Narradora da ESPN abre 156 processos por ataque em redes: 'Saco de pancada'
Toda vez que abre o microfone pra trabalhar, a narradora de futebol Luciana Mariano recebe uma enxurrada de mensagens. Muitas são elogios. Mas junto das palavras de apoio, a jornalista diz que também é atacada por comentários de ódio. As mensagens vão desde "você é horrível" a desejos como "quero que você morra de câncer" ou "quero que sua família morra em um acidente de carro e só você sobreviva, para que sofra".
"É uma coisa muito revoltante. Quando a gente entra para narrar começam a surgir milhares de tuítes. Imagine você trabalhando e o tempo todo alguém dizendo que você faz mal seu trabalho. Se isso não é uma espécie de assédio moral, não sei o que é", conta, em entrevista a Universa. Cansada dos ataques, Luciana decidiu entrar na justiça. E já abriu 156 processos e ganhou 48.
As mensagens mais pesadas costumam vir por inbox no Instagram, rede social que Luciana quase não usa para falar de suas transmissões. A narradora conta com uma equipe legal de oito pessoas que monitoram as redes e como seu nome é citado 24 horas por dia. Os conteúdos são analisados por advogados e uma psicóloga para saber se é possível enquadrá-los em algum crime ou não. Muitos dos agressores têm perfil falso e, segundo ela, 90% alegam não ser empregados, o que os impede de pagar multa, mas não de fazer trabalho social. "Eu não vou abrir mão de nada", diz.
A ideia da Luciana não é ganhar dinheiro com isso, tanto que não lucrou um real com as ações. "Meu foco não é dinheiro, e sim, a justiça", diz.
Machismo na carreira
Com 30 anos de carreira no esporte, Luciana Mariano foi a primeira narradora de futebol na televisão do Brasil. E por mais que o quadro de nomes tenha aumentado nos últimos anos, o preconceito com a voz feminina no esporte continua. Após um longo período de ataques online, a jornalista resolveu tomar medidas legais.
"Esse é um processo que está acontecendo há bastante tempo. Não só comigo. Todas as mulheres que narram relatam a mesma coisa: o ódio e a invasão que recebemos na internet", diz Luciana, que reforça que a princípio as mulheres no esporte precisavam ser bonitas e eram usadas como acessórios, mas com o passar do tempo, o movimento feminista deu força a elas, mostrando que a inclusão era importante. "Foram necessários 20 anos para termos uma comentarista mulher. Ser narradora é última barreira", conta.
"Quando dizem que não gostam de mulher narrando é porque não estão acostumados com a gente. Em 20 anos, por exemplo, um narrador homem chegou a fazer 6 mil jogos. Eu tenho apenas 400. É como comparar o desempenho de uma criança de um ano com alguém que já está fazendo mestrado. E por que não temos esse entendimento e paciência? Por causa do machismo. Caso contrário, entenderiam que é importante dar oportunidade", diz Luciana.
Ela, inclusive, já recebia apoio de um nome de peso do jornalismo para exercer sua função desde o início da carreira: Luciano do Valle. "Ele me alertou sobre isso há 30 anos. Dizia que o problema não era eu narrar, porque conteúdo eu tinha, e sim, que eu precisava de sequência. Outra coisa que escutei dele e que entendi agora foi que quando uma mulher narra, não vão prestar atenção no jogo, e sim, na mulher e procurar erros", conta.
Só porque exerço uma função que é normalmente masculina para uma sociedade machista e patriarcal mereço ser xingada, hostilizada e ofendida?
Com tantos ataques e constantes, a jornalista pensou em desistir milhares de vezes. Para ela, ler esse tipo de conteúdo constantemente pode fazer adoecer devido ao grande desgaste emocional. "Acredito que é difícil para toda mulher que entra nesta função. Chega um ponto em que as pessoas ficam normalizando a situação, dizendo que é normal. Eu não acho", questiona Luciana.
Conscientização necessária
Com esses processos, Luciana afirma que sua tentativa é conscientizar as pessoas que a internet não é terra de ninguém. "Embora tenha que ser por punição. Não tem outro caminho. Estou lutando por algo que já deveria ser meu, mas é necessário fazer isso para que haja um exemplo. Não dá para virar saco de pancada só porque eu trabalho", diz.
Após o post comentando os processos, os ataques diminuíram. Teve até quem comentou que estava se sentindo ameaçado.
Luciana tem uma reunião com o departamento de inclusão e diversidade da ESPN em breve e quer levar o assunto para se der discutido dentro da empresa também. "É algo que interessa a todos e temos que trabalhar juntos. Sei que é muito difícil uma emissora se pronunciar por algo que não é público, já que as piores ofensas chegam via inbox. Como me pronuncio frente a um cara que paga para assistir ao canal e não gosta? Sei que me afeta, mas, às vezes, não é um assunto para a emissora", diz.
Para ela, além das medidas legais, é preciso um trabalho de conscientização também dentro das empresas. Funcionária da ESPN, onde há um núcleo de inclusão e diversidade, Luciana diz que é preciso pensar uma forma de proteger as mulheres.
"Não estou falando no sentido de privilegiá-las. Mas, por exemplo, dar sequência de jogos, não mudar o time toda hora, porque isso causa um alvoroço. E também evitar jogos como, por exemplo, que um Galvão Bueno narraria. Ainda estamos passando por um processo de aprendizagem", diz.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.