'Cannabis medicinal combate TPM e aumenta prazer feminino', diz médica
Médica neurocirurgiã especialista em dor crônica e medicina integrativa, Thania Rossi, nos últimos dez anos, já atendeu e acompanhou mais de 100 pacientes com cannabis medicinal. Desse total, mais de 80% foram mulheres. "Tem um leque muito grande de tratamentos para a saúde feminina", afirma. Segundo ela, o interesse pelo uso médico da planta também cresce entre os estudantes da área da saúde. No Brasil, com atraso e após um longo período de proibição, a cannabis medicinal vem conquistando cada vez mais pacientes entre o público feminino.
Rossi é professora da University My Brain, uma plataforma de cursos sobre neurociência, e mentora do Brain Pain Neuro, projeto que coordena com alunos de medicina de todas as partes do Brasil e do mundo - e a cannabis medicinal é um dos temas do grupo. "Temos alguns estudantes da Rússia e de Portugal", diz.
Segundo a médica, trata-se de uma liga voltada para o estudo de neurocirurgia, dor e medicina integrativa, vinculada à SBN (Sociedade Brasileira de Neurocirurgia). "Além de aulas e simpósios, estamos iniciando um projeto de atendimento ao público carente de assistência médica".
Thania Rossi conversou com a reportagem de Universa após sua apresentação na primeira edição do Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal, evento realizado no início do mês em São Paulo, que reuniu milhares de pessoas.
Entre outros temas, ela falou sobre as patologias que atingem mulheres e que podem ser tratadas com a cannabis. "É ótima para tratar dores crônicas, pélvicas, sintomas de TPM ou de dor derivada da relação sexual, sintomas da menopausa, distúrbios do sono e quadros de ansiedade."
Os benefícios da planta para melhorar a vida sexual das mulheres e as dificuldades de acesso aos produtos por causa dos preços elevados também foram abordados pela médica. Veja os principais trechos da entrevista.
UNIVERSA Há quanto tempo você conhece e trabalha com a cannabis medicinal?
THANIA ROSSI Conheço desde a faculdade, há 20 anos tentei fazer alguns trabalhos científicos, mas na época minhas propostas foram barradas pelo sistema de ética da universidade. Me especializei em cirurgia de dor crônica, de distúrbio do movimento causado pela doença de Parkinson.
Faço medicina integrativa e prescrevo cannabis medicinal há 10 anos. Antigamente havia muito preconceito, hoje em dia esse tipo de terapia ganhou mais adeptos, a aceitação é muito maior. O acesso também melhorou, a compra da medicação ficou muito mais fácil. Já prescrevi para mais de 100 pacientes, 80% são mulheres.
Por que as mulheres estão tão interessadas na cannabis, quais são as principais utilizações para a saúde feminina?
É ótima para tratar dores crônicas, pélvicas, sintomas de TPM ou de dor derivada da relação sexual, distúrbios do sono, quadros de ansiedade, tem um leque muito grande de tratamentos para a saúde feminina.
Um estudo recente mostrou que a cannabis também pode ajudar mulheres na menopausa que apresentam alteração cognitiva, como perda de foco e de concentração, melhorando a fixação de memórias e outros sintomas cognitivos, além daquele 'calorão' que a mulher sente.
E durante a gestação também é indicada para algumas pacientes que precisam usar medicação para dores, epilepsia. Muitos desses remédios podem prejudicar o feto, alguns fitocanabinoides, não todos, são mais seguros, não oferecem os riscos que outros medicamentos apresentam.
A cannabis também pode ser usada pela mulher para melhorar o sexo?
Hoje em dia com as novas tecnologias da indústria canábica há uma grande variedade de produtos de uso local.
Trabalhos científicos recentes mostram que o uso de fitocanabinoides por via oral, oléo vaginal e supositório pode atuar nas disfunções sexuais femininas. Aumenta o prazer da mulher e pode reduzir dores do assoalho pélvico ou relacionadas ao ato sexual.
Mas, é preciso tomar cuidado no caso do óleo e do supositório porque eles liberam uma substância que pode romper o plástico do preservativo e colocar a pessoa em risco de uma DST (Doença Sexualmente Transmissível) ou de uma gravidez não planejada, o mais indicado seria usar uma camisinha feita de outro material, aliás, já há produtos fabricados com a planta.
A cannabis pode ser usada como tratamento principal para epilepsia, em outros casos é uma terapia auxiliar?
