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Astrid Fontenelle: 'Tenho cuidado ao dar opinião. Não quero ser cancelada'

Astrid Fontenelle, uma das apresentadoras do Saia Justa, fala de nova temporada, carreira e pandemia - Divulgação/Kelly Fuzaro
Astrid Fontenelle, uma das apresentadoras do Saia Justa, fala de nova temporada, carreira e pandemia Imagem: Divulgação/Kelly Fuzaro

Nathália Geraldo

De Universa, em São Paulo

16/04/2022 04h00

Se você acompanha Astrid Fontenelle desde os tempos da MTV Brasil, sabe que ela é uma das jornalistas brasileiras que aliam informação e opinião em frente à TV há muito tempo. Nas redes sociais, seguida por 1,2 milhão de pessoas no Instagram, e comandando o programa "Saia Justa", do canal GNT, que estreou novo elenco no final de março, tem o mesmo comportamento.

Aos 61 anos, diz que é "antenada em tudo"; só precisou de ajuda para lidar com a repercussão negativa da vez em que deixou parte do presskit que recebeu de Juliette, campeã do BBB21, em uma área pública para que algum fã da famosa pegasse.

A própria rainha dos cactos precisou se manifestar no Twitter para dizer que a iniciativa era legal. "Liguei para ela e me disse: Juliette, me ajuda, tenho 35 anos de carreira", relembra o episódio para Universa, em entrevista feita por telefone, enquanto estava em sua casa, no Morumbi, zona sul de São Paulo.

Mãe de Gabriel, de 13 anos, e casada com o empresário Fausto Franco, que também já ocupou o cargo de Secretário de Turismo da Bahia, Astrid falou sobre a temporada do "Saia Justa", aborto, racismo e casamento à distância. Confira a entrevista a seguir.

UNIVERSA O "Saia Justa" tem agora mais mulheres negras e pautas de grupos de minorias. Você também passou por um estalo de olhar ao redor e abraçar outras pautas, além das que já defendia e entendia?
ASTRID FONTENELLE Fiz 61 anos, cheguei a mais da metade da minha vida, me orgulho da trajetória que fiz e de uma coisa: sempre estive atenta ao que está acontecendo. Há tempos já falava de como tinha que ter mulheres negras no "Saia Justa", depois de anos veio a Taís Araújo, depois Gaby Amarantos. Mas, percebi o quanto ela continuava sendo minoria, em um debate com mais três mulheres brancas no que deveriam estar em pé de igualdade.

Agora, na minha vida, tive que absorver essa pauta muito rapidamente. Tenho um filho preto.

Quando Gabriel nasceu, eu procurava para colocar no mural dele revista com imagem de pessoas pretas, para ele se ver representado. Fomos ao festival Lollapalooza e ele ficou "pinto no lixo", mas ele percebia que na área VIP só tinha gente branca. "Sou o único preto", dizia.

O "Saia Justa" é um programa que faz um mix entre o comportamental e o factual e acho que o grande lance dessa atual temporada é a foto das quatro mulheres ali. Não precisamos estar falando necessariamente de uma pauta racial.

É genial elas estarem ali [a atriz Luana Xavier, a cantora Larissa Luz] e ainda tem a Sabrina Sato, uma oriental com ascendência do Líbano. E eu como um mix de pai piauiense e mãe portuguesa.

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Em ordem: Luana Xavier, Sabrina Sato, Larissa Luz e Astrid Fontenelle, as apresentadoras da nova temporada de "Saia Justa"
Imagem: Kelly Fuzaro

Em 2015, você comentou no "Saia Justa" que fez um aborto aos 18 anos. Como você vê o jeito que o Brasil trata a questão enquanto sociedade e em políticas públicas?
O Brasil precisa ser estudado: ao mesmo tempo que somos livres, do Carnaval, da Sabrina, vivemos nessa falsa moralidade. Eu tinha um tio que, mesmo no calor da Zona Norte do Rio, não me deixava sentar sem camisa na mesa quando eu era criança. Mas ele era o mesmo que tinha uma amante na zona de meretrício que era a Praça Mauá.

Esse é o país do falso moralismo, do puritanismo, da falsa religiosidade em que se faz "tudo em nome de Deus", aliás, coitado de Deus, com tanta falsidade no nome dele.

Eu já falava do aborto em pequenos espaços, e já entendia que os números sobre a prática refletem as mulheres pobres e as ricas, como eu, que têm condições de procurar clínica para fazer.

No tema, há um desajuste, diferenças sociais. As ricas vão a clínicas chiques e sobrevivem. E, olha, são cantoras, artistas de TV, famosas.

Quando decidi que iria falar, eu e GNT nos preparamos para isso. Já havia redes sociais e ali precisava ter um limite. Contei minha verdade. Ninguém faz aborto porque quer, é muito sofrimento, opressão, medo, distância. Você sofre sozinha, sem dividir com ninguém. Contei emocionada, não é algo de que me orgulhe, mas, naquele período, para nossa surpresa, foi muito bem acolhida.

