'Frustrada com Moro', diz presidente do Podemos e articuladora da 3ª via
Dos 33 partidos registrados atualmente no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), apenas seis são presididos por mulheres. Uma delas é a deputada federal eleita em 2014 e reeleita em 2018 Renata Abreu, 40, líder do Podemos e uma das principais articuladoras da chamada terceira via. Mãe de três filhos —de 11, 8 e 2 anos—, Abreu mora com a sogra, que a ajuda a cuidar das crianças, para conseguir dar conta da rotina de parlamentar e de líder de partido prestes a encarar uma eleição nacional.
Recentemente, a deputada teve que lidar com o revés de um dos seus principais objetivos deste ano para o Podemos: a candidatura à Presidência da República do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que deixou o partido de última hora para se filiar ao União Brasil. Abreu afirmou em entrevista exclusiva a Universa que se sentiu frustrada.
"Principalmente por tudo a que eu me dediquei [para a candidatura de Moro]. Nem sabia que ele estava imaginando sair do partido. Ele nunca teve essa conversa com a gente na última semana", diz, referindo-se aos últimos dias da janela partidária, prazo para se filiar ou trocar de sigla, que terminou no dia 1º de abril.
Uma das reclamações de Moro é de que o partido não tem estrutura adequada. A direção do Podemos nega e afirma ter reservado R$ 35 milhões para a campanha nacional.
Renata avalia que falta experiência política para Moro e que ele foi ingênuo durante o processo de migração de legenda. E de bastidor ela entende. A parlamentar é filha do ex-deputado José Masci de Abreu, um dos fundadores do PTN (Partido Trabalhista Nacional), que deu origem ao Podemos em 2017.
Sem o ex-juiz, a deputada só deve bater o martelo sobre o futuro do partido -se lançará outro candidato à Presidência ou se apoiará um presidenciável de outra sigla— perto das convenções partidárias, entre junho e julho.
Há um mês, Abreu se viu diante de outra baixa: a de Arthur do Val, até então pré-candidato ao governo de São Paulo pelo Podemos. Após as falas misóginas de Do Val ao se referir a mulheres ucranianas — "são fáceis porque são pobres" —, o partido iniciou um processo de expulsão, e ele acabou se desfiliando. Agora, é ela própria que vê seu nome cogitado para as eleições no estado. "Repugnamos as falas dele. Me senti como qualquer mulher: muito mal."
Abreu herdou do pai um partido nanico e, hoje, comanda uma bancada de oito deputados e oito senadores e, possivelmente, estará à frente, também, de uma campanha presidencial. No entanto, na bancada feminina da Câmara dos Deputados, ela divide opiniões. Em 2019, por exemplo, foi alvo de críticas ao apresentar um projeto de lei que flexibilizaria o percentual de cotas para candidatas mulheres.
A proposta, na prática, desobrigaria os partidos a reservarem 30% das candidaturas para mulheres. O PL foi retirado da pauta pela parlamentar.
Ainda sobre esse tema, Abreu foi ré em duas ações sigilosas sob acusação de ter enganado candidatas para preencher a cota de mulheres no Podemos, na eleição de 2018. As candidatas afirmaram ter sido usadas por ela apenas para preencher a cota, sem nunca receber as contrapartidas prometidas. Abreu afirma que as ações foram julgadas improcedentes e arquivadas.
Confira trechos da entrevista.
A senhora disse que foi pega de surpresa com a informação de troca de partido do ex-juiz Sergio Moro. O que aconteceu?
Nosso partido sempre esteve ao lado dele. Nesse um ano, eu rodei com ele o Brasil inteiro. Não teve nenhuma conversa comigo nos últimos meses em que ele falasse que estava pensando em sair do partido. Nem sabia que ele estava imaginando isso. Ele não teve essa conversa com a gente na última semana [da janela partidária].
Moro reclamou da estrutura do Podemos.
Nós demos toda a estrutura, segurança particular 24 horas, uma [pesquisa] qualitativa nacional, fotógrafos, tudo o que ele precisava.
Ficou frustrada com ele?
Fiquei frustrada demais. Principalmente por tudo a que eu me dediquei. O Podemos sempre foi o partido que esteve ao lado dele em todos os momentos na luta do combate à corrupção. Fomos nós que lutamos para não desidratarem o projeto do Pacote Anti-Crime no Congresso, por exemplo. São bandeiras do nosso partido. Então tinha uma afinidade ideológica. A candidatura do Sergio era uma candidatura de conceito, de princípio, não era da política. Não combina com ele uma movimentação dessa, ainda mais alegando falta de dinheiro.
A senhora é uma das articuladoras da chamada terceira via. Como está essa articulação, principalmente com a saída de Moro do Podemos?
Nós vamos desenhar um novo projeto. O Podemos não acredita na polarização e eu me sinto, junto com a nossa executiva nacional, responsável por oferecer uma alternativa de melhor via para o Brasil. Tanto é que as reuniões do centro democrático, nós que iniciamos, junto com o ACM Neto. O Podemos vai definir um nome e vai entrar nas reuniões de centro para que possamos convergir no melhor nome, para a melhor via.
