'Captar dinheiro para negócios é mais difícil para mulher', diz empresária
As paulistanas Paula Crespi e Flavia Deutsch, ambas de 38 anos, são as fundadoras da Theia, healthtech, uma startup da área da saúde voltada ao atendimento especializado da mulher desde quando ela deseja engravidar, passando pelo pré-natal e trabalho de parto até o pós-parto.
Tanto Paula quanto Flavia têm um currículo suntuoso. As duas se conheceram durante um MBA na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, uma das mais prestigiadas do mundo. Ambas também já tinham uma carreira consolidada em startups quando se juntaram, em 2019, e começaram a construir a Theia. Por isso, não tiveram tanta dificuldade para conseguir captar investimentos. Mas dizem saber que, nesse quesito, o desafio é muito maior para a mulher.
"Sabemos o quanto a fase de captação é difícil para as mulheres, pois trata-se de um clube do bolinha muito fechado. Nossa rede de contatos foi essencial para chegarmos aos investimentos com mais facilidade", diz Paula. "Queremos ajudar a mudar esse cenário de homem branco investindo em homem branco", completa Flavia.
Por isso, contam, o networking construído anteriormente no contato com investidores ajudou muito. Em quatro meses de buscas, elas conseguiram o primeiro aporte de R$ 7 milhões da Kaszek Ventures e da Maya Capital (fundo liderado por mulheres). "Só fechamos a rodada quando encontramos uma investidora mulher", lembra Flavia. Segundo ela, não foi um processo fácil, pois ainda há poucas mulheres na área.
"Tivemos de correr atrás e convencê-las; muitas nunca tinham investido", diz. Depois, outros aportes vieram. Recentemente, a Theia levantou R$ 30 milhões em uma rodada liderada pelo fundo americano 8VC. Também entraram na rodada o fundo americano Canaan, especializado em saúde, além da Kaszek Ventures. O valor será empregado na expansão da operação e tecnologia, e para intensificar a parceria e relacionamento com planos de saúde. Vale dizer que todo o processo aconteceu enquanto ambas estavam grávidas.
Dicas para atrair investidores
Segundo Flavia, há alguns pontos importantes para buscar investidores.
O primeiro é ter em mente que não é só o fundo que escolhe a empresa, o empreendedor também deve escolhê-la. Isso porque não se trata apenas de um cheque na mão. É preciso que o valor venha de um lugar —ou pessoa— que faça sentido para o negócio. "Focamos em investidores que tenham experiência no segmento da saúde e no modelo online e offline, por exemplo", diz.
Outro ponto essencial é ter amplo entendimento do mercado de atuação da empresa e conseguir mostrar, com números, o potencial do negócio. Tudo isso combinado com um time bem capacitado.
As empreendedoras apostaram em um caminho não tão usual para abrir uma startup. Muitos desenvolvem antes um MPV (Produto Mínimo Viável), no qual o investimento inicial é mais baixo, referente aos recursos necessários para testar o projeto e adaptá-lo, se for necessário. Depois disso é que partem para buscar investimento. Mas Flavia e Paula decidiram procurar os aportes antes.
"Sabíamos o que queríamos fazer e que a tecnologia seria a base do negócio e, assim, precisávamos levantar recursos", explica Flavia. Elas definiram tese, valores, cultura e objetivos, e tinham em mãos dados bem consistentes para convencer os investidores.
"A ideia com o investimento era criar a primeira versão e colocar na rua para ajustar a rota com dados reais", diz Flavia.
Empreender é uma montanha-russa
Na jornada do empreendedorismo é preciso saber, também, que dias difíceis sempre vão existir. "Empreender é uma montanha-russa com altos e baixos, e o caminho nunca vai ser como o planejado. É essencial adaptabilidade e jogo de cintura", diz Flavia. De acordo com ela, um ponto central é ser um ''inconformado" com o problema que pretende resolver.
"Isso ajuda nos momentos mais complicados, pois você entende o porquê está fazendo aquilo. Muitas vezes, o cenário muda e é necessário ajustar a rota", afirma. Ela dá como exemplo uma situação surgida com a pandemia. "Lançamos o MVP no começo de 2020 e logo chegou o coronavírus. Éramos uma empresa 100% presencial e passamos para o home office, e também tivemos de rever nosso negócio, que era uma solução puramente digital e que chegava às mulheres pelas empresas, e mudou para o foco direto nas clientes.
Na visão de Paula, é essencial saber lidar com essas mudanças de mercado e ter persistência para não desistir. Para isso, ela destaca a importância da resiliência. "Às vezes, começamos o dia incríveis e, à tarde, tudo fica complicado. Esse é o jogo do empreendedorismo", diz. Segundo ela, o frio na barriga e o medo fazem parte do processo. "Desconfio de quem não sente isso, tanto no começo do negócio quanto depois."
Empresa buscar olhar para tudo que envolve a gravidez
A ideia da Theia era sanar um problema antigo: a falta de um olhar global para as necessidades físicas e emocionais da mulher durante a jornada da gravidez. "Pesquisamos muito o mercado e encontramos uma dor real. Ouvimos diversas mulheres que relataram de forma traumática o parto, e outras que ressaltaram o medo e a solidão da fase", diz.
Segundo Flavia, a ideia é reconstruir o sistema para colocar a mulher no centro do cuidado e ampliar o acesso aos procedimentos nessa fase que, hoje, são caros e restritos a quem pode pagar.
Além disso, o objetivo é que a mulher se torne protagonista nesse momento, tenho em mãos todas as informações sobre sua saúde o que, habitualmente, fica perdido pelos estabelecimentos por não contarem com sistemas de integração, armazenamento e análise de dados.
O aplicativo criado pela Theia permite à mulher acompanhar sua gestação semana a semana e ter acesso ao prontuário eletrônico com todas as informações para que os especialistas trabalhem de forma integrada, além de oferecer análise de dados para permitir que a equipe da empresa interfira o mais rápido em casos como diabetes gestacional, por exemplo.
A empresa não revela o faturamento, mas afirma que quintuplicou a receita no último ano. No início deste ano, a dupla abriu sua primeira clínica em São Paulo com atendimento de ginecologia, obstetrícia, pediatria, fisioterapia pélvica e enfermeira obstétrica. Flavia explica que o local foi pensado para colocar a mulher em um espaço de força. "Aqui não existe aquela história de mãezinha, pois a maternidade é potência", afirma.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.