Argentina, entre outros destinos. O clique é enviado imediatamente para a mãe.

"Minha mãe quer me proteger do mundo e isso é importante. Mas, quis tranquilizá-la", conta a jovem, que também tem o perfil no Instagram @mae_estoubem para sugerir roteiros de viagens a mulheres que querem conhecer o mundo desacompanhadas mas sem se sentirem em apuros. Leia a história a seguir.

"Fui abusada aos 8 e, ao contar para minha mãe, entendi como era grave"

bianca - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Bianca viaja para países da América do Sul e pede para que tirem uma foto dela com a placa
Imagem: Arquivo pessoal

Sou de uma família simples, minha mãe veio do interior do Pernambuco e somos quatro filhos. Nunca tive educação sexual e só fui ter aula na escola falando sobre preservativo no terceiro ano do Ensino Médio.

Fui abusada sexualmente aos 8 anos, mas não sabia se aquilo era normal ou não.

Hoje penso que deveríamos ter educação sexual desde criança —passada de acordo com nossa idade, para entender onde um adulto pode encostar ou não.

Um dia, ainda com 8 anos, falei para a minha mãe que ela falasse com o homem que fazia aquilo comigo que ele parasse de fazer, porque doía. A pressão dela abaixou na hora. Foi quando entendi que aquilo era grave.

Cresci e criei um bloqueio com isso. Só caiu a ficha quando tive meu primeiro namorado, aos 18. Faço terapia desde então.

Ainda na escola, fui percebendo o quanto minha mãe me protegia do mundo. "Não vai na casa da amiga fazer trabalho", "Fala para virem aqui".

Aos 19, entrei na faculdade de sistemas de informação; naquele período, 'me revoltei'. Depois de ter feito um MBA em gestão de projetos, fui promovida na empresa que trabalhava e decidi que tiraria férias para realizar um mochilão sozinha. E fiz isso, com meu primeiro salário: programei uma viagem para a Colômbia. Eu tinha 23 anos.

Foi a primeira vez que fiz a placa 'Mãe, estou bem'. E chorei no voo, pensando em como estava desobedecendo ela, veio uma preocupação sobre isso; até porque, fui criada na igreja presbiteriana e é bíblico que não pode desobedecer.

"Minha intenção é ajudar mais mulheres"

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A profissional de TI gosta de viajar sozinha, e mantém a mãe informada sobre sua segurança
Imagem: Arquivo pessoal

Com 25 anos, conversei na terapia sobre querer ajudar outras mulheres a viverem coisas assim, sozinhas. Nessa época, descobri ainda que o homem que abusou de mim tinha feito isso com mais duas meninas, me culpei por não ter denunciado, tentei tirar minha vida duas vezes. Fiquei muito mal, um chefe percebeu como eu estava até, conversamos. E nas férias seguintes, ele me incentivou a curtir um mochilão na Argentina.

Na viagem, ouvi muitas vezes: 'Por que você está sozinha?', sendo que não perguntam isso para os homens que estão desacompanhados.

Voltei e fiz um curso de coach que me fez pensar no que poderia ter de ferramentas para ajudar outras mulheres a não passarem por isso. Então, fiz o Instagram em 2020, mesmo período em que virei 'nômade digital', trabalhando em home office em diferentes lugares do Brasil.

edilene - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Bianca e a mãe, Edilene: planos da filha é fazer viagens com ela também
Imagem: Arquivo pessoal

Nestas viagens, para me sentir segura, busquei empresas, guias, atividades feitas por mulheres. E foi aí que pensei em oferecer roteiros feitos para as mulheres, sugerindo esses lugares. Em Florianópolis, por exemplo, fiz parceria com um hostel que só tem quartos compartilhados para mulheres. Assim, conseguimos dormir tranquilas.

Infelizmente, sei que ainda vão acontecer situações em que, sozinha em um bar, por exemplo, um cara vai querer pagar um drink, pedir para o garçom entregar. Quando isso acontece comigo, aproveito para contar toda minha história para ele; e ele entende, por exemplo, por que não aceito a bebida.

Mas, de fato, minha intenção é que a gente consiga viajar sozinha, tanto que também estou abrindo agora minha casa para receber mulheres mochileiras e como Airbnb para elas. Também quero um dia viajar com minha mãe: toda vez trago uma lembrancinha para ela e digo: 'Na próxima, você vai comigo para escolher a cor que quiser'. Minha reflexão é essa: não desisti da minha vida, cheguei até aqui, e é isso que quero deixar para o mundo. Quero devolver para as mulheres uma segurança que também procuro para mim." Bianca de Araujo Mendes, profissional de TI, 29 anos, de São Paulo