'Tive medo de cair e morrer, mas a epilepsia mudou minha vida para melhor'
"Na madrugada do dia 19 para o dia 20 de fevereiro de 2019, eu acordei assustada, com a visão embaçada. 'Você desmaiou e precisamos ver o que aconteceu', repetia minha mãe, sem parar, falando que estávamos indo para o hospital. No estilo daquelas cenas de filme hollywoodiano, do nada, eu me vi assustada, cheia de fios pelo corpo, numa cama de UTI. Tive duas convulsões em menos de 24 horas e, por caráter de emergência, a médica resolveu me internar para realizar dezenas de exames, pois poderia ser um tumor, um derrame, meningite?
Por conta das convulsões, fui medicada com Hidantal, um anticonvulsivo que tem como substância ativa a Fenitoína, cujos efeitos colaterais, entre eles náusea, letargia e vertigem, vieram com força e me deixaram dopada, com poucas lembranças da semana que passei internada. Passei por ultrassonografias, ressonâncias, punção lombar, coletas de sangue infinitas nos braços e até nas mãos. Foi só no último exame, o eletroencefalograma, que recebi o diagnóstico: epilepsia.
Uma convulsão por mês, durante um ano
Oi? Como assim? O que é epilepsia? Vou morrer? É contagioso? Essas e tantas outras perguntas foram feitas para o neurologista que me atendeu e deu a notícia. A epilepsia é uma doença em que há perturbação da atividade das células nervosas no cérebro, causando convulsões. Essa condição pode ocorrer como resultado de um distúrbio genético ou de uma lesão cerebral adquirida, como traumatismo ou acidente vascular cerebral. No meu caso, não tinha nenhum antecedente familiar e nunca havia ocorrido nada parecido na infância. Durante uma convulsão, a pessoa tem comportamentos, sintomas e sensações anormais, às vezes incluindo perda de consciência. No meu caso, novamente, quase não apresento sintomas pré-convulsivos e sempre acordo toda machucada, sem saber onde estou.
Ao todo, foram 13 convulsões em um ano, sendo seis delas enquanto dormia e sete enquanto estava acordada. A primeira em que eu estava desperta foi depois de um dia estressante, e só me lembro de acordar com pessoas em cima de mim. Esse episódio foi crucial para sacar que meus maiores gatilhos tinham uma conexão com meu estado emocional. Com um corte na cabeça, fui para o pronto-socorro, de Uber, com uma amiga, pois nenhuma ambulância, corpo de bombeiros ou polícia atenderam o chamado das pessoas que me acudiram na rua.
A epilepsia como aliada
O meu saldo de sequelas da epilepsia são duas lesões no ombro esquerdo, chamadas Hill-Sachs e Bankart, e cinco pontos na cabeça, dois na primeira e três na última convulsão, que aconteceu no dia 16 de abril de 2020. Fora os hematomas, dores, sessões de fisioterapia e o medo constante de cair e morrer. Até um pouco depois da última crise, vivi um período de negação, misturado com culpa e raiva. Sempre me cuidei, fiz exercício, comi bem, não fiz mal pra ninguém. Questionava Deus sobre os motivos de tudo isso estar acontecendo comigo, me sentindo um lixo por estar naquela situação.
Além de ir ajustando o Levetiracetam (que, atualmente, está em 2.250 g), remédio cuja dose foi aumentando a cada crise, adicionei o Clobazam, 20 mg, um ansiolítico e anticonvulsivante. A partir desse momento, passei, aos poucos, a controlar e entender minhas emoções e sentimentos, com uma importante ajuda da terapia, para melhorar o estresse, os rompantes de raiva e ansiedade.
Não tinha outro caminho: ou eu mudava minha vida como um todo, ou continuava aumentando as doses. Entendo que a frase 'a epilepsia mudou a minha vida para melhor' causa estranhamento nas pessoas. Porém, é uma doença sem cura, que exige disciplina e constante vigilância, e, a meu ver, é uma condição como diabetes e pressão alta, cujos cuidados são até parecidos: tomar remédios e mudar hábitos de vida. Foi o que eu fiz em todas as áreas.
Dormir bem, com boas horas de sono; fazer terapia semanalmente; comer bem; não beber e nem fumar; fazer exercícios físicos; saber o que me deixa feliz e o que me incomoda; valorizar mais as pessoas que me agregam e me afastar das que só fazem mal; e procurar outras formas de resolver meus desafios foram algumas das mudanças que eu fiz. 'Simples, todo mundo está nessa vibe', você pode pensar. Porém, estar é uma coisa, fazer é outra.
'Cada segundo conta'
Com a maturidade rápida que ganhei com as convulsões, percebo que é muito delicado mudar pequenas coisas no nosso dia a dia, mesmo as que parecem mais simples. Aprendi a ser mais prática e, por meio da reflexão, tento encontrar formas rápidas e eficazes de resolver o que me faz mal. Quando entendemos que a morte é real/oficial, ou seja, quando passamos por episódios em que chegamos 'quase lá', acho que o tempo ganha um novo registro, o de que ele passa de verdade e não volta mais mesmo. Cada minuto da minha vida precisa ser para fazer e experienciar coisas boas, e, se não, para refletir sobre como melhorar ou resolver.
Esse foi o entendimento de tudo que aconteceu comigo. Outros pacientes são diferentes e está tudo bem. Cada um precisa passar pelo próprio processo de resolução. A epilepsia ainda é um tabu na sociedade, tanto que existem famílias que levam seus filhos e filhas para serem exorcizados, segundo um dos médicos que me atenderam na UTI. No entanto, com toda essa bagagem que carrego, procuro ajudar as pessoas com o diagnóstico, ouvindo suas histórias e, principalmente, levando informação correta.
Sei os privilégios que tenho, de ter acesso fácil aos medicamentos e aos tratamentos, mas faço questão de utilizar meu ofício de jornalista para abrir debates conscientizadores e me colocar à disposição para ajudar. É uma forma de retribuir tudo o que as pessoas fizeram por mim, de um jeito efetivo, para fazer uma mudança gradual, não só na vida dos epiléticos, mas também nas pessoas ao redor."
Tainá Goulart Gonçalves, 31 anos, jornalista
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