A cannabis contém mais de 500 substâncias ativas, entre elas, mais de 140 fitocanabinoides. O CBD, como se sabe, tem mecanismos de neuroproteção que reduzem a morte neuronal e por isso é utilizado na doença de Alzheimer.
Mas, cada um [fitocanabinoide] vai atuar de uma maneira bioquímica diferente, por isso há um amplo espectro para várias patologias e sintomas que a pessoa possa apresentar, tem a ação analgésica, antinflamatória, neuroprotetora, atua em vários sistemas diferentes do nosso organismo.
Antigamente era usada como a quinta ou sexta linha de tratamento, mas hoje para algumas outras doenças, como no tratamento da dor crônica, a cannabis medicinal tem sido utilizada antes dos opioides e com bons resultados.
Para outras doenças também pode ser uma alternativa anterior a outras opções terapêuticas, se for o desejo do paciente e se houver indicação. Mas, nas doenças de Alzheimer e Parkinson não tiramos os medicamentos de primeira linha, a cannabis entra como coadjuvante.
Fumar a planta de forma recreativa produz o mesmo efeito?
Há um uso, não recreativo, que também pode ser indicado em outros casos [não para melhorar o desejo sexual], que chamamos de vaporização, em que o paciente inala a cannabis sem combustão.
Já o uso recreativo de fumar a planta não é recomendado por causa da alta concentração de fitocanabinoides, são mais de 500 substâncias medicinais, a longo prazo o uso crônico pode trazer alguns prejuízos para a saúde.
O TCH em altas doses pode aumentar a ansiedade, causar distúrbios do sono e até provocar sintomas de psicose se a pessoa já tiver um quadro de predisposição a algumas doenças psiquiátricas.
Quem não pode usar?
Hoje em dia no mercado temos vários tipos de cannabis medicinal, algumas por exemplo tem só um princípio ativo isolado, outras tem vários, há algumas contraindicações desses fitocanabinoides para algumas patologias associadas a medicações, é necessário avaliar caso a caso.
E apesar da enorme diversidade de produtos disponíveis no mercado, os medicamentos com cannabis só podem ser comprados e usados com prescrição médica. Para importados utilizamos receita simples, os nacionais em farmácias de rua precisam de uma receita especial azul, para soluções sem THC e para soluções com THC, a receita amarela.
O uso de psicodélicos é desaconselhado para pacientes com esquizofrenia, isso vale para a cannabis?
O uso de THC em altas doses é contraindicado para alguns perfis de pacientes que têm risco de psicose ou de entrar em um surto psicótico, nesses casos usamos uma dosagem bem mais baixa ou alguma outra solução que não contenha THC, para crianças e idosos também usamos soluções diferentes, porque podem ter interação com outros remédios, como anti-hipertensivos, aumentando, por exemplo, o risco de queda de pressão arterial.
Seus pacientes geralmente buscam a ajuda da cannabis para quais doenças?
A grande maioria são para dor crônica, Parkinson, Alzheimer e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade). Em alguns casos os benefícios e ganhos de qualidade de vida são impressionantes, em outros a resposta terapêutica é igual à de qualquer outro remédio, sempre falo para os meus pacientes que a cannabis medicinal é uma excelente alternativa terapêutica mas não é milagrosa, em geral é preciso alinhar todo um tratamento integrado para o paciente.
Você já usou cannabis medicinal?
Eu já usei e ainda uso para alguns quadros de dores, utilizei também quando tive covid-19, há alguns trabalhos recentes bem interessantes mostrando a diminuição da replicação viral e dos sintomas, tomei uma semana e para mim foi bem brando e passou mais rápido.
Medicamentos são caros para a maioria, quando teremos produtos mais acessíveis e no SUS?
Teoricamente já chegou, eu já prescrevi no SUS, mas a família ou ganhou na justiça através de liminar, ou conseguiu a medicação com entidades que auxiliam famílias carentes, como a Associação Brasileira de Cannabis Medicinal e a Abrace Esperança. E há empresas, como a Biocase Brasil, que tem um programa de acesso popular aos medicamentos e que oferece valores bem abaixo do mercado.
Mas acho que não deve demorar para existir como medicação de alto custo no SUS. Muitos pacientes estão entrando na justiça para conseguir acesso aos tratamentos com cannabis também através de convênios. É um assunto novo, a longo prazo não sabemos ainda qual será o desfecho da cannabis medicinal no Brasil.
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