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Stealthing: como provar que o homem tirou a camisinha durante sexo?

Stealthing pode levar à prisão - Getty Images/iStockphoto
Stealthing pode levar à prisão Imagem: Getty Images/iStockphoto

Júlia Flores

De Universa

16/04/2022 16h38

Leila (nome fictício) foi vítima de uma violência durante o sexo. Seu parceiro retirou a camisinha enquanto transavam. Ela reportou o caso à Jústiça e, embora o homem tenha confessado a prática, ele seguiu impune.

"No fim de abril de 2021, conheci um menino no Tinder e, eventualmente, transamos. Foram três relações e tínhamos três preservativos. Em todas as vezes, parei e falei: "A camisinha". Em uma das vezes, ele disse: "A minha acabou". Levantei, fui em outro quarto e peguei a que eu tinha. Amanheceu e ele foi embora. No dia seguinte, não sei muito bem por quê, me veio uma sensação estranha e fui checar os preservativos no lixo. Quando abri a lixeira, fiquei em estado de choque total. Um dos preservativos estava aberto, fora da embalagem, mas não havia sido usado", contou em entrevista à BBC.

A prática de retirar o preservativo sem a concordância da parceira durante o sexo é chamada de stealthing. O agressor pode sofrer penas de reclusão e, inclusive, ser preso.

Leila, porém, foi desacreditada pela Justiça.

Como fazer a denúncia e provar que o ato realmente aconteceu? Conversamos com a advogada Izabella Borges, especialista em questões de gênero e violência contra a mulher, para entender:

O que fazer para provar a violência?

No Brasil, não há uma legislação específica para o ato do stealthing. Diferente de países como a Inglaterra, em que remover a camisinha durante o sexo é considerado crime, as leis brasileiras não abrangem a prática.

De acordo com especialistas, porém, a atitude pode ser enquadrada no artigo 215 do Código Penal, que configura "violência sexual mediante fraude".

Segundo a advogada Izabella Borges, a construção probatória não é fácil, mas possível: "Há algum tempo a jurisprudência vem entendendo que a palavra da vítima, em crimes cometidos em ambientes íntimos —e, portanto, sem testemunhas—, deve ser valorada de forma diferente e existe presunção da veracidade da sua versão".

"Além disso, exame que aponte que a ejaculação aconteceu dentro da vítima também é um caminho probatório nos casos onde isso aconteceu. Ouso dizer que até mesmo prints de conversas e o relato de amigas da vítima e a rede de apoio que tenha a acolhido são provas válidas e possíveis de serem apresentadas", acrescenta a advogada.

Leila, personagem citada no início do texto, chegou a fazer um exame no Instituto Médico Legal para conseguir provas contra o parceiro. Ela também fez registro do ocorrido na Delegacia da Mulher, só que o processo não foi adiante.

"Quando fui chamada (na delegacia) para relatar o caso, praticamente não me deixaram falar e sempre agiam de forma ríspida. Começaram a me perguntar: 'Qual é o CPF do acusado? Qual é nome da mãe dele?' Perguntas incabíveis. Onde já se viu, uma pessoa é vítima de um assalto, atropelamento, violência sexual e tem que saber o CPF do acusado e o nome da mãe dele para registrar o B.O", disse.

Izabella recomenda que, nesses casos, "é importante que a vítima procure, se possível, uma advogada especializada para acompanhá-la na delegacia e, assim, requerer perícia ginecológica. A vítima pode se dirigir à Delegacia de Polícia sem advogada, mas sabemos que esse tipo de relato de crime pode incorrer em revitimização e descredibilização da palavra da mulher em razão do despreparo de parte relevante dos agentes públicos."

No caso de Leila*, o promotor responsável pelo caso decidiu arquivar a denúncia. "Em sua decisão, ele disse que apesar de ser 'reprovável, a conduta do acusado ao ter se aproveitado da confiança nele depositada pela vítima, não há provas suficientes do emprego de meios utilizados para enganar ou iludir a ofendida'".

"Sistema processual foi criado por homens brancos"

A orientação de Izabella para casos como o de Leila é que a vítima peça a uma advogada ou à defensoria pública que dê os encaminhamentos necessários para o prosseguimento do caso. "Existe um núcleo dentro da defensoria especializada na defesa dos direitos das mulheres", afirma.

Além disso, a advogada também orienta que as vítimas de stealthing recebam imediatamente atendimento médico especializado para evitar a contaminação por qualquer doença venérea e sexualmente transmissível e receber anticoncepcional de emergência para evitar a gravidez.

Vítimas de stealthing podem ser atendidas pelo SUS e usufruir do mesmo protocolo que vítimas de estupro. "Acolhimento terapêutico, familiar e social é importante para minimizar danos emocionais que podem surgir pelo constrangimento, culpa e vergonha", adiciona Izabella.

Para a advogada, o problema não está na legislação, e sim na "mentalidade dos agentes públicos", que não entendem a peculiaridade dos casos de stealthing. "Podemos falar que existe um problema estrutural no Brasil. Os agentes públicos que atuam no combate à violência doméstica sexual, na maioria dos casos, não possuem o conhecimento das subjetividades que envolvem cada caso".

Ela finaliza: "É bom lembrarmos que o sistema processual penal foi criado por homens brancos. Enquanto o processo penal não contar com um olhar feminista, não teremos mudanças'.