'Virei nômade digital, conquistei minha liberdade e trabalho pelo mundo'
"Antes mesmo de a pandemia começar, eu já tinha experimentado a liberdade do trabalho remoto.
Me formei em Design pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2017 e, um ano depois, tomei a decisão de me mudar para a Ásia, continente pelo qual sempre fui apaixonada.
Foi uma escolha um pouco imatura, eu acho. Olhando para trás vejo que foi um passo arriscado — porém, foi o momento em que mudei a minha vida por completo. Sem ter comprado minha passagem para a Ásia, já tinha comunicado todos os meus amigos e familiares da decisão. Estava decidida a encerrar um ciclo, era aquela hora ou nunca.
Em 2018, me mudei para a Ásia com um computador velho e a vontade de recomeçar a vida. Meu único plano era não voltar ao Brasil
Passei por Singapura, Malásia, China e decidi que moraria em Bali, na Indonésia. Chegando lá, eu tive que mudar os planos, porque não consegui achar emprego. Por causa de uma perspectiva cultural, eles não contratavam estrangeiros e davam preferências aos trabalhadores de lá.
Tive que procurar frilas e atender clientes do Brasil. No começo, deu certo. Só que a partir de um momento aquela instabilidade passou a me incomodar; não tinha renda fixa, o fluxo de demandas variava, era horrível. De repente, decidi abrir minha própria empresa de "branding".
Ali, comecei a entender como funcionava a dinâmica do trabalho remoto. Precisava ajudar a galera que trabalhava comigo —tanto clientes quanto outros colegas de carreira— a melhorar a comunicação, deixar as demandas visíveis, além de comprovar que estava produzindo e não apenas curtindo a praia; essa é a base do que todo profissional remoto precisa fazer: validar o trabalho que está fazendo.
Passei a estudar ferramentas que melhoravam o trabalho remoto, que validavam o fluxo e facilitavam a comunicação. Entendi que dava para ter um emprego fixo, mesmo trabalhando do outro lado do mundo.
Quando começou a pandemia, alguns amigos que tinham empresas na área da tecnologia vieram pedir minha ajuda para fazer a transição de modelo de negócio, queriam que eu ensinasse os funcionários a fazer trabalho remoto, a se comunicarem melhor, entre outras coisas.
Dei algumas dicas e, duas semanas após a primeira consultoria, eles voltaram a me procurar, me ofecerendo um cargo fixo na empresa, só para cuidar dessa transição, porque eles estavam decididos a nunca mais terem uma empresa com sede física.
Com essa proposta, fomos procurar como eu poderia fazer parte da equipe deles. Encontramos o cargo "Head of Remote", que já existia em empresas fora do Brasil, como o Facebook. Eu não tinha formação na área (e nem existe), mas comecei a fazer cursos gratuitos no campo de gestão de pessoas, de ferramentas, e consegui me qualificar para a vaga.
Juntando algumas habilidades pessoais e esses cursos profissionais, me tornei a primeira brasileira a assumir o cargo de "Head of Remote", ainda no começo da pandemia. A área está em expansão e o profissional que abraça a carreira ganha entre 5 e 10 salários mínimos.
Hoje meu trabalho consiste, basicamente, em gerenciar a transição de empresas para o formato remoto e ajudar os funcionários dessas companhias a entenderem melhor as suas rotinas e demandas.
Sem dúvidas, a pandemia impactou no jeito como vemos o trabalho. Foi um grande experimento social. Esse período deixou claro uma coisa: a tecnologia para fazer trabalho remoto a gente já tem, o que falta é mudar a mentalidade das pessoas.
Eu sei que ainda é uma barreira falar disso, mas precisamos repensar as coisas. A gente trabalha do mesmo jeito que os profissionais da Revolução Industrial trabalhavam, não faz sentido. O remoto tem muitos pontos positivos e quero ajudar os profissionais e as empresas a enxergarem os benefícios.
É legal termos a separação entre o momento de trabalho e o momento de lazer, mas antes da pandemia essa separação era radical, como se a Angela que trabalha e a Angela que se diverte não fossem a mesma pessoa. Hoje, a gente se deu conta de que, administrando melhor o tempo, podemos conviver diariamente com esses dois lados.
Por ser designer, antes do remoto, eu já trabalhava em ambientes não-convencionais. Em empresas do ramo, as pessoas costumam trabalhar de chinelo, ter happy hour, cerveja de graça, mesa de pingue-pongue... Mas, no fim, não era tão moderno assim. Não tem flexibilidade, você ainda precisa trabalhar oito horas seguidas sentada em uma cadeira, trancada em um escritório.
Com o remoto, pude alcançar realização pessoal e profissionalmente ao mesmo tempo. É isso que me move.
Trabalhando de casa, por exemplo, ajudamos a reduzir as taxas de poluição que são emitidas no transporte até a empresa. Antes, as pessoas que moravam no interior (como é o meu caso, inclusive), precisavam se mudar de cidade para crescer na carreira e ter um emprego de qualidade; com o remoto, pessoas de cidades pequenas podem ter acesso a multinacionais.
Além disso, existe outro benefício do remoto que eu gosto de frisar que é a geoarbitragem. Ou seja, a liberdade de você poder escolher trabalhar em um lugar onde seu dinheiro valha mais. Na Indonésia, por exemplo, a moeda vale muito mais do que no Brasil.
O lado ruim de ter a vida que tenho é que não posso levar amigos e familiares na mochila. Meu guarda-roupa, por sinal, também mudou muito: hoje tenho poucas peças, todas pretas, fáceis de combinar com qualquer coisa. Seja em um motorhome no Sul do Brasil ou em uma casa com piscina na Tailândia, é muito fácil falar comigo, basta marcar um horário na minha agenda."
Angela Mansim, de 28 anos, é designer, e natural de Valinhos (SP).
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