Elas veem sexo no trabalho: mulheres falam de rotina em set de filme pornô
Direção, direção de fotografia e produção são funções indispensáveis em qualquer set de filmagem —inclusive nos de filmes pornôs. Mulheres que ocupam esses cargos ganham cada vez mais destaque na indústria e, em dias de gravação, veem cenas de sexo o tempo todo. A diretora Lívia Cheibub, que hoje mora em Nova York e ingressou nesse meio por querer mostrar o erotismo de maneira diferente nas telas, diz que o seu papel é criar um ambiente seguro para os atores mas que gere tesão e investe no diálogo para quebrar o gelo.
Já a diretora de fotografia Sladká Meduza se identifica como travesti e começou a trabalhar na indústria pornô depois da transição. Ela conta que foi convidada para um trabalho e topou. Assim como Lívia, passa horas vendo pessoas fazendo sexo, mas garante que o ambiente é bem parecido com o da publicidade.
Universa conversou com essas mulheres para entender o clima na área em que atuam. Não é tão diferente quanto você pode imaginar —o que muda é que, entre um "gravando" e outro, acontecem muitos gemidos.
'É minha função criar um ambiente que gere tesão'
"Tem gente que acha que é só chegar no set e transar, mas, no meu caso, quando estava produzindo meu primeiro filme, 'Landlocked', fizemos conversar sobre como cada ator e atriz ficaria confortável. Isso foi muito importante.
Trabalhei com dois atores que eram bem experientes, que já sabiam identificar situações de desconforto e constrangimento. Por isso, começamos com esse papo do que cada um se sentiria bem em fazer. Por mais que tivesse um roteiro a ser seguido, queria ouvi-los. Não eram cenas com marcações, em que eles tinham de estar preocupados em mostrar a bunda ou o peito para a câmera, e sim traduzir o sentimento.
A primeira surpresa que tive no set foi justamente com os atores. Fiquei admirada com o profissionalismo deles. É tudo muito sério. Ainda mais no caso do meu filme, com muitas falas para serem decoradas. Fizemos também exercícios de preparação antes que eles vivessem aqueles papéis.
O que me incomoda na pornografia tradicional é que as mulheres são como bonecas, objetos sexuais e, quando rola a cena, a pessoa perde toda a subjetividade. Começa a ficar ainda mais grave quando falamos de corpos trans e queers. Aquilo é apenas um corpo, não tem afeto.
Como diretora, é minha função, no início, criar um ambiente que gere tesão. Acredito que o diálogo faz com que o clima fique propício para o prazer. Depois que a cena começa, temos uma equipe de mulheres que são muito respeitosas, o que também é um ponto a favor.
Quando apertamos o 'gravar', fica na mão dos atores. Se é uma cena hétero cis, por exemplo, não temos pressa, a atriz é quem dita o avanço. Se ela quiser beijar mais, se vai precisar que o ator a masturbe até que ela fique pronta e mais molhada para a penetração, ela que manda. Gosto de filmar em um estilo mais documental.
Queria que meu primeiro filme tivesse química, que fossem atores que nunca tivessem feito uma cena juntos, para conseguir pegar esse tesão do primeiro encontro. O Parker e a Maria, de 'Landlocked', já tinham feito uma cena de orgia, mas não interagiram um com o outro, então já existia esse desejo. Quando chegou a hora da cena, o tesão já estava à flor da pele.
Apesar de todo esse clima criado, ninguém que está trabalhando fica excitado ou com tesão. Estávamos concentradas na cena. Meu corpo mesmo não respondeu ao que estava vendo. E ninguém da minha equipe falou que sentiu tesão, o que não teria problema. Afinal, você não vai fazer nada no set. As equipes são pequenas, fazemos várias coisas ao mesmo tempo. E nada pode dar errado." Livia Cheibub, diretora, atualmente mora em Nova York
'Nunca vi ninguém que não estivesse lá para trabalhar'
"O set de um filme pornô é comum. Tem quase todas as mesmas funções de um ambiente de publicidade, por exemplo. Tudo é muito profissional. Pelo menos, na minha experiência é assim. Nunca vi ninguém lá que não estivesse para trabalhar. Nem pessoas constrangidas eu presenciei. Quem está ali está acostumado com o ambiente. Mas acho que se cair de paraquedas é provável que não volte.
Existem comentários no trabalho de quem nem sempre é tão profissional assim, mas não é uma exclusividade do pornô, isso existe em todos os lugares. Problemas como assédio, por exemplo. Mas não é porque estamos falando de sexo que esse local está aberto para esse tipo de comportamento. Isso está institucionalizado na sociedade patriarcal em que vivemos, onde os homens acreditam que têm mais liberdade.
Eu mesma já fui assediada de diversas formas, moral e sexualmente, em sets convencionais, e na pornografia nunca passei por situações que chegassem perto disso.
Comecei a trabalhar na indústria pornô depois da minha transição —hoje me identifico como travesti. Eu já trabalhava como diretora de fotografia, mas fiquei um período longe após essa mudança, focando em trabalhos mais autorais. Fiz um filme em que eu atuava, que tinha uma relação com sexo, e uma cena explícita de auto prazer, que foi classificado como pós-pornô. É um filme que foge do padrão da indústria, com foco em corpos dissidentes, que não são explorados no cinema tradicional.
Comecei a dialogar com isso e fui chamada para fazer a fotografia de um filme. Topei. Nessa indústria, por exemplo, nunca tive nenhum problema por ser uma mulher trans. Já fiz filmes hétero cis, bem no padrão comercial, muito diferente dos sets de publicidade e cinema. Não tenho do que reclamar sobre o respeito à minha identidade de gênero." Sladká Meduza, diretora de fotografia, de São Paulo
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