Quais são as alternativas?
Já ouvi o nome de Deltan Dallagnol [filiado ao Podemos desde dezembro], por ele carregar a bandeira da Lava Jato; do senador Álvaro Dias, que já foi candidato e se colocou à disposição. Tem alguns que clamam por mim, por ser mulher, presidente do partido, querem jogar meu nome. Não sou de mídia, de imprensa, mas como eu faço as construções partidárias pessoalmente, criei vínculo com as bases locais.
A senhora pretende ser candidata a governadora?
Estamos avaliando isso dentro do partido, com todos os presidentes estaduais e toda a nossa bancada na Câmara e no Senado. Já estão sendo feitas as sugestões de nome para o projeto nacional e aí, naturalmente, será feita a discussão dos projetos estaduais. São Paulo hoje, infelizmente, não tem nenhuma candidatura feminina, e acho que as mulheres sonham com essa representação em um estado que nunca foi governado por uma mulher.
Seu pai foi um dos fundadores do partido que deu origem ao Podemos. Sua carreira na política foi herdada?
Vivi a luta pela democracia dentro de casa. Meu tio Dorival de Abreu foi deputado federal e que fundou o PTN. Ele foi cassado pelo AI-5, preso e torturado na ditadura militar. Quando terminou a ditadura, ganhou uma indenização porque fecharam a rádio dele [Marconi]. Com essa indenização, gastou tudo para construir um partido e convidou meu pai para ingressar e ajudar a construir o PTN. A sigla ficou à deriva por dez anos. Em 2011, meu pai teve o diagnóstico de Alzheimer. Eu nem gostava de política, sinceramente, mas não podia olhar a história daqueles dois lutando pela democracia e ignorar. Resolvi ser candidata em homenagem à história e à luta da minha família, de que tenho muito orgulho. Fizemos um trabalho muito bom, me elegi deputada federal, elegi dois deputados estaduais, E começamos a fortalecer esse movimento. Para as próximas eleições, nossa previsão de eleitos é de 23 deputados federais, dando tudo errado, e 28, dando tudo certo.
Como é a rotina da mulher que é mãe e política e precisa estar em Brasília trabalhando?
Meus filhos ficam em São Paulo, meu marido ajuda bastante. Moro com a minha sogra, inclusive, para ajudar também. Eu vou toda terça-feira para Brasília e volto na quinta. Pelo fato de ser presidente nacional do partido, saio quinta e vou, por exemplo, para o Maranhão, do Maranhão para Curitiba. Então vou vê-los, praticamente, só no sábado. A família acaba dando um suporte muito grande, as novas tecnologias, como o Facebook, Facetime, também ajudam muito. Às vezes, chego a colocar meu filho para dormir pelo Facetime. Ele liga todas as noites: "Mamãe, me coloca para dormir?" E aí eu faço isso de longe. É triste, mas sei que ele vai ter muito orgulho depois.
Quando a senhora apresentou o PL 2.996/2019, houve críticas de que a proposta deixaria de punir partidos que não lançarem o mínimo de 30% de candidatas mulheres, mantendo a vantagem dos homens. Não foi uma proposta contraditória, já que defende uma maior participação feminina na política?
É mentira quando dizem que esse projeto queria acabar com a cota, nunca se tratou disso. Sp O que ele tratava, de fato, era que, se os partidos não cumprissem os 30%, eles eram obrigados a deixar as vagas vazias, o que prejudicaria o coeficiente eleitoral, ou seja, prejudicaria o partido, é uma penalidade, já que aquelas vagas só poderiam ser ocupadas por mulheres. O que dizia o texto é que, se o partido eventualmente não cumprisse os 30% por não ter mulher que quisesse participar do processo, não poderia tirar vagas dos homens. Eu não acho que, para gente ter o nosso direito, a gente precisa tirar o direito do outro. Quem tem a obrigatoriedade de ocupar esses 30% somos nós, mulheres. E é um desafio cultural, que você não pode penalizar o outro lado. Não é obrigando a mulher a ser candidata que a gente vai melhorar a representatividade feminina.
O Ministério Público Eleitoral de São Paulo apresentou duas ações sigilosas acusando o Podemos ter usado candidaturas laranja nas eleições de 2018. Como estão essas ações?
Foram julgadas improcedentes e arquivadas. A promotoria pegou um grupo de mulheres que recebeu pouco recurso, não só do Podemos, mas também do Solidariedade e do Patriota, e criou uma tese de que aquelas que receberam poucos recursos foram iludidas, de que elas eram candidatas laranja porque foram iludidas. Mas todas candidatas falaram que foram candidatas porque elas queriam ser candidatas. Existe uma distribuição de recursos, em todos os partidos, que é proporcional ao potencial de votos dos candidatos homens e mulheres. Tem que ser assim porque não dá para distribuir o recurso igualmente.
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