Topo

'Agora Você Sabe': campanha dá voz a vítimas de violência sexual infantil

Lyvia Montezano foi estuprada por um primo ainda na infância e hoje trabalha com projetos sociais para ajudar crianças que também são vítimas de violência sexual - Aquivo pessoal
Lyvia Montezano foi estuprada por um primo ainda na infância e hoje trabalha com projetos sociais para ajudar crianças que também são vítimas de violência sexual Imagem: Aquivo pessoal

Rafaela Polo

De Universa, São Paulo

17/05/2022 04h00

Lyvia Montezano, 33 anos, foi estuprada na infância por um primo quando tinha cerca de seis anos. Mas só na vida adulta ela levantou um véu e conseguiu assimilar com clareza o que tinha acontecido.

Como embaixadora do Instituto Liberta, que luta contra a violência sexual infantil, ela está participando da organização de uma passeata virtual com o nome de "Agora Você Sabe" que acontecerá dia 18 de maio. O objetivo da campanha é que as pessoas falem, em formato de vídeo, que já foram vítimas de violência sexual. A ideia é dar voz àqueles que, como ela, foram vítimas e mostrar a real dimensão do problema no Brasil.

"Fui abusada sexualmente quando tinha cerca de 5 ou 6 anos de idade, por um primo adolescente 10 anos mais velho. Esses abusos aconteceram de formas diversas. Começaram sutis, até chegar a penetração", conta Lyvia em entrevista a Universa. Como não conseguia entender o que estava acontecendo, conta que não tinha nenhuma chance de defesa contra o agressor, nem mesmo para identificar e pedir ajuda. "Temos que explicar para as crianças quando situações inadequadas estão acontecendo", explica..

"Sempre soube o que tinha acontecido, mas era uma memória adormecida. Toda vez que algo me trazia essa lembrança à tona, eu a reprimia e seguia a vida. Falava pra mim que não era traumatizada", conta.

Foi a maternidade que mostrou a ela que ainda era refém dos resquícios que aquele trauma tinha deixado.

A gota d'água

Quando sua filha começou a ficar mais independente, não precisando da supervisão da mãe o tempo todo, Lyvia se viu sofrendo com o medo do que poderia acontecer com ela longe de seus olhos. "Comecei a ter reações exageradas. Em lugares cheios, eu era a mãe em pânico achando que iam sequestrá-la. Não a deixava sozinha em lugar nenhum: monitor de festas, casa de conhecidos", contra. Ela contou com o apoio do marido para conseguir lidar com os traumas e começar a superá-los - uma jornada difícil.

"Ano passado soube que minha filha teria um professor homem na escola. Foi o estopim que me disse que eu precisava resolver os meus processos", conta. A empreendedora levava a filha para o colégio e voltava chorando para casa, não conseguia trabalhar e nem se concentrar. No fim do dia, examinava o corpo da menina todinho e a enchia de perguntas.

"Comecei um processo de contar para as pessoas. Primeiro para o meu marido, depois para as minhas amigas. Foi muito importante para mim, até na questão da reconstrução das memórias, que são fragmentadas porque eu era muito criança e reprimi durante toda a vida", diz.

Para a família, porém, ela não contou. Gravou um vídeo para uma campanha chamada "Uma Voz Chama a Outra" e publicou no feed das redes sociais do Instituto.

"Não preparei ninguém. Caiu uma bomba atômica na minha família, todo mundo ficou desesperado querendo saber quem foi. Pelo lado do meu pai, somos todos muito unidos, então foi um choque. Mas meu abusador é do lado da família da minha mãe", conta.

Ela não tem mais contato nem com ele e nem com parentes há muito tempo. "Para meus pais, foi um sentimento de surpresa e muita tristeza, mas nunca tive uma conversa com eles sobre o assunto", explica. Filha única, e agora com experiência em lidar com vítimas de assédio, Lyvia diz que muitas pessoas escolhem não falar para não acabar com o sonho da família perfeita.

Muitas histórias todos os dias

Em evolução todos os dias em como lida com o que aconteceu, Lyvia afirma que os abusos são parte de sua história, mas não a base de quem ela é. E ouvir experiências de outras mulheres não é um gatilho, e sim uma forma de ajudá-la "Acho que ajuda a lidar. Eu vou muito atrás dessas histórias, no sentido de me sentir compreendida, de trocar amor mesmo. Dar esperança e acolhimento para as pessoas", diz.

Atualmente, Lyvia também trabalha com projetos sociais na região da Amazônia, onde há um índice muito alto de exploração sexual infantil. "Já vi coisas piores do que as que aconteceram comigo. Crianças sendo abusadas pelo pai, mãe e irmãos, continuamente, sem ter como sair do ciclo. Em termos de cargas emocionais, tem, sim, histórias piores que a minha".

#AgoraVocêSabe: campanha do Instituto Liberta faz uma passeata virtual com vítimas de abusos sexuais na infância e adolescencia - Divulgação - Divulgação
#AgoraVocêSabe: campanha do Instituto Liberta faz uma passeata virtual com vítimas de abusos sexuais na infância e adolescência
Imagem: Divulgação

A passeata, que está sendo organizada pelo Instituto Liberta, quer dar voz às pessoas que foram vítimas de violência na infância, e mostrar que esse tipo de crime pode acontecer em todos os lares - dos mais ricos aos mais pobres. No site, há um levantamento que diz que mais de 75% dos abusos sexuais acontecem antes dos 18 anos de idade.

"A passeata tem esse viés interessante, de explicar o que é abuso na legislação, mas também é um movimento coletivo, que traz essa questão sensível, e mostra que ela não tem cara, nem gênero e nem tom de pele", diz Lyvia.

Para participar, a pessoa só precisa gravar um vídeo dizendo uma frase ("Violência sexual contra crianças e adolescentes é uma realidade. Eu fui vítima e agora você sabe") e enviar no site da passeata, algo curto, de 15 segundos. Para participar, basta clicar aqui.