Contaminada por mercúrio, ela deixou garimpo e produz cosmético na Amazônia
Nascida e criada no meio da floresta Amazônica, Arlete Leal, 48, passou boa parte da vida sem alternativas para sustentar os cinco filhos a não ser seguir os passos dos pais e trabalhar em um garimpo. A perspectiva de futuro, porém, mudou quando ela se juntou a outras mulheres ribeirinhas e aprendeu a ganhar dinheiro utilizando recursos da mata de forma sustentável. "Levou muito tempo para eu acreditar em mim", diz.
A Associação das Mulheres Extrativistas Sementes do Araguari, da qual Arlete é presidente, foi criada no ano passado, em Porto Grande, interior do Amapá, onde ela vive. Elas produzem sabonetes, pomadas e velas usando produtos como óleos extraídos da andiroba e copaíba, árvores nativas da Amazônia.
O projeto começou a ser construído em 2013 com o apoio de órgãos ambientais e pesquisadores da região. Uma dessas pesquisadoras viu que a havia muita andiroba na região, usada somente para produção de remédios caseiros pelas moradoras. "Aí ela falou que a gente podia vender o óleo em litros. Depois, o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] falou que a gente também poderia produzir um sabonete com o óleo da andiroba", relembra Arlete.
Ela estudou até a oitava série e disse que demorou até acreditar no potencial do projeto, assim como as demais associadas, que também trabalhavam em áreas de garimpo. "Nunca me imaginei trabalhando com o que a gente trabalha hoje. Tem pessoas que falam para mim: 'Nossa, como tu mudou assim de opinião?' Mas eu digo que não foi assim de uma hora para outra, levou muito tempo", diz.
A fabricação dos cosméticos acontece na casa de uma das associadas, nas margens do Rio Araguari. As matérias-primas são colhidas pelas próprias mulheres, que caminham entre as árvores segurando facões, usando botas e capacetes em busca de um sonho: ampliar a associação e a tornar conhecida mundialmente.
Os equipamentos necessários para montar a linha de produção foram doados por entidades locais e adquiridos com o lucro da venda dos produtos, comercializados dentro e fora do estado.
"A gente tem o sonho de produzir um repelente e um creme natural de andiroba", destaca Arlete, acrescentando sentir orgulho do que faz. "Não é só uma pessoa, são várias famílias envolvidas e mudando de vida."
Contaminada por mercúrio
Arlete trabalhou por mais de 20 anos vendendo refeições em áreas de garimpo. Embora não atuasse diretamente na extração de ouro, consumia a água e os peixes da região. Esses fatores contribuíram para que ela fosse contaminada por mercúrio ,elemento líquido usado na coleta e separação de metais, e permanecesse até hoje com um índice de contaminação no corpo.
Segundo estudo divulgado em 2021 pelo IPEN (Pollutants Elimination Network) e BRI (Biodiversity Research Institute), com o apoio do Iepé (Instituto de Pesquisa e Formação Indígena., o mercúrio pode causar graves danos à saúde, podendo atingir os sistemas nervoso e reprodutivo da mulher. Para o coordenador de gestão da informação do Iepé, Decio Yokota, a mudança na vida das ribeirinhas evitou um nível maior de contaminação.
"É uma comunidade onde muitas pessoas chegaram por conta do garimpo, e aí o ICMBio fechou [o garimpo] e elas não tinham mais o que fazer. Mas aí conseguiram reverter essa história, que é muito bonita e importante para inspirar muita gente na Amazônia, que não vê outros caminhos para suas vidas", destacou Yokota.
Para Arlete, o projeto extrativista "abriu os olhos das mulheres" da região sobre a competência que elas têm de trabalhar com independência e sem destruir o meio ambiente.
"Nunca imaginei que o garimpo, pelo fato de eu viver tanto lá dentro, causava tantos danos, tanta destruição como eu vejo hoje. Agora é seguir em frente. Hoje, tudo o que a gente quer é aprontar nosso novo laboratório e inovar para termos mais força, vender mais e gerar mais renda", declara.
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