Sem vontade de fazer sexo? Entenda como machismo e estresse afetam libido
"Uma mulher que acorda cedo, 'esquece' o café da manhã para ter tempo de colocar a roupa na máquina de lavar, se estressa no trabalho, almoça de qualquer jeito porque tem que comer na rua e em pouco tempo, passa o dia na frente da tela, pega trânsito ou metrô, quando chega em casa à noite está só o pó e ainda precisa planejar o dia seguinte. Dificilmente ela vai querer transar", diz a terapeuta sexual Claudia Renzi a Universa, reproduzindo uma queixa bastante comum entre as mulheres que atende em seu consultório, em São Paulo: a sobrecarga de uma rotina cansativa está nos deixando sem tesão.
É possível que você tenha se identificado com essa história — eu me identifico, assim como várias mulheres próximas a mim, amigas, familiares e colegas de trabalho. Não há pesquisas recentes sobre isso, mas um dos estudos que ainda é usado como referência, de 2013, feito pelo Cresex (Centro de Referência e Especialização em Sexologia) do Hospital Pérola Byington mostra que a falta de tesão é a queixa mais frequente entre as mulheres no lugar: 48% delas relataram diminuição ou inexistência de desejo sexual.
Nos últimos dois anos, com a pandemia, mulheres viram aumentar a carga de tarefas domésticas e foram as que mais sofreram com sobrecarga mental e com a Síndrome de Burnout, o que leva à suposição de que, agora, esse índice seja ainda maior.
Nos consultórios, a constatação já existe. "Houve aumento das queixas sobre baixa libido, o que a gente chama de desejo sexual hipoativo", pontua a sexóloga Michelle Sampaio.
"Embora também seja feita por homens, essa é uma queixa prevalente entre mulheres. Muitas chegam dizendo: 'Eu era uma pessoa sexualmente ativa, mas agora não faço ideia de onde foi parar meu tesão'".
Michelle Sampaio e Claudia Renzi explicam que, por causa de uma rotina cada vez mais atribulada, que muitas vezes exige da mulher conciliar trabalho e estudos com tarefas domésticas e cuidados com familiares —tarefas que recaem majoritariamente sobre elas— elas tendem a "esquecer" a sexualidade.
"Quando a gente fala em tesão, acaba focando no erótico, mas a libido é, na realidade, uma energia vital. Nessa sobrecarga que impacta especialmente mulheres pelo excesso de tarefas e falta de tempo, a gente acaba dirigindo toda essa energia para outras coisas, enquanto nossa energia libidinal fica esquecida", fala Michelle.
Esse "esquecimento" da libido pode se dar de duas formas: a primeira, positiva, acontece quando encontramos prazer em outra coisa e isso diminui nosso desejo sexual; a segunda, negativa, quando há tamanha sobrecarga psíquica que toda a nossa energia é direcionada para cumprir tarefas, resolver problemas, que não sobra para o desejo erótico.
"Sabe quando a gente está num dia tão corrido, cheio de afazeres, que deixa de lado algumas necessidades básicas, esquece de comer, por exemplo? É a mesma lógica", compara Michelle.
Problema é tipicamente feminino, dizem sexólogas
Segundo as especialistas e também segundo pesquisas, esse é um problema tipicamente femino, mas nada disso tem a ver com a biologia ou com a ideia —errada— de que mulheres sentem menos tesão do que os homens.
São fatores sociais e culturais que aumentam a prevalência da sexualidade hipoativa entre elas: a maioria das mulheres tem a sexualidade reprimida desde muito cedo; assim, não aprende sobre o próprio corpo, se toca menos e, em geral, não fala abertamente sobre sexo.
Com isso, percebe Michelle, a mulher demora para perceber que deixou a energia sexual de lado: "Por todos esses fatores, e também por uma falsa ideia de que a mulher não gosta de transar ou gosta menos do que o homem, ela vai 'empurrando' esse desejo para debaixo do tapete em meio a tantas tarefas diárias".
"Quando a mulher está em uma relação, geralmente é o parceiro ou a parceira que notam a mudança. Já entre as mulheres solteiras, é comum que, depois de algum tempo sem uma conexão com a própria sexualidade, com a masturbação, elas percebam: 'Nossa, faz tempo que eu não penso em sexo'", relata Michelle.
Claudia Renzi conta que é comum, entre suas pacientes, queixas de disfunções como dispareunia (dor genital relacionada ao sexo) e vaginismo (contração involuntária que causa dor durante a penetração).
"Muitas mulheres desenvolvem essas questões justamente por ceder ao sexo por hábito, mesmo sem tesão. Ela está naquela correria do dia a dia, sente que 'tem que' encaixar o sexo na agenda e isso vira mais uma cobrança, ou mais uma tarefa para riscar na lista de afazeres", explica a sexóloga.
E completa: "Elas pensam: 'Nossa, essa semana eu não transei ainda", ou 'quantas vezes será que eu tenho que transar na semana?'. Se sentem pressionadas em relação à sexualidade e, por isso, podem desenvolver essas disfunções".
Machismo também ajuda a acabar com o tesão
Parte dessa falta de tesão entre as mulheres sobrecarregadas tem uma razão ainda mais direta: a divisão bastante desigual das tarefas domésticas —ou melhor: o machismo que leva à ideia de que as mulheres devem ser responsáveis pelo trabalho dentro de casa e com a família.
As duas sexólogas ouvidas para esta reportagem contam que, uma vez que os afazeres da casa não são igualmente divididos, a mulher não só fica mais cansada como também perde a admiração pelo marido, mesmo sem perceber, e esse é um fator essencial para o tesão.
"Olhar para esse cara do seu lado e pensar 'a gente se apoia, tem uma parceria legal' não só faz com que a mulher se sinta menos cansada como me faz ter admiração por ele. Agora, se eu começo a perceber que estou ficando ainda mais sobrecarregada em razão dessa relação, é difícil dirigir meu desejo sexual para essa pessoa", explica Claudia Renzi.
Como resolver o problema?
Driblar o problema da falta de tesão por conta da sobrecarga mental é um processo "profundo" e que se resolve "a médio prazo", dizem as especialistas, e que passa por entender a própria sexualidade e encontrar em meio à rotina atribulada tempo para momentos de prazer, e não necessariamente sexual.
"Quando a gente fala do tratamento para uma mulher que chega ao consultório sem desejo sexual, a solução não é medicação ou reposição hormonal, porque os hormônios delas quase sempre estão ok. O trabalho é pela terapia, que vai fazendo com que ela pense a própria sexualidade e se exponha mais a estímulos que liberam esse desejo", fala Michelle Sampaio.
O primeiro passo, diz a sexóloga, é se observar a rotina para entender quanto tempo é gasto com cada coisa e do que você sente falta no dia a dia, e não só no campo erótico. "Pode ser uma noite de risada com amigas, dez minutos sozinha tomando um bom café, qualquer coisa que seja uma pausa e que dê uma sensação de prazer."
A partir da redescoberta do prazer em outras atividades que não são necessariamente sexuais, encontramos espaço para fazer essa reconexão com a libido.
"Mas o importante é buscar esse desejo porque faz sentido, porque alivia a sobrecarga do dia a dia, e não para que seja mais uma cobrança. O ideal é que o sexo, seja a dois ou sozinha, seja uma vontade pessoal por mais momentos de prazer, e não uma obrigação", ressalta Michelle.
Veja mais: Ana Canosa e Bárbara dos Anjos falam no 'Sexoterapia' sobre a (nova) busca pelo orgasmo feminino
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