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Celebrado no Carnaval, Exu vem para ajudar, mas é alvo de muito preconceito

Demerson D"Alvaro foi o responsável por representar Exu ao público na Marquês de Sapucaí logo na comissão de frente da Grande Rio - Divulgação Riotur
Demerson D'Alvaro foi o responsável por representar Exu ao público na Marquês de Sapucaí logo na comissão de frente da Grande Rio Imagem: Divulgação Riotur

Claudia Dias

Colaboração para Universa, de Sao Paulo

30/04/2022 04h00

A religiosidade de origem afro foi bastante explorada nos enredos das escolas de samba, tanto na capital carioca como na paulista. A ancestralidade africana ganhou os sambódromos e encantou público e júri, diante da celebração das origens da maior parte da população brasileira.

A escola de samba Grande Rio celebrou seu primeiro título de campeã do Carnaval do Rio de Janeiro em 2022. Comum enredo que exaltava Exu, orixá que é uma das divindades mais cultuadas nas religiões afro-brasileiras. Nesse sábado (30), no Desfile das Campeãs, o orixá volta a avenida.

Apesar de desencadear uma antiga intolerância religiosa - ou melhor, racismo religioso —, seu destaque também despertou a curiosidade de quem conhece pouco sobre as raízes afros.

Mas, afinal, quem é Exu?

A resposta depende de qual religião ou linha espiritual é analisada. Isso porque Exu pode ter diferentes interpretações. Na Umbanda, é um espírito ligado aos caminhos, que inicia e encerra os trabalhos e vem em auxílio das pessoas a fim de ajudá-las na própria evolução, através de seus ensinamentos

Já no Candomblé, é um orixá, sendo grande conhecedor de todos os assuntos. É tido como o guardião e o mensageiro entre os planos material e espiritual e possuidor dos segredos dos búzios.

Além disso, é o ponto central de culto na quimbanda, outra forma espiritual afrodescendente. É o espirito que sustenta o culto, sendo guardião, mentor e tutor, juntamente com a pombagira, chamada por alguns de Exu Mulher.

Espírito x divindade

Tanto na umbanda quanto na quimbanda, Exu é espírito e não uma divindade, como ocorre no candomblé. "Eles estão interligados, mas é interessante firmar essa distinção entre espírito, comumente chamado de entidade (exu), e divindade, o orixá (eshú)", diferencia Rapahel Kakazu, terapeuta holístico e oraculista e idealizador do espaço de estudos Covil dos Feiticeiros.

Segundo o estudioso, enquanto entidade, Exu possui atributos ligados ao seu nome - como Tiriri, Tranca-rua, Marabô, Veludo, Morcego e outros. Como orixá, traz diferentes nomenclaturas, de acordo com a raiz de origem africana, como Aluvaiá, Lebá, Legbá, Eleguá, Inquice, por exemplo.

Exu não ocupa nenhum posto na hierarquia dos orixás, porque se encontra em todas as posições, o que reforça seu papel como mensageiro das divindades. É ele quem inicia um canal de comunicação entre o espiritual e o mundano e, igualmente, cessa tal conexão - logo, precisa estar em todos os lugares ao mesmo tempo.

"Mas quando falamos do culto de orixá, é o primeiro a quem pedimos permissão para trabalhar e o último a ser agradecido pelo trabalho feito", diz Raphael.

Preconceito colonialista

Exu não é bem quisto pela gente que desconhece as raízes afros que o celebram. Há, inclusive, quem o associe ao "demônio", entre outras figuras ruins. A verdade, porém, é que Exu é alvo de preconceitos que vêm desde os tempos coloniais da história brasileira.

"Mas também existem traços como a amoralidade nas entidades, como Exu e Pombagira, que são forças cuja função é auxiliar - e, por isso, não julgam. São os espíritos que acolhem quem vive à margem da sociedade e abrem caminhos para que marginais sejam inseridos numa vida mais digna. Essa visão deturpada é puramente resquício de preconceitos de pessoas que procuram entidades imaculadas, como se fossem mais puras ou dignas para ajudá-los", ressalta Raphael.

O estudioso ressalta que Exu é um professor, além de grande amigo. "Acatar e procurar entender o que ele tem a nos dizer nos fará seres humanos melhores, mais prósperos em nossos negócios, mais amável em nossas relações e mais plenos em nossa caminhada. Como professor, é rígido, caso tenhamos posturas contraditórias à nossa própria evolução", afirma.

Quando Exu deve ser evocado

O estudioso explica que o orixá pode ser invocado sempre que alguém sentir necessidade, já que é um grande colega e tutor. Para tanto, pode-se simplesmente levar cachaça e cigarro ou charuto até uma encruzilhada de quatro vias, chamar por ele e ofertar-lhe os presentes, fazendo seu pedido.

Sua manifestação, nessa forma mais simples, pode vir por sonhos ou até mesmo com acontecimentos físicos. Agora, a incorporação só acontece dentro das chamadas "giras", seja na umbanda ou na quimbanda.

"Nesse caso, é sempre com um médium que já possui um trabalho para tal fenômeno; não é algo que qualquer pessoa está sujeita a passar a qualquer momento, sem o apoio de uma casa espiritual", pontua Raphael.

"Laroyê, Exu"

Esta saudação é uma das formas mais comuns de reverenciar a entidade - como fez Paolla Oliveira, rainha da bateria da Grande Rio, vencedora dentre as escolas de samba cariocas. Na tradução popular, seria algo como "Salve, Exu", "Boa noite, Exu" ou "Seja bem-vindo, Exu", que pode ser usada em qualquer ocasião para saudá-lo.

Há mais maneiras de fazer isso. "Outras saudações que podemos utilizar é 'Mojubá Exu' ou 'Exu é Mojubá', que significam 'Meu respeito a Exu, uma forma de enaltecer a realeza de Exu", ensina Raphael.

Mais uma maneira de cultuá-lo é alimentando-o. "Vamos pensar que o alimento, a bebida e o cigarro são considerados prazeres do nosso mundo material e coisas que espíritos costumavam consumir quando estavam vivos. Para relembrá-los desses prazeres, damos comida, bebida e fumo para Exu e dizemos que estamos 'alimentando-o' ou 'agradando-o'", esclarece Raphael.

Além disso, o estudioso comenta que, "olhando para os pontos históricos e reavivando os tempos de escravidão e crueldade", comida e bebida eram escassos - portanto, possuem um valor muito grande e rico de simbolismo de fartura para partilhar com os espíritos.

Homem ou mulher?

Enquanto Exu se destacava na comissão de frente da escola Grande Rio como um personagem viril, na pele do ator Demerson D'Alvaro, mais adiante, conduzindo a bateria, a atriz Paolla Oliveira surgia numa exuberante versão feminina. Seria também a representação do orixá? A resposta é não.

A referência era ao fogo de Pombagira, ou seja, o fogo do desejo que move qualquer coisa, seja no mundo material ou espiritual. "O nome Exu é designado a uma figura masculina, mas dentro desse universo, há o complemento de Exu, que são as Pombagiras, entidades que possuem as mesmas características dele e cuja força nos remete à capacidade de criação e destruição da natureza", diz Raphael

Elas são alimentadas pelo mesmo fogo da intensidade e desejo de Exu - uma força tão poderosa quanto misteriosa. "Nas tradições africanas, especificamente na mitologia bantu, é comum termos Exu e Pombagira como figuras entrelaçadas, capazes das mesmas coisas", finaliza o estudioso.