Isso porque, com as redes, mais pessoas têm acesso ao nosso pensamento e acham que podem colocar seus bichos para fora para responder, de forma covarde. Por isso, tinha que saber o que estava falando.

Você foi perseguida nas redes porque publicou que deixaria um 'recebido' da Juliette como presente para os fãs. Ao mesmo tempo, veiculou o caso de uma menina que levou a placa "Mãe, estou bem" para um festival, e fizemos matéria sobre ela em Universa. Como vê seu impacto e influência nas redes sociais?
No caso da Juliette, foi uma coisa fora da curva. A paixão sempre nos cega, seja amorosa ou sexual, e de fã é a mesma coisa. Fiz uma coisa carinhosa, porque sempre ganho muitos presentes e o pôster da Juliette, que não tinha uma dedicatória para mim, por exemplo, não merecia ficar enfiado num canto.

Há uma linha sucessória das coisas que recebo: primeiro é o Gabriel, que ficou inclusive com a caixinha de som que veio no kit. Depois, quem trabalha em casa comigo, as meninas do Saia. E toda terça mando algumas coisas para o Padre Julio Lancelotti.

O que eu iria fazer com uma foto da Juliette? Fiz aquilo de coração aberto. Depois de deixar em um banco perto da minha casa, meu celular começou a pipocar. Antes de ligar para qualquer pessoa, liguei para ela, só me preocupei com ela. "Juliette, tenho 35 anos de carreira, me ajuda". Aí, ela mais escolada que eu, disse que ia fazer um tuíte para eu retuitar. Nunca tinha vivido algo daquela proporção.

Desde a MTV, você é uma mulher que alia opinião e informação, o que pode custar caro para pessoas públicas. Você já pagou algum preço por ser assim?

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Aos 61 anos, Astrid comenta influência nas redes sociais: "Se for pra ser cancelada, que seja por algo nobre"
Imagem: Divulgação/Kelly Fuzaro

Brinco que sou mais velha do que todo mundo que está aí, de uma época em que a Folha me ligava para saber minha opinião sobre tudo. Era como se eu pudesse falar do Arthur Aguiar no BBB, do Bolsonaro envolvido com milícias, do show do Maroon 5, do vereador abusador do Rio. Fiquei incomodada com isso em algum momento. Não tenho opinião formada sobre tudo.

Por ser jornalista, tomo cuidado com a informação. Sou a "chata do zap", recebo uma coisa e já desconfio, pergunto de onde a pessoa tirou aquilo.

E tenho cuidado com minha opinião, antigamente não queria ser processada, hoje, não quero ser cancelada. Se for, tem que ser por algo muito nobre.

Há cada vez mais casos de racismo flagrados, gravados pelo celular, por exemplo. Como é criar um menino negro neste cenário?
Criar um adolescente negro é ter criado uma criança negra lá atrás. Não podia ficar esperando ele entender o que é o racismo, então eu tive que fortalecê-lo dando boneco preto para brincar, desenvolvendo autoestima ao falar do cabelo dele, do que Gabriel tem muito orgulho.

Ele reagiu ao primeiro ato de racismo que sofreu. Foi numa praia da Bahia, há dois anos, e uma mulher o confundiu com um funcionário, dizendo: "Bota um colchonete aqui para mim". Ela só confundiu porque ele é preto. Ele ficou arrasado e eu fui para cima dela, verbalmente. Estava com o livro "Escravidão", do Laurentino Gomes, na mão e até ofereci para ela, que recusou.

Gabriel ficou desnorteado. E o opressor quer isso, que a gente fique pequenininho. Acontece muito de perguntarem em loja se ele trabalha lá. Aí falo para ele começar a falar em inglês, porque com 1,83, ele pode fingir que é um jogador de basquete? Não dá para jogar o tema do racismo para debaixo do tapete, do mesmo modo que não joguei a questão da adoção: dizia primeiro que ele era um "bebê estrelinha", e depois fui comentando enquanto ele crescia.

Como deu atenção à saúde mental quando a pandemia estava mais restrita, com tantas mortes e com falta de planejamento do Governo para guiá-la? E a questão do lúpus?
Fui a primeira a falar no meu grupo de amigos que ia dar m*rda. Então, me preparei dentro de casa, comprei uma cadeira boa para o Gabriel estudar, fiz uma sala para mim que era o GNT, uma sala para ele estudar. Só que em duas semanas, precisei voltar aos estúdios e tive que deixar ele sozinho. Ia com o coração na mão, mas deixava ele na cama, dava um beijo e dizia: "Mamãe já volta".

A rotina em casa era de muitos afazeres, cozinhar, lavar, passar, porque realmente fiquei sem ninguém lá. E eu e Gabriel fomos inventando brincadeiras, fingir que estava em um restaurante, no cinema, aos sábados, ele fazia uma live para responder perguntas.

Então, minha preocupação era mesmo só com nossa saúde mental e física. Com orientação de médicos, nos cobrimos de cuidados. Um amigo ia no supermercado para gente. Não peguei covid e parei de contar quando fiz 170 testes.

Sou uma pessoa de ver o copo meio cheio, e tivemos uma rede de amigos que, quando alguém ficava baqueado, aparecia um bolo ou um presente na porta. Gabriel também aprendeu a importância de uma rede de solidariedade, em que ajudávamos com dinheiro, compras. Ele foi vendo que não é sobre dinheiro, mas como esse momento fez com que tudo fosse transformado.

Você fez 61 anos recentemente. O que tem de luz e de sombra nessa idade?
Foi no dia 1º de abril. Só vejo luz! [risos]. Mentira, tem sombra, o joelho e a coluna doem. Mas não gosto de escuridão e prefiro a meia-luz. Então, estou fazendo quiropraxia e pilates porque quero ficar "durinha". Mas, a maior das luzes é a sabedoria. Às vezes falo para as pessoas: "Desculpe, só estou dizendo tal coisa porque já vivi isso três, quatro vezes".

E teve a parada do cabelo branco. Passei parte do tempo com a cor em transição e ouvi: "Que cabelo é esse? Tem que pintar". Mas isso é sobre a pessoa que fala, não sobre mim. Eu estava com um apartamento grande cheio de tapete para cuidar, um adolescente em casa, pintar o cabelo não era uma prioridade no isolamento.

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A apresentadora nos bastidores do "Saia Justa"; na pandemia, deixou os cabelos brancos crescerem, usando como referência as fotos que marcava no Pinteres
Imagem: Divulgação/Kelly Fuzaro

Até porque já tem um movimento de outras mulheres, e sempre tive uma pasta no Pinterest com o nome "Para quando envelhecer" com referências de cabelos brancos, rosa e azul. Quando fiquei grisalha, uma marca de cosméticos me chamou para uma publicidade sobre isso, falar do conceito de cuidado das mulheres 60+.

Afinal, a gente pode ser bem cuidada, tem um cabelo grisalho. Não precisa ter um selo de "velha", é possível valorizar a beleza da velhice.

Quem são as mulheres que te inspiram na profissão?
Só chamo Marília Gabriela de "mestra". Mas tenho muitas, tenho um quadro que se chama "Mulheres Admiráveis" no meu canal do Youtube. Aí, passo pela estética e o gesto de Leila Diniz, Marília, minha mãe e as mulheres que ainda vou conhecer na minha vida. Na aula de pilates, inclusive, o professor, que é um homem de 50 anos, comentou comigo que veio do interior da Bahia para São Paulo quando tinha 2 anos. E que a mãe dele era muito agredida pelo pai, até que um dia ela conseguiu fugir com a ajuda do avô dele, porque o pai até seria preso, mas tinha dinheiro e não ficaria muito tempo. Eles vieram na boleia do caminhão. Disse: "Que mulher é essa? Quero conhecer". E ela conseguiu formar os filhos, ele em Engenharia e a irmã dele em Direito.

Às vezes a gente tem que prestar muito menos atenção nas que têm milhões de seguidores do que nas mulheres que estão por aí. A mulher anônima no Brasil, como essa, é mágica. É quem precisa pagar botijão de gás, aluguel, cuidar do filho.

Você usa muitos acessórios com o símbolo de coração. Por que?
Porque acredito na revolução do Amor. Só escrevo a palavra em caixa alta, aliás. Sou uma ariana "braba", mas muito amorosa. Então, tenho várias coisas com coração, escrito Amor, nas minhas tatuagens. Está em tudo. E não é coisa de hippie.

Como é viver um casamento em que você mora em São Paulo e seu marido, em Salvador? Tem conselhos para quem acha que relação à distância não dá certo?
Meu casamento vai durar a vida inteira. Sabe quem me inspira também? A Rita Lee. Ela tem essa paixão pelo Roberto de Carvalho, cantada tão bem; e os dois já moraram no mesmo prédio, em apartamentos diferentes, em andares diferentes. Pensei: "É isso que quero para minha vida".

Ele morava na Bahia quando nos conhecemos, veio um tempo para morar comigo e a gente começou a brigar. Vi que não ia longe por causa desse dia a dia, que pode ser pesado e chato. Então, ele voltou a trabalhar, bem colocado, em Salvador.

Estamos nos momentos importantes da vida um do outro, ele veio para a estreia do "Saia" e para meu aniversário, porque Gabriel ia para uma excursão... E vamos nesse "flow", que tem a ver com maturidade emocional. Você confia em você, na relação com o outro.