Renata Corrêa lança livro e fala de aborto: 'Mulheres sofrendo em silêncio'
"Escrever sobre a experiência de aborto, tanto o provocado quanto o espontâneo, sempre me emociona, porque eu sei que as mulheres estão sofrendo isso em silêncio, em grande parte deste país." É o que diz a escritora, roteirista e militante feminista Renata Corrêa, que transformou suas lutas e experiências em ensaios íntimos sobre o feminismo para o livro "Monumento para a Mulher Desconhecida" (Editora Rocco), lançado no final de março.
Em cada capítulo, ela aborda algo sobre a sua vida e o feminino: experiências na escola, amizades, relacionamentos, carga mental das mulheres, gravidez na adolescência e aborto, são alguns dos temas escolhidos para guiar a publicação.
Todos os assuntos são muito delicados na vida das mulheres, mas sobre um deles Renata considera mais difícil de escrever: o direito reprodutivo feminino. "Esse sempre foi um tema que mexeu comigo: a questão do aborto e dos direitos sexuais reprodutivos. São questões muito delicadas. Até porque vivemos em um país extremamente machista, que tem tido a tristeza de eleger Congressos cada vez mais conservadores, que agem ativamente para que os direitos das mulheres sejam retirados", conta, em entrevista para Universa.
Esse tabu e quase proibição de falar sobre isso me toca intimamente. Me sinto conectada a essa grande teia de mulheres silenciadas que não podem falar sobre suas experiências.
No livro, Renata narra três experiências ligadas a aborto: uma perda natural aos 39 anos, relembra o caso de uma amiga, para quem deu apoio emocional, aos 16 anos, enquanto o corpo dela fazia o trabalho sofrido, e ainda relata a escolha de interromper uma gravidez indesejada, aos 19 anos.
"Tinha terminado um namoro e começado outro. Eu sabia perfeitamente que estava grávida e de quem era. Mas também sabia que homem nenhum aceitaria de bom grado essa paternidade, ainda mais em um momento de transição de relacionamentos. Fiz meu aborto sem a presença do namorado, em uma clínica cara e chique. Acho que nunca fui tão silenciosa na minha vida, respondia a quem falava comigo com murmúrios. Eu estava apavorada", relata no ensaio denominado "Clandestinas".
Documentário
Esse é, inclusive, o nome dado a seu documentário sobre mulheres que abortaram que ela lançou em 2014. "Na época, tínhamos eleito o Congresso mais conservador da história do Brasil desde o golpe militar de 1964. Então, diversos grupos feminista se articularam para fazer um encontro e ver o que podíamos fazer pra colocar nossos direitos em pauta e sensibilizar a população a respeito das questões das mulheres. O principal projeto do [ex deputado federal] Eduardo Cunha naquele período era acabar com os direitos sexuais reprodutivos das mulheres com o famigerado estatuto do nascituro", conta Renata. Ela diz que foi na época desses encontros que resolveu fazer o documentário.
"Foi um mergulho muito importante e profundo que chegou no resultado que eu queria. Ele foi muito para universidades, rodou festivais. A intenção era sensibilizar as pessoas através de experiências reais que acontecem com o corpo das mulheres. Muitas vezes, quando falamos de aborto, é algo abstrato"
Assim como no livro, o filme teve a característica de falar sobre o que atravessam nossos corpos e as essas experiências íntimas não contadas e silenciadas, que são reais, universais, que afetam muitas mulheres, diz Renata.
Os depoimentos reais foram mesclados entre as mulheres e as atrizes para preservar aquelas que fizeram um aborto por vontade própria.
A escolha não foi à toa. "No Brasil, o aborto é considerado um crime contra a vida e, se a mulher é indiciada e entra no sistema judiciário como ré, será julgada no tribunal do júri, como uma assassina, como um goleiro Bruno, como um Pimenta Neves. É uma discrepância a respeito do que esses homens fizeram, que cometeram feminicídio, e mulheres que apenas interromperam uma gravidez. Que é muito longe de ser um assassinato", diz Renata